Capítulo 41 ao 45


 Capítulo 41: Investigação

Dizem que o clima de Jiangnan é ameno e propício para viver, mas quem diria que a brisa fresca do outono poderia trazer tanto frio sem que se percebesse? Na noite anterior, Yue Lingxi ficou por pouco tempo fora do cobertor, e pela manhã já sentia o corpo todo enfraquecido. Quis insistir e sair com Chu Xiang, mas ele recusou com firmeza.

— Seja obediente. Tome a sopa de gengibre e volte para a cama por um tempo.

Ao vê-la abatida, Chu Xiang se arrependeu profundamente de terem brincado tanto na noite passada. Seu corpo já era mais frágil que o da maioria das mulheres, e era quase um milagre que não tivesse dificuldades com o clima local. Agora que o tempo estava esfriando, precisava de ainda mais cuidados — não podia continuar andando por aí com roupas finas como fazia no verão.

As palavras dele sempre foram incontestáveis, e Yue Lingxi já estava acostumada a obedecer. Sem hesitar, bebeu toda a sopa de gengibre de uma vez e olhou para ele com os olhos enevoados:

— Vossa Majestade, posso acompanhá-lo?

Já que não podia sair com ele, ao menos queria vê-lo partir.

Como Chu Xiang não entenderia esse sentimento? Ao ver a sensatez dela, mesclada com uma tristeza mal contida, não resistiu: passou a mão suavemente em sua bochecha e disse:

— Não se preocupe. Eu estou aqui.

Ela assentiu com delicadeza, os olhos cheios de confiança e admiração.

Ele era seu imperador sábio e corajoso, dotado de inteligência e bravura incomparáveis. O que poderia detê-lo? Se não confiasse nele, não restaria ninguém neste mundo em quem confiar.

Ao chegarem à porta, a carruagem já o aguardava do lado de fora. Chu Xiang desceu os degraus e se aproximou, depois olhou para trás, em direção a Yue Lingxi. Ela permanecia na soleira, vestida com trajes simples, as mãos juntas, calma como uma nuvem flutuante, imóvel como a geada. O olhar trazia uma sombra de expectativa — como a de uma esposa que aguarda o retorno do marido.

Chu Xiang esboçou um leve sorriso, então se virou e entrou na carruagem. Sua túnica azul celeste desenhou um arco suave no ar e, ao pousar com elegância, sua figura já havia desaparecido no interior do veículo.

— Para yamen.

Wuling era a capital de Jiangzhou, responsável pelos assuntos das demais cidades da região. Questões agrícolas, comerciais ou políticas eram reunidas no gabinete do governador, onde o magistrado revisava os documentos antes de encaminhá-los ao governador para avaliação final. Caso não houvesse objeções, os registros eram enviados à capital, onde seriam arquivados e postos em prática. Portanto, se restasse algo do caso de dez anos atrás, certamente estaria ali.

O governador possuía maior autoridade que o magistrado, mas este último costumava estar mais familiarizado com os assuntos locais, já que os governadores eram substituídos com frequência. Ao discutir temas regionais, o magistrado muitas vezes sabia mais. Chu Xiang jamais agia sem preparo. Sabia que o novo governador de Jiangzhou ainda não assumira, então incumbiu Xie Huaiyuan de organizar a guarnição e comunicou ao magistrado sua próxima inspeção.

Tudo isso sob o nome do Príncipe Ning.

O magistrado não ousou negligenciar. Esperou ansiosamente por vários dias, mas ninguém apareceu. Imaginava que o Príncipe Ning estivesse fazendo uma inspeção secreta em Jiangnan, com paradeiro desconhecido, e não perguntou nada — apenas aguardou ordens de Xie Huaiyuan. Quem diria que Chu Xiang já havia entrado na cidade e ido direto ao gabinete sem qualquer aviso, pegando-o completamente desprevenido.

Dizem que o Príncipe Ning é difícil de lidar — e é verdade.

Com o vento de outono soprando e o cenário envolto em desolação, a estação era de frescor e orvalho pesado. Na sala, Chen Qiushi não parava de suar. Usou discretamente o lenço que levava consigo para se enxugar, mas logo o suor retornou. Gotas se penduravam em suas costeletas e molhavam o chapéu de gaze negra. Felizmente, os portões do gabinete estavam fechados, ou se tornaria alvo de risos do público.

Curiosamente, não achava que tivesse feito algo de errado, e o Príncipe Ning mal havia falado ao entrar. Ainda assim, não conseguia manter a compostura habitual — parecia haver uma pressão invisível pairando sobre ele, dificultando-lhe sustentar-se.

Uma série de rumores sobre o Príncipe Ning passaram pela mente de Chen Qiushi — a maioria o retratava como um militar duro, impiedoso e de semblante severo. No entanto, o homem diante dele irradiava energia, graça e dignidade, brilhando como o sol escaldante — completamente diferente do que ele imaginava. Teriam os boatos exagerado?

Com esse pensamento, não resistiu e ergueu o olhar — apenas para encontrar os olhos de Chu Xiang, o que o fez prender a respiração.

— Magistrado Chen.

Chu Xiang parecia tranquilo, as palavras saindo lentamente, e o coração de Chen Qiushi apertou.

— Estou aqui! — respondeu com voz tensa.

— Não precisa ficar nervoso. Só estou fazendo perguntas rotineiras.

— Sim, entendo. — Chen Qiushi relaxou ao perceber a atitude serena de Chu Xiang, e aguçou os ouvidos para ouvi-lo.

— Sei que está no cargo há oito anos, e sob sua administração, Wuling prosperou por dentro e por fora, desfrutando de estabilidade prolongada. Sua contribuição como magistrado não é pequena. Esta visita é apenas uma inspeção de rotina. Por favor, entregue as atas e registros do gabinete do governador dos últimos anos. Após a análise, devolverei os documentos sem qualquer omissão ou falsificação.

Nos últimos anos, a corte investiu muito em Jiangzhou para impulsionar a pesca. Chen Qiushi achava que essa era a pauta da inspeção e suspirou aliviado. Estava satisfeito por ter se antecipado, preparando livros de contas, documentos e outros materiais relevantes, assim não faria Chu Xiang esperar. Para sua surpresa, após trazer tudo, Chu Xiang apenas lançou um olhar sobre os papéis e permaneceu imóvel na posição mais alta da sala.

"Magistrado Chen, o que eu quero são todos os registros dos últimos dez anos, incluindo os arquivos de casos criminais."

Chen Qiushi ficou instantaneamente surpreso.

Dez anos? Caso criminal? O que exatamente o Príncipe Ning está investigando?

Sua mente estava em tumulto, mas não demonstrou nada em sua expressão. Gaguejou:

— Alteza, dez anos atrás eu ainda não havia assumido o cargo, e há muitas coisas que desconheço. Além disso, já faz muito tempo e o gabinete passou por várias mudanças. Alguns arquivos... não podem ser encontrados...

Chu Xiang o olhou com calma, sem alterar a expressão, mas seus olhos tornaram-se cada vez mais gélidos.

Chen Qiushi sentiu como se uma lâmina invisível de gelo tivesse perfurado seu peito, congelando os ossos. Mesmo desviando o olhar de imediato, a sensação de tremor não passou — pelo contrário, se intensificou.

Como pôde pensar antes que o Príncipe Ning era gentil e afável?

Em um silêncio aterrador, Chen Qiushi rapidamente mudou de tom, sua voz agora trêmula:

— Mas farei o possível para recuperar os arquivos perdidos. Peço um pouco de tempo a Vossa Alteza.

— Três dias. — Chu Xiang sacudiu as mangas e se levantou, caminhando até o lado dele e fazendo uma breve pausa. — Após três dias, ou entrega os arquivos... ou seu chapéu preto. Você escolhe.

Chen Qiushi prendeu a respiração e mal conseguiu murmurar entre os dentes:

— Sim.

Chu Xiang caminhou lentamente para fora. Sua figura esguia projetava uma sombra no alpendre iluminado pelo sol. Os funcionários do yamen não ousavam levantar a cabeça sob tanta pressão — apenas acompanhavam de canto de olho a sombra em movimento.

Inesperadamente, ele parou de novo. Naquele momento, ninguém sequer respirava.

— Magistrado Chen — disse ele, virando-se lentamente com um tom significativo — você conhece o caso de rebelião de Yue Qunchuan ocorrido há dez anos?

Ao ouvir isso, Chen Qiushi ficou completamente rígido. Após uma breve pausa, respondeu com secura:

— Vossa Alteza está brincando. Como um oficial poderia desconhecer um caso tão importante?

Chu Xiang o encarou por um instante e, então, virou-se e saiu.

À meia-noite.

Todas as luzes das casas estavam apagadas; reinava o silêncio absoluto. Somente os insetos desconhecidos cantavam suavemente. Quando as portas se abriam e fechavam, a luz escapava para a grama, fazendo-os se espalhar e desaparecer num piscar de olhos.

Assim que Chu Xiang entrou no quarto, viu Yue Lingxi encolhida em um canto sob as cobertas, absorta em pensamentos. Seus cabelos pretos cobriam metade do rosto, tornando-a delicada e linda sob a luz esverdeada do lampião — como uma flor de lótus esguia. Ele caminhou lentamente até ela, reprimindo seus sentimentos, e a puxou para seus braços. Só então ela voltou a si.

— Vossa Majestade.

— Ainda pensando no passado? — Chu Xiang puxou o cobertor fino para cobrir seu corpo delicado. — Alguma notícia?

Yue Lingxi balançou a cabeça tristemente:

— Não consigo lembrar. Parece que nunca vi Chen Qiushi antes, nem tenho qualquer lembrança desse nome.

— Naquela época, você ainda era jovem. É normal não lembrar. Além disso, por ora só tenho suspeitas, não provas concretas. — Chu Xiang fez uma pausa, acariciou suavemente sua cabeça e disse com ternura:

— Não se preocupe com isso. Já está tarde. Vamos descansar.

Yue Lingxi estava decidida a encontrar o culpado que incriminou sua família. Agora que surgiram suspeitas, como poderia simplesmente deixar pra lá? Apesar de sua boa memória, sua mente estava confusa, incapaz de organizar os pensamentos. Sentia-se frustrada, mas aprendeu a seguir os conselhos de Chu Xiang. Relutante, deixou de lado suas preocupações e deitou-se.

Mas assim que sua cabeça tocou o travesseiro, percebeu algo estranho. Sim, ela não dormia sozinha desde a noite anterior.

De alguma forma, toda vez que via Chu Xiang, não conseguia evitar pensar na sensação daquele objeto quente que envolvia em sua palma. Era como se uma chama selvagem queimasse em suas veias, deixando-a sedenta, com o coração acelerado. Sentia até vontade de desabotoar suas roupas e olhar para ele mais uma vez.

Foi naquela ocasião que o viu, aquele ser inigualável e nobre, perder a compostura. Ele arfava e rosnava como uma fera selvagem.

A cena em sua memória era intensamente estimulante. Seu corpo começou a esquentar novamente, mas não suava — como se toda a umidade tivesse evaporado. Ao levantar os olhos, viu Chu Xiang ainda sentado na beirada da cama sem se mover, e achou que seria grosseiro dormir primeiro. Então, levantou-se para ajeitar as roupas dele.

Algo estava diferente.

Chu Xiang observava aquela pequena bajuladora tão atenciosa à sua frente, com as sobrancelhas levemente erguidas — ele mesmo havia resolvido tudo na noite anterior, e agora ela vinha ajeitá-lo. Teria ela compreendido algo de repente?

Apesar das reflexões, ele permaneceu imóvel, permitindo que suas mãos suaves e brancas desfizessem seus botões, retirassem o cinto de jade e o vestissem com um robe azul-celeste.

Ao ajustar a gola, ele de repente a puxou consigo para a cama.

— Quando voltarmos ao palácio, venha morar comigo no Palácio Xuanqing e me ajude a despir-me todas as noites. Que me diz?

— Mas sempre foi assim, não? — Yue Lingxi achou estranho, pois costumava servi-lo toda vez que ele ia descansar, salvo quando era dispensada.

— Isso é diferente — os olhos de Chu Xiang ardiam ao perguntar novamente, com insistência:

— Xixi, você concorda?

— Está bem — ela assentiu obedientemente, sem objeções.

O imperador nunca fazia nada errado, nem jamais a machucava.

Chu Xiang não sabia o que passava pela mente dela, mas sua sinceridade já o fazia se sentir leve e satisfeito. Virou-se e a abraçou, apagou a vela e disse:

— Durma bem.

A escuridão tomou o quarto por apenas alguns segundos. Ele sentiu o peso do corpo dela sobre seu ombro, depois ouviu sua respiração próxima. Tinha receio de que ela se sentisse desconfortável, então evitava se mexer. Ela passou uma perna sobre ele, ajustou-se algumas vezes, e suas sobrancelhas relaxaram gradualmente — mostrando que estava confortável.

Instintivamente, ela se aninhou ainda mais perto.

Naquela época, quando se hospedaram em uma estalagem, ela tinha medo de incomodá-lo por não dormir “direito”. Agora, depois de tanto tempo, aprendeu com ele a abandonar toda preocupação e simplesmente se deitar à vontade.

Enquanto pensava nisso, um sorriso apareceu nos lábios de Chu Xiang.

Um dia, ela se acostumaria completamente — pois não existiria outro homem em sua vida que dividiria o travesseiro com ela, além dele.


Capítulo 42: Banquete
Três dias depois, Chen Qiushi de fato entregou tudo, cuidadosamente empacotado em mais de dez caixas, que foram enviadas para a residência de Chu.
Com a ajuda de sua equipe, Liu Yin passou o dia inteiro organizando os arquivos de dez anos atrás e os apresentou a Yue Lingxi. Quando Chu Xiang retornou da inspeção da defesa costeira, encontrou o escritório repleto de papéis amarelados e arquivos espalhados pelo chão. Yue Lingxi estava ajoelhada no centro, alcançando documentos de todos os lados, virando-os rapidamente e jogando-os de lado. As páginas dobradas se espalhavam como um longo dragão, cruzando o chão e quase a engolindo.
Será que ela passou a tarde inteira nisso?
As sobrancelhas de Chu Xiang se franziram levemente, mas antes que dissesse algo, Liu Yin se adiantou para explicar:
— A senhorita não me permite interferir, e eu não ouso incomodá-la, então…
Suas palavras se perderam quando Chu Xiang ergueu a mão.
Ele atravessou a soleira e imediatamente sentiu o cheiro de mofo dos papéis guardados no escuro por anos — era extremamente desagradável. Com os olhos semicerrados, afastou os montes de documentos e a puxou para fora dali.
— O que está fazendo?
Yue Lingxi levantou o rosto devagar, os olhos cinzentos e tristes:
— Vossa Majestade, não há um único registro da condenação ao exílio da família Yue aqui.
Ao ouvir isso, o coração de Chu Xiang amoleceu de repente.
É muito difícil revisar tantos volumes em poucas horas. Mesmo com seu talento excepcional, ela não deveria se torturar assim. Ele estava levemente incomodado, mas ao vê-la perdida e desamparada, não disse nada. Apenas pousou as mãos em seus ombros e retirou suavemente a poeira.
— Vá trocar de roupa.
A frase surgiu abruptamente, como se ele não tivesse ouvido nada do que ela disse. Ela ainda estava abalada e nem refletiu sobre isso. Perguntou fraco:
— Vamos sair?
— Mhmm — respondeu Chu Xiang em voz baixa, segurando sua cintura. — Chen Qiushi organizou um banquete para mim no Jardim da Vista de Jade esta noite.
Os olhos de Yue Lingxi se iluminaram ao entender o recado. Virou-se para trocar de roupa, mas então olhou para a bainha da roupa dele, ainda molhada do mar.
— Alteza, deixe-me trocar suas roupas primeiro, ou o senhor pode adoecer.
Pelo menos ela tem consciência.
Chu Xiang a encarou, sem dizer nada, e levou seu corpo delicado com ele.
No início da noite, chegaram ao Jardim da Vista de Jade.
O céu começava a escurecer, mas ainda se via o tom das flores ao fim do caminho de pedras. Nuvens cinzentas escuras se aproximavam à distância, e as criadas acendiam pequenas lanternas em formato de lótus, balançando suavemente ao lado delas. Conforme andavam com leveza, as luzes tremeluziam e pétalas caíam ao redor do jardim.
Embora ainda faltasse tempo para o banquete, Chen Qiushi e sua esposa já aguardavam há muito.
Há muitas regras não escritas na burocracia, e recepções e banquetes são considerados práticas básicas. No entanto, ao enviar o convite, Chen Qiushi estava inquieto — não entendia o propósito da visita de Chu Xiang nem conseguia decifrar sua personalidade. Não tinha ideia do que esperar. Por isso, ao saber que ele aceitou o convite e chegaria pontualmente, suspirou aliviado.
“Contanto que não sejam exigentes à mesa, tudo certo.”
Nesse momento, surgiu uma comoção do outro lado do Portal da Lua. Ele e sua esposa Zhang avançaram para recebê-los. Várias figuras se aproximavam lentamente sob os salgueiros, suas sombras refletindo à luz suave. Ao se aproximarem, Chen Qiushi se curvou em reverência sem olhar com atenção.
— Este oficial e sua esposa recebem respeitosamente a chegada do príncipe.
— Sem formalidades.
As palavras de Chu Xiang mal terminaram, e as criadas guias se dispersaram como flores e folhas ao vento. Chen Qiushi ergueu os olhos e viu uma jovem graciosa atrás dele, o rosto coberto por um véu fino, mas com o penteado claramente enroscado no alto. Ele se chocou e imediatamente se curvou para pedir desculpas.
— Este subordinado é cego e ignorante, não percebi que a senhorita também acompanhava Vossa Alteza. Peço perdão, senhora.
Todos sabiam que o Príncipe Ning tinha uma dama favorita ao seu lado. Naturalmente, ele presumiu que ela o acompanhava na viagem a Jiangzhou.
Mas, inesperadamente, Chu Xiang estendeu o braço e puxou Yue Lingxi para seu lado, expondo-a diante de todos. Então declarou com orgulho:
— Magistrado Chen, esta é minha princesa consorte.
Chen Qiushi ficou profundamente surpreso. Desde quando o Príncipe Ning se casou com uma consorte?
Yue Lingxi tocou discretamente Chu Xiang onde suas vestes se encontravam — como ele pôde dizer isso? Bastaria uma verificação simples para descobrir que era falso, e suas identidades seriam reveladas!
Todos tinham seus próprios pensamentos e permaneceram em silêncio. Nesse instante, a senhora Zhang tropeçou para trás e quase caiu em um canteiro de flores. Chen Qiushi franziu a testa diante daquela falta de compostura, pronto para repreendê-la. Mas percebeu que ela olhava para Yue Lingxi com espanto — como se tivesse visto um fantasma.
Ele seguiu o olhar da esposa e seu rosto também mudou.
— Ela é idêntica a Rou’er!
Chu Xiang observava claramente a reação de ambos. Um brilho cortante passou por seus olhos quando perguntou, com calma:
— Parece que os senhores têm algo a dizer sobre minha princesa consorte?
— Eu não ousaria! — Chen Qiushi voltou a si e rapidamente puxou a esposa para se desculparem juntos.
— Minha esposa não tem muita experiência e não sabe se comportar. Pedimos perdão, Vossa Alteza!
Chu Xiang o observou por um momento, até que o suor surgiu em sua testa, e então falou devagar:
— Não é problema.
O coração suspenso de Chen Qiushi abaixou levemente, mas ainda não havia pousado. No entanto, ele não teve tempo de pensar sobre isso, pois já passava das 19h, hora de tomar assento. Virou o corpo para abrir caminho e fez um gesto de convite:
— Vossa Alteza, por favor, acomode-se.
Chu Xiang segurou a mão de Yue Lingxi e entrou confiantemente no banquete, sob os olhares da multidão.
O Jardim Vista de Jade é um jardim tradicional de Jiangnan, que valoriza a mudança de paisagem a cada passo. Sejam flores, árvores, formações rochosas ou lagos, não há paisagens sobrepostas em um raio de cinco passos, o que torna o layout requintado. Normalmente é proibido para passeios, e os chefs contratados estão entre os melhores de Jiangzhou, tornando difícil conseguir um lugar no banquete.
Com um cenário tão belo, os pratos eram naturalmente deliciosos, mas Yue Lingxi demorou a usar os hashis. Apenas observava seu guarda-sombra testando cada prato antes que Chu Xiang tocasse na comida — garantindo que tudo estivesse seguro — para então servir Chu Xiang pessoalmente. Ele sabia que Yue Lingxi era especialmente cautelosa fora de casa, então a deixava fazer tudo como quisesse. Depois, voltou o olhar para Chen Qiushi, sentado à frente.
— Gostaria de saber que cargo o Magistrado Chen ocupava antes de assumir esta posição.
A frase soou casual, mas fez Chen Qiushi se tensionar instantaneamente, incapaz de apreciar a comida.
— Vossa Alteza, eu era apenas um estudioso de vila. Fui notado pelo magistrado anterior e me tornei escriba-chefe no yamen.
— O magistrado anterior? — O dedo longo de Chu Xiang rodeava a borda da taça. — Ouvi dizer que morreu de doença súbita, e foi sepultado às pressas sem investigar a causa. Isso é verdade?
Chen Qiushi congelou por um momento e respondeu num tom neutro:
— Vossa Alteza entendeu mal. Ele contraiu a epidemia, por isso foi embalsamado rapidamente.
— Entendo — Chu Xiang apertou os lábios num sorriso que não era bem um sorriso. — De mero escriba-chefe ao cargo que ocupa hoje... pode-se dizer que foi uma ascensão especial.
Ao ouvir isso, Chen Qiushi forçou um sorriso amargo.
— A consideração do imperador por mim enche meu coração de gratidão, mas naquela época a situação em Jiangzhou era complicada. O magistrado havia falecido, houve desastres naturais que destruíram plantações e estradas, e a cidade ficou cheia de refugiados famintos. Um cenário terrível. Os dois governadores que estavam prestes a assumir foram transferidos para outros lugares, e não havia ninguém para assumir o comando. O antigo governador teve de montar uma equipe com o pessoal restante do yamen e começar do zero a governança da região. Logo depois, os documentos de nomeação chegaram.
Em outras palavras, sua nomeação foi fruto da sorte e das circunstâncias.
Esse episódio refletia problemas sérios: oportunismo entre os oficiais, e falta de controle do tribunal sobre a jurisdição local. Mesmo os censores imperiais — defensores da retidão — não ousavam se manifestar. Chen Qiushi, porém, teve coragem de dizer tudo isso durante o banquete. Chu Xiang apenas o encarou com indiferença, sem repreensão.
— Você é direto.
— Já estou na idade de conhecer meu destino. Não há nada que eu não possa dizer — respondeu Chen Qiushi, virando a cabeça para beber mais vinho. Seu rosto estava corado, revelando um tom de ousadia. — Se o príncipe quiser me responsabilizar, não reclamarei.
— O Magistrado Chen se levantou em tempos de crise e fez a coisa certa. Como eu poderia culpá-lo?
Chu Xiang lançou a frase despreocupadamente, encerrando o tópico. Chen Qiushi entendeu a deixa e calou-se.
A sala caiu num silêncio estranho, com apenas o som das criadas circulando a longa mesa, organizando os pratos. A Senhora Zhang observava discretamente e viu que Chu Xiang mal tocava nos hashis — estava pessoalmente descascando os camarões para Yue Lingxi. Seus dedos finos estavam cobertos por suco vermelho vivo, algo difícil até de se olhar.
“Parece que o Príncipe Ning realmente a valoriza profundamente, cuidando dela com tanta dedicação”, pensou a Senhora Zhang, enquanto seus olhos se fixavam naquele rosto familiar — não deslumbrante, mas tão agradável quanto fumaça entre salgueiros. Mesmo sendo tratada como joia preciosa diante de todos, ela não se tornava arrogante com os favores do príncipe. Pelo contrário: trazia-lhe um caranguejo, sussurrava coisas ocasionais... quase como uma aluna entregando dever ao professor.
Depois de um tempo, o Príncipe Ning não aguentou mais e brincou, tomando o prato da mão dela. Ela pareceu descontente, querendo tentar novamente, mas ele não deixou. Limpou-a com uma toalha molhada e ela falou algo em voz baixa. De repente, ele riu alto, inclinou-se e puxou sua mão debaixo da mesa, sussurrando algo. Seu comportamento ambíguo fez até a Senhora Zhang se sentir constrangida.
Ela era muito parecida com Rou’er... mas seu jeito era completamente diferente. Não podiam ser a mesma pessoa...
Mesmo assim, a inquietação cresceu no peito da Senhora Zhang. Após hesitar por muito tempo, não resistiu e sondou:
— O sabor da comida de Jiangzhou é mais leve... temo que o príncipe e a princesa consorte não estejam acostumados.
— Estou habituado com pratos apimentados da capital, então realmente não estou — respondeu Chu Xiang casualmente, com leve sorriso. — Mas a princesa é de Wuling, deve gostar.
A Senhora Zhang quase deixou cair seus hashis de tão surpresa. Virou-se para Chen Qiushi, que tentava disfarçar a própria reação.
“Ela também é de Wuling? Que coincidência...”
Ambos se sentiram inquietos. Nesse momento, a voz envolvente de Chu Xiang ecoou:
— Xixi, beba essa tigela de sopa.
Ele sabia que ela era insegura por ser magra demais, e ela seguia suas recomendações à risca quanto à alimentação. Ao ouvir a instrução, abaixou a cabeça e começou a tomar a sopa — totalmente alheia às expressões mudando à sua frente.
O nome dela também era Xi Xi... Poderia ser possível? Ela realmente... Mas não deveria ter sobrevivido!
Chen Qiushi encarava Yue Lingxi fixamente, o coração em caos, sem dizer mais nada.
O jantar terminou em uma atmosfera estranha. Chu Xiang e Yue Lingxi agiam como se estivessem em casa, enquanto o casal Chen mal conseguiu comer. A despedida foi forçada e animada demais. Só depois que estavam sozinhos no jardim, revelaram seus receios reprimidos.
— M’Senhor... será que o Príncipe Ning sabe o que fizemos naquela época? Será que vai nos prender?
A Senhora Zhang andava de um lado para o outro, apertando o lenço, em total desespero. Chen Qiushi a segurou, franziu o cenho profundamente e respondeu num sussurro:
— Se ela é realmente aquela pessoa... então o Príncipe Ning não veio para causar problemas...


Capítulo 43: Crescer e Espalhar
Cidade Imperial.
Após um mês de regência do Príncipe Ning, os assuntos internos da corte corriam normalmente. Com a aproximação do fim do ano, os assuntos a serem tratados se multiplicavam, e o príncipe já estava hospedado no palácio há quase quinze dias. Sob sua administração rígida, os funcionários das três províncias e seis ministérios passaram a frequentar o palácio com maior frequência.
Certa vez, ao sair do Estudo Imperial depois de entregar o planejamento dos gastos militares para o ano seguinte, Ye Yanxiu ouviu um estrondo vindo do fim do longo corredor — como se algo pesado houvesse caído. Parou por um instante, depois seguiu o som. Para sua surpresa, viu duas jovens tentando recolher papéis espalhados, as saias cobertas de poeira e os cabelos todos embaraçados, em completo desalinho.
O caderno tinha certo peso e não foi levado pelo vento, mas os documentos eram folhas finas que quase se espalhavam como flocos de neve. Ye Yanxiu deu um passo à frente, recolheu dois papéis que já haviam chegado aos degraus e começou a juntar os demais, cuidando para não danificá-los.
Assim que terminou, a criada do palácio com roupas verdes ajoelhou-se e disse, trêmula:
— Esta serva merece morrer por ter esbarrado em Vossa Honra e quase causado um desastre. Suplico por perdão!
Ye Yanxiu então entendeu. O longo corredor serpenteava como um dragão, com pontos cegos que impediam a visão. Talvez a criada estivesse com pressa e tenha colidido com alguém, mas felizmente não se feriu. Os documentos estavam apenas ligeiramente sujos, nada irreparável.
Coincidentemente, veio-lhe à mente o nome mencionado pela criada — Song Yujiao. Ele respondeu com gentileza:
— Está tudo bem, levante-se. O importante é que você não se machucou.
— Obrigada, obrigada, meu senhor! — disse a criada, fazendo reverências antes de se retirar.
Song Yujiao virou-se e inclinou a cabeça respeitosamente para Ye Yanxiu:
— Felizmente, graças à sua presença, consegui concluir minhas tarefas hoje.
— Apenas estava passando — disse Ye Yanxiu, sorrindo e olhando para a pilha de documentos em seus braços. — Muitos papéis entregues hoje pelo Ministério de Pessoal, hein?
Song Yujiao suspirou, os olhos cheios de desânimo:
— Meu senhor, talvez não saiba, mas esses documentos se acumularam por três dias.
— Três dias? Isso é muito pouco, mesmo que bem distribuído. Parece que metade dos oficiais da Província Zhongshu está à toa, enquanto outros se sobrecarregam nesta época crítica.
Ye Yanxiu estranhou a princípio, mas depois compreendeu.
Recentemente, Chu Xiang pretendia delegar parte de seu poder à Academia Hanlin, encarregando-a da redação e revisão de decretos. Agora que Chu Jun estava no comando, não se sabia se por intenção ou por conveniência, ele vinha utilizando cada vez mais a Academia. Dias atrás, elogiou alguns de seus acadêmicos em plena corte — ainda que brevemente, foi o suficiente para levantar especulações.
Os boatos mudaram totalmente o rumo das ambições dos jovens estudiosos — de evitarem a Academia para desejarem integrá-la. Afinal, ela deixava de ser apenas um espaço de escrita histórica e poética; podia vir a se tornar um grande centro de influência.
Não era à toa que Song Yujiao se sentia perdida. Provavelmente, toda a Secretaria Imperial estava envolta em apreensão.
Ye Yanxiu não tocou mais no assunto. Sorriu levemente e sugeriu:
— De qualquer forma, tudo isso é muito pesado para você. Por que não deixo no Estudo Imperial por você?
Song Yujiao sorriu com gentileza, mas antes que respondesse, uma voz feminina surgiu atrás deles:
— Yanxiu!
Ele virou-se surpreso:
— Mingrui? O que você está fazendo aqui?
Lu Mingrui se aproximou rapidamente, ainda com algumas gotas de suor nas bochechas rosadas, como se tivesse corrido até ali. Sorriu abertamente para Ye Yanxiu, radiante como a vegetação da primavera.
— Vim aqui por algo — disse ela, olhando além do ombro dele, depois voltando a encará-lo. — Está com tempo? Poderia me ajudar com uma coisa?
Ye Yanxiu hesitou e olhou para Song Yujiao. Ela fez uma leve reverência e se afastou com agilidade pelo corredor, sem causar embaraço a nenhum dos dois.
Com apenas uma frase, não constrangeu Ye Yanxiu nem dificultou Lu Mingrui. Personalidade admirável — mas há sempre uma exceção.
Lu Mingrui não gostava dela. De jeito nenhum.
Ye Yanxiu abaixou o olhar e percebeu que Lu Mingrui observava a direção pela qual Song Yujiao havia ido, com expressão tensa. Ele ergueu as sobrancelhas e riu suavemente:
— Você já a afastou... ainda não consegue deixá-la ir?
Ela foi pega? Pela primeira vez, Lu Mingrui, sempre direta, demonstrou certo embaraço. Mas respondeu com firmeza:
— Quem a afastou? Ela saiu porque quis. O médico imperial não teria tempo de vir do Palácio Ocidental só para expulsar alguém.
— Então por que você veio?
Ye Yanxiu estranhou. Médicos imperiais só se deslocavam por ordem oficial. Especialmente ela, que jamais deixava a enfermaria sem motivo. E com Chu Xiang fora do palácio e Chu Jun sem enfermidades, por que foi ao Palácio Oriental?
Lu Mingrui suspirou e revelou:
— Um tempo atrás, Lingxi me pediu para preparar um remédio. Agora que houve progresso, pensei em contar a novidade e deixá-la feliz. Mas esqueci que ela já saiu do palácio com Sua Majestade. Ai, minha cabeça...
Continuou resmungando, mas então notou o cenho franzido de Ye Yanxiu.
— Lingxi está doente?
— Não, não é para ela — disse Lu Mingrui, lembrando repentinamente do caso de envenenamento de Duan Muzheng, que não podia ser revelado. Mudou de assunto: — Ei, eu te pedi um favor. Vai aceitar ou não?
Ye Yanxiu continuava preocupado e demorou a responder.
O imperador e Lingxi estavam fora há mais de um mês. Ele não sabia como estava a situação em Jiangzhou — se o caso avançava bem ou não…
Quanto mais pensava, mais nítida ficava a imagem graciosa e encantadora dela, como montanhas suaves e águas claras de outono, impressa em sua mente. Lembrava-se de quantas vezes a tinha visto, e de que ela já se ferira diversas vezes. Entre culpa e inquietação, receava que Lu Mingrui estivesse escondendo algo sobre ela.
Se fosse alguma doença difícil de tratar… como suportaria uma longa jornada até Jiangnan?
Seu sorriso esvaía-se lentamente, até que Lu Mingrui o cutucou e ele voltou à realidade.
— Procurei por toda a Cidade Imperial certas ervas medicinais e não encontrei. Quero vasculhar o acervo da família Ye. Yanxiu, me ajude!
Ela bateu o pé, impaciente. Ye Yanxiu pensou que era para ajudar Yue Lingxi, então concordou:
— Vamos sair do palácio agora?
— Mhmm! — Lu Mingrui agarrou o braço dele e saiu caminhando, deixando para trás sua impaciência anterior e dizendo com um sorriso: — Terei dez dias de folga a partir de amanhã. Eu ia para casa, mas posso aproveitar a carona com você!
— Você sempre foi assim desde criança, sempre querendo o que os outros têm.
Ye Yanxiu olhou para ela, com expressão levemente impotente — seu pai era o diretor da Enfermaria Imperial, sua mãe a última filha legítima da família Xie. Como poderia ter passado dificuldades com comida, roupas, moradia ou transporte? Mesmo assim, gostava de se escorar nele e usava sua influência para agir com autoridade na farmácia da família Ye. Do tempo de infância até agora, isso não havia mudado.
Lu Mingrui, eloquente como sempre, permaneceu em silêncio, e um brilho de alegria passou por seus olhos, seguido por um passo leve.
Os dois saíram do palácio um após o outro e tomaram uma carruagem rumo à maior farmácia da família Ye.
Embora a Pílula de Desintoxicação feita por Lu Mingrui controlasse temporariamente o veneno em Duan Muzheng, não havia garantia de que um dia o corpo não criaria resistência. Como diz o ditado, “a lã vem da ovelha” — se quisessem produzir um antídoto realmente eficaz, precisariam das ervas específicas da região Ocidental Yi. Infelizmente, Lu Mingrui já havia esgotado os estoques que conseguiu no mercado negro, e as outras farmácias não tinham o que precisava. Restava contar com os recursos da família Ye.
Ye Yanxiu mantinha boa relação com ela, então, naturalmente, ela conseguia o que queria. Ao entrar na loja, já mandou o gerente trazer todos os tesouros exóticos disponíveis. O gerente, acostumado com a senhora Lu vindo pegar coisas sem pagar, trouxe várias caixas grandes sem mudar a expressão e as organizou sobre a longa mesa. Caixas feitas de cascos de tartaruga, coral e cristal chamavam atenção, sem contar as ervas raras dentro delas, fazendo os assistentes ao redor esticarem o pescoço para observar.
Lu Mingrui, já habituada a lidar com coisas refinadas, manteve a calma. Sacudiu uma seda limpa que trazia consigo, abaixou-se e começou a examinar item por item, cheirando e manuseando com cuidado por mais de tempo suficiente para uma xícara de chá. Por muito tempo não disse uma palavra, até que bateu palmas e se ergueu.
— E então?
Ye Yanxiu perguntou ao notar seu semblante franzido, mas a resposta que recebeu foi inesperada.
— Apenas essa vitória-régia serve.
Lu Mingrui apontou para a erva medicinal num canto e explicou em voz baixa:
— Embora seja rara no Reino Chu, é só o ingrediente mais comum na fórmula que quero preparar. Mas exige muitos testes, já que será usada em humanos. Não dá para aplicar em camundongos.
— E as outras?
— Não servem — disse ela, oferecendo explicações aleatórias. — Essas são folhas de planta-pântano da Terra dos Bárbaros do Sul, usadas para tratar disenteria e abscessos. Outras vêm de países das Regiões Ocidentais, e são basicamente tônicas. Algumas são do Ocidental Yi, mas são híbridas, com eficácia reduzida e talvez efeitos colaterais…
Ye Yanxiu franziu o cenho e a interrompeu diretamente:
— O que você precisa? Mando alguém conseguir.
— Estava esperando você dizer isso.
Lu Mingrui sorriu com malícia, sem mostrar frustração. Foi direto até o gerente, pediu pincel e papel, e rapidamente escreveu várias linhas, produzindo uma lista assustadoramente longa. Ye Yanxiu sabia que ela tinha outro motivo para esse pedido, mas não disse nada. Mandou fazer dezenas de cópias da lista e as distribuiu aos coletores com ordem para reunir os itens o quanto antes. Ao ver isso, Lu Mingrui se sentiu aliviada.
Sem os ingredientes certos, nem a mulher mais habilidosa consegue cozinhar. Se não encontrassem os materiais na mesma noite, ela estaria de mãos atadas.
Mas Ye Yanxiu sentia o coração afundar — aquelas ervas não serviam para curar doenças difíceis nem para fortalecer o corpo. Então... seria possível que Yue Lingxi estivesse envenenada?
O desconforto cresceu e ele permaneceu em silêncio, levando Lu Mingrui de volta à Mansão Lu. Antes de descer da carruagem, ela o cutucou algumas vezes. Só então ele levantou as sobrancelhas e a viu tirar um frasco esmaltado com delicadeza, sorrindo:
— Este é um creme facial para a tia Qin. Entregue para mim.
Ela adorava desenvolver essas coisinhas, e, surpreendentemente, sua mãe também havia se deixado encantar.
Ye Yanxiu pensou nisso e empurrou o frasco de volta:
— Entregue você mesma quando vier jantar em casa amanhã.
Ela não havia dito que iria jantar com ele...
Lu Mingrui lançou-lhe um olhar afiado, mas não conteve o sorriso:
— Me lembre quando vier me buscar.
As casas deles ficavam em ruas opostas, e ele ainda teria que buscá-la? Ye Yanxiu ficou sem palavras, não resistiu e a repreendeu:
— Está me usando?
Lu Mingrui saltou da carruagem sem se importar e acenou para ele, jogando uma frase antes de entrar alegremente na mansão:
— Então está combinado!
Ye Yanxiu riu e balançou a cabeça. Voltou à carruagem para regressar à residência. Ao olhar casualmente pela rua, viu vários homens trajando roupas firmes entrando na mansão em frente, com passos ágeis — evidentemente, praticantes de artes marciais. Observou com calma e leu na placa: “Mansão Li”.
No amplo escritório, Li Rui estava furioso.
— Imbecis! Quem ensinou boas maneiras a vocês? Entram pela porta da frente em pleno dia! Querem que todos saibam que mantenho um grupo de assassinos?
— Senhor, por favor, acalme-se. Se não fosse pela urgência da situação, não agiríamos dessa forma — respondeu o líder dos homens de negro, aproximando-se e sussurrando. — Sua Majestade chegou a Jiangzhou há alguns dias e já obteve muita informação no yamen.
Li Rui virou-se de repente, e sua expressão escureceu instantaneamente — como uma nuvem carregada sobre sua cabeça.
Então Sua Majestade realmente foi a Jiangzhou!
O julgamento do mestre estava certo, mas Li Rui não sentiu alegria por ter acertado. Em vez disso, começou a se perguntar se havia deixado algum vestígio no passado.
Até os documentos falsos haviam sido destruídos. O governador encarregado fora eliminado. Até os escoltas da família Yue foram substituídos por seus próprios homens. Em teoria, não restava brecha alguma — Jiangzhou era só uma carcaça vazia. O imperador não poderia encontrar nada...
Não, ele não deveria pensar assim.
O olhar profundo e penetrante de Chu Xiang parecia pairar constantemente à sua frente, deixando-o inquieto. Ao mesmo tempo, os conselhos severos de seu mestre ecoavam em sua mente, e ele percebeu que confiar na sorte era inaceitável.
Se Sua Majestade encontrasse qualquer pista, ele estaria perdido. Não podia correr esse risco.
Com esse pensamento, um traço de crueldade transpareceu em seu olhar. Ordenou com firmeza:
— Digam que não há necessidade de continuar a vigilância. Aproveitem a oportunidade... e ajam.
O homem de negro se espantou e ergueu a cabeça:
— Senhor, quer dizer que devemos...
Antes que ele completasse a frase “assassinar o Imperador”, Li Rui girou a manga e o afastou, com uma expressão de determinação e brutalidade como nunca antes.
Chega de esperar e observar. A abordagem do mestre é fraca demais. Em vez de lutar uma guerra psicológica contra Chu Xiang, é melhor acabar com os perigos de uma vez por todas.


Capítulo 44: Memória
A brisa fresca soprava, e o perfume das flores de osmanthus permeava o ar. Seria o ápice do prazer apoiar-se no parapeito, saborear um vinho envelhecido e admirar a lua naquele momento. Infelizmente, o salão de estudos permanecia intensamente iluminado, com um grande halo dourado refletido pelo corredor, acompanhado pelo som constante de pessoas, destruindo por completo a beleza daquela noite.
— O que está acontecendo com os preparativos militares na fronteira norte? Já estão dez dias atrasados e ainda não foram entregues! Se Meng Bo não quer fazer esse trabalho, não me importo de tirar pessoalmente o chapéu de ferro hereditário dele!
Mal Chu Jun terminou de falar, Pei Yuanshu foi imediatamente lembrado da cena em que o antigo imperador concedeu o título de Marquês de Dingguo a Meng Xuan, pai de Meng Bo. Considerando a relação complexa envolvida, interveio:
— Alteza, afinal de contas, a família Meng tem ligação com a família imperial. Eles estão na fronteira norte há tantos anos sem grandes problemas. Se o senhor simplesmente retirar o título por causa disso, será difícil justificar.
— Carregam o nome de parentes imperiais, mas agem como bajuladores — disse Chu Jun com um sorriso cortante nos lábios, e um frio começou a se espalhar pelo ar. — Desde que Meng Xuan morreu, Meng Bo tem sido negligente com as tarefas do tribunal. Os suprimentos militares desta vez devem ser enviados à linha de frente no noroeste. Se houver atraso de um dia, o plano da Expedição do Norte do imperador também será adiado por um dia. Mesmo que eu não o puna agora, quando o imperador retornar, a família Meng não terá um fim agradável!
— A questão da Expedição do Norte ainda não foi oficialmente apresentada. Meng Bo talvez não compreenda as implicações, mas seu desejo de se livrar do controle do tribunal é evidente. Só isso já é imperdoável. Receio que muitos oficiais vão denunciá-lo antes mesmo de Sua Majestade agir. Por ora, Alteza deve ser paciente e encontrar uma forma de transferir rapidamente o equipamento militar à frente de batalha.
Pei Yuanshu, veterano de três dinastias, analisou a situação com poucas palavras, mas de forma clara e completa. Chu Jun achou o raciocínio razoável e começou a organizar o envio dos suprimentos militares.
Após enviar os recados e redigir a autorização, o processo passou pela Academia Hanlin, pelo Conselho Privado e pela Secretaria. Quando tudo se estabilizou, já era de madrugada. Ele esfregou a testa, exausto, quando a chama da lamparina vacilou. Ergueu a cabeça e viu um funcionário atrás da cortina de pérolas brilhantes, perguntando em voz baixa:
— Alteza, pretende passar a noite novamente no Palácio Yongning?
Chu Jun estava prestes a responder sim, quando viu um brilho prateado no canto do olho. Virou-se em direção à janela e viu o Coelho de Jade pendurado alto no céu. Seu rosto mudou imediatamente.
Era outra noite de lua cheia.
Ele não esqueceu que Duan Muzheng adoecera exatamente nessa época, da última vez. No mesmo instante, abandonou os assuntos inacabados e saiu apressado do Estudo Imperial. Sua capa preta desenhou um longo arco no ar e desapareceu na escuridão.
Na calada da noite, o som de cavalos galopando ecoou pela longa rua, aproximando-se cada vez mais até parar diante do portão da mansão do Príncipe Ning. O porteiro segurou apressado as rédeas, sem entender por que o mestre havia voltado àquela hora. Antes que pudesse perguntar, o homem já havia desaparecido, como um sopro de vento.
Chu Jun atravessou o pátio interno e não encontrou sinal de luz. Seu coração acelerado finalmente se acalmou.
Parece que nada aconteceu nesta noite.
Enquanto pensava nisso, uma criada saiu do quarto bocejando e, ao ver a figura imponente sob o beiral, exclamou:
— Alteza, por que voltou?
A pergunta soava como se ele não devesse estar ali.
Havia traços de impaciência nas sobrancelhas de Chu Jun, mas ele não a repreendeu. Perguntou num tom grave:
— A senhora já foi dormir?
A criada assentiu:
— A senhora repousou cedo hoje, deitou-se na hora Xu (entre 19h e 21h).
A expressão de Chu Jun se tornou sombria. Temia que ela não estivesse bem e não quisesse chamar atenção, usando o sono como desculpa. Deu um grande passo e entrou no quarto.
Não havia luz, apenas um leve brilho da lua espalhado diante da cama, refletindo vagamente a silhueta graciosa atrás das cortinas de seda verde. Ela parecia dormir profundamente. Chu Jun suspirou de alívio, e o cansaço acumulado ao longo do dia o envolveu. Sem hesitar, ergueu o véu e sentou à beira da cama. Com cuidado, recolocou no colchão o braço de lótus de Duan Muzheng que estava exposto.
Meia lua havia se passado, e ele finalmente percebia o quanto sentia sua falta.
Observava com gula o rosto adormecido dela, tentando resistir ao impulso de tocar a suavidade que recordava. Mas logo interrompeu o gesto — havia saído às pressas do palácio, com as mãos sujas de tinta e poeira das rédeas, o que tornava impróprio tocar-lhe o rosto.
Enquanto lutava com os próprios desejos, um par de olhos brilhantes se abriu silenciosamente na escuridão, piscando algumas vezes antes de se fixar.
— Marido?
Os pensamentos de Chu Jun foram interrompidos. Com voz rouca, perguntou:
— Acordei você?
Duan Muzheng balançou a cabeça e tentou se erguer com o braço, mas não tinha força, pois acabara de acordar após tomar remédios. Caiu sobre ele, e Chu Jun a segurou. No instante em que seu corpo suave e perfumado se encostou ao peito dele, o vazio pareceu preencher-se por completo.
Ele não queria soltá-la.
Essa sensação de plenitude o fez pensar em como havia passado aquelas dezenas de dias no palácio. E ela, por sua vez, fora incrivelmente paciente, sem ir ao palácio sequer uma vez. Será que sequer o via como marido?
Um desconforto súbito lhe percorreu, e o braço ao redor da cintura dela tornou-se frio e rígido como aço. Nesse momento, ela tossiu duas vezes, e ele imediatamente esqueceu a inquietação e inclinou-se para verificar.
— Ainda se sente mal hoje?
— Não — Duan Muzheng negou com rapidez e sorriu para tranquilizá-lo. — O remédio que a médica Lu receitou está funcionando bem. Se algo acontecer, entrarei em contato com ela. Você não precisa se preocupar. Os assuntos do governo são mais importantes.
Ao ouvir isso, o rosto de Chu Jun escureceu, suas palavras transbordando ironia:
— Parece que você compreende a justiça melhor que as próprias concubinas imperiais.
Duan Muzheng suspirou profundamente:
— Não quis dizer nada com isso... Agora que lhe confiaram o governo, inúmeros olhos vigiam cada movimento seu. Você não pode cometer erros. Não quero ser uma distração.
— Não é a primeira vez que assumo o governo. Sei como lidar com isso. Se quiserem me atacar, que tenham competência — disse ele com frieza, embora uma leve suavidade despontasse em sua voz. — Além disso, acha mesmo que se você não me contar, eu não vou perguntar à Lu Mingrui?
— Sim, tudo está sob controle do meu marido. Preocupei-me demais — respondeu Duan Muzheng com um sorriso, recostando a cabeça no ombro dele.
Embora o bom remédio tivesse temporariamente suprimido o veneno, seu corpo ainda estava frágil.
Chu Jun, no entanto, não percebeu nada estranho. Achou que ela apenas queria se aproximar após tanto tempo sem vê-lo. Tirou os sapatos e se deitou ao lado dela, dizendo:
— Ainda é cedo. Vamos dormir mais um pouco.
Embora Duan Muzheng estivesse muito cansada, ela relutava em fechar os olhos, pois não queria desperdiçar aquele tempo juntos dormindo. Para se manter acordada, esfregava distraidamente a mão no pescoço dele, ora roçando o pomo-de-adão, ora deslizando até o queixo, que estava levemente áspero por causa da barba recém-aparecida.
Chu Jun percebeu que ela não queria dormir, então tomou a mão dela e a segurou na palma, murmurando:
— Se você ficar entediada durante o dia, pode ir ouvir ópera ou passear pelas ruas. Os assuntos do Estado estão pesados, e temo que não terei tempo para voltar nos próximos dois meses.
Duan Muzheng ficou surpresa por um instante e, logo depois, caiu na risada.
Preferia mil vezes receber uma espada a ser convidada a fazer o que as nobres normalmente faziam. Poderia passar uma manhã inteira praticando no pátio e adoraria. E se o assunto era tédio, ele já estivera seis meses lutando na fronteira, e ela nunca reclamara. Por que seria diferente agora? Ao menos ele estava na mesma cidade, e poderiam se ver a cada dez dias ou algo assim. Ela não era exigente e já se sentia satisfeita.
Mas, pensando bem... o imperador e Xixi teriam de ficar tanto tempo longe da capital? Ao considerar isso, franziu o cenho e perguntou:
— Marido, houve alguma coisa que os atrasou em Jiangzhou?
— Por ora, tudo está normal — respondeu Chu Jun, após uma pausa, olhando para ela. — Parece que você está bastante preocupada com a situação de Yue Lingxi?
O corpo de Duan Muzheng se retesou. Após hesitar por um momento, decidiu ser sincera:
— Porque... Xixi é minha irmã mais nova. Ela fugiu de Western Yi para vir me procurar.
Embora Chu Jun já soubesse disso, não esperava que Duan Muzheng lhe revelasse espontaneamente, e seu coração estremeceu levemente.
Ela sabia que, por ser de Western Yi, estava destinada a ser apenas uma concubina a seu lado, e nunca buscara sua proteção, sempre mantendo a última linha de defesa. Às vezes, Chu Jun achava que ela o amava, mas outras vezes não conseguia entender seus verdadeiros sentimentos, como se estivessem sempre ocultos atrás de segredos. No dia em que a verdade viesse à tona, não fazia ideia de qual seria a escolha dela.
Agora, ao vê-la disposta a falar sobre Yue Lingxi, mesmo já sabendo do assunto, sentiu um alívio, como se a muralha entre eles finalmente estivesse prestes a rachar e desmoronar.
Se ela estava disposta a falar, o que ele não poderia aceitar?
Imerso no luar sem fim, seu coração rígido inconscientemente se suavizou, mas não deixou que isso transparecesse em suas atitudes ou palavras. Apenas comentou com leveza:
— Seu temperamento não combina com o das outras pessoas, mas você é particularmente próxima dela. Isso sempre me surpreendeu.
— Meu marido é sábio — disse Duan Muzheng, aliviada por ele não tê-la culpado por esconder a verdade.
— Ela não é sua irmã biológica, certo?
— Não — respondeu Duan Muzheng após uma pausa, pensando que, já que haviam começado aquela conversa, não havia mais por que esconder as velhas histórias. Prosseguiu: — Nós a salvamos nas montanhas, minha mãe e eu. Vivemos juntas por dez anos, como irmãs de verdade.
Dessa vez, Chu Jun estava genuinamente surpreso. Já ouvira de Chu Xiang o relato sobre Yue Lingxi. Teria sido por isso que ela sobreviveu ao exílio fora do país?
Ele não disse nada, e Duan Muzheng não percebeu, perdida em suas próprias lembranças.
— Naquele inverno, minha mãe e eu enfrentamos uma nevasca para voltar para casa no Ano Novo. Ao atravessar a montanha Yanran, encontramos alguém soterrado num amontoado de neve no vale. Fiquei apavorada ao ver o corpo ensanguentado exposto e comecei a chorar. Minha mãe me consolou por um tempo e pediu que eu me escondesse atrás das rochas, enquanto ela cavava sozinha para tirar a pessoa dali.
Chu Jun notou que a voz dela se tornava cada vez mais grave, então a envolveu nos braços, apertando-a suavemente.
— Os dotes em artes marciais de minha mãe eram ótimos, então logo retirou a neve e descobriu que havia mais de uma pessoa ali. Pareciam ter caído do penhasco, e a primeira que vi foi uma mulher já sem vida. Ao lado dela havia um homem, também morto, mas segurava uma criança nos braços. Por causa do corpo dele servindo de amortecedor, a criança ainda estava viva. Minha mãe limpou o sangue do rosto da mulher com um pano e então viu que era uma garotinha muito bonita. Ela pareceu sentir algo e abriu levemente os olhos. Não chorou nem pediu ajuda, apenas nos olhou em silêncio.
Duan Muzheng fechou os olhos e limpou as lágrimas que começavam a surgir.
— Pobrezinha, todos os seus membros estavam quebrados na época, mas ela não emitiu um único som. Não consigo imaginar como suportou aquilo!
— Foram os oficiais que fizeram isso? — perguntou Chu Jun, com frieza.
— Não — respondeu Duan Muzheng, recomposta. Explicou calmamente os detalhes: — Os oficiais escoltaram a família até dez milhas além do portão e depois retornaram. O tempo estava muito ruim, com neve constante durante um mês inteiro. Eles ficaram presos em meio ao deserto, sem vila ou abrigo por perto, desconhecendo o terreno — e por acaso caíram do penhasco.
Ninguém escapa de desastres naturais nem das calamidades provocadas pelo homem.
Chu Jun, sendo homem, não era tão sensível quanto ela. Mas captou algo estranho rapidamente.
— A família Yue não era composta por quatro pessoas? Para onde foi o quarto membro?
Duan Muzheng ficou abalada com a pergunta e pensou por muito tempo antes de responder:
— Xi Xi tem uma irmã mais nova, que tinha apenas seis anos e era bastante frágil. Parece que morreu de doença pouco depois da partida. O corpo não foi enterrado, apenas abandonado na neve. Uma tristeza profunda.
— Os pais dela simplesmente aguentaram isso?
— Como alguém pode suportar a dor de perder uma filha? O pai dela queria enfrentar os oficiais, mas como era apenas um estudioso, não teve forças e caiu sob os chicotes. A mãe dela não teve qualquer reação, nem olhou para a filha uma última vez! Segundo Xixi, talvez tenha sido um choque tão grande que a deixou fora de si.
Chu Jun permaneceu calado, com um brilho cortante nos olhos.
Será que foi apenas insanidade... ou havia algo mais escondido?


Capítulo 45: Compras
A chuva fina permeia as árvores floridas da cidade, e a beleza única dos pórticos de Jiangnan torna-se ainda mais evidente na névoa, como uma beleza graciosa e encantadora. Os beirais dispersos e bem alinhados se assemelham a sua saia, com milhares de cortinas de água caindo, produzindo sons como pérolas caindo sobre pratos de jade — uma melodia inebriante para o coração.
Viver ali, longe dos assuntos mundanos, não seria uma má ideia.
Embora pareça um ideal distante, roubar meio dia de lazer ainda é possível. Por exemplo, Chu Xiang não foi à delegacia da prefeitura para revisar arquivos ou aprovar memoriais urgentes vindos da capital naquele dia. Esperou até que a chuva diminuísse um pouco no meio da tarde antes de trocar de roupas, como se já tivesse planejado para onde ir, mas também agindo como se tudo fosse por impulso.
Liu Yin sabia administrar bem seu tempo. Enquanto Chu Xiang se trocava, ele relatou suas descobertas recentes.
— Vossa Majestade, como previa, não há nada relevante sobre Chen Qiushi, o magistrado. Apesar de algumas práticas corruptas na burocracia, ele nunca se enriqueceu às custas do povo. Além disso, realizou algumas boas ações dignas de louvor, então os moradores locais estão satisfeitos com ele. Eu achava que a investigação tinha chegado a um beco sem saída, mas algo estranho surgiu ao inspecionar sua família — ouvimos isso dos vizinhos.
— Prossiga — disse Chu Xiang com um olhar firme.
— Chen Qiushi e a senhora Zhang são um casal dedicado, com boa relação. Por isso, ele nunca tomou concubinas. Infelizmente, a senhora Zhang é estéril, então eles adotaram uma menina de um parente distante. Segundo os vizinhos, a menina já tinha idade quando chegou, mas devido à saúde frágil, vive reclusa numa vila separada e quase nunca é vista. Com o tempo, muitos passaram a supor que ela tivesse morrido de doença. Até que uma noite, alguém ouviu uma discussão vinda da residência de Chen. De um lado, a senhora Zhang; do outro, uma voz infantil — presumivelmente da garota.
— Continue.
— O teor da briga era estranho. A garota acusava a senhora Zhang de mantê-la prisioneira na vila por anos, privando-a de liberdade e qualquer alegria. Alguns pensaram que a senhora Zhang a maltratava, mas quando ouviram os soluços dela dizendo que tudo era para o bem da garota, pedindo que aguentasse mais alguns anos, a menina tornou-se ainda mais teimosa e violenta. O conflito só terminou com a chegada de Chen Qiushi, mas seus motivos jamais foram revelados.
— Onde está essa garota agora?
Chu Xiang ergueu o pé e deixou a criada calçar suas botas impermeáveis. Depois de esticar as pernas, voltou-se para Liu Yin, que respondeu:
— Vossa Majestade, a garota voltou à residência de Chen nos últimos dois anos. Normalmente sai com a senhora Zhang para comprar roupas e joias, mas raramente vai a lugares movimentados como parques ou salões de chá. Alguns dizem que ela tem uma doença contagiosa que pode recidivar a qualquer momento, razão de seu comportamento. Mas eu não acredito nisso.
Como comandante da Guarda Proibida e dos Guardas Sombrios, Liu Yin era muito mais sensível a esse tipo de questão. Chu Xiang já havia notado algo estranho antes, então perguntou diretamente:
— Você sabe como ela é fisicamente e quando nasceu?
— Este humilde servo já enviou homens às lojas de roupas e joias em Wuling para reunir materiais, e devem voltar em breve...
Antes que terminasse, ouviu-se um ruído do lado de fora. Provavelmente os guardas em missão. Liu Yin os chamou, e, como esperado, entraram carregando um retrato. Liu Yin estendeu a mão, desenrolou-o sobre a mesa e, ao segurar o peso de papel, estremeceu ao ver o rosto pintado.
— Vossa Majestade, isto...
O olhar de Chu Xiang percorreu o retrato e congelou por um instante — a pessoa desenhada tinha uma expressão ingênua e o rosto rechonchudo, claramente uma versão saudável e vívida de Yue Lingxi.
Seu palpite estava correto.
Antes, fora mencionado que Chen Qiushi empalidecera ao ouvir sobre um caso de dez anos atrás — suspeitou que fosse por culpa. Mais tarde, quando levou Yue Lingxi ao Jardim Vista de Jade para um banquete, tanto Chen Qiushi quanto a senhora Zhang mudaram de expressão, reconhecendo-a. Contudo, não houve medo, apenas surpresa. Aquilo não era reação de alguém culpado. Supôs, então, que havia outras razões — e agora tudo se confirmava.
Qualquer um ficaria surpreso com a semelhança entre a filha adotiva e Xixi.
Para confirmar suas deduções, Chu Xiang perguntou ao guarda sombrio que acabara de entrar:
— Qual a idade dessa garota? De onde ela é originalmente?
O guarda inclinou a cabeça e respondeu:
— Segundo o registro que obtive infiltrando-me no yamen, ela tem apenas 18 anos e sua terra natal é Bozhou. Contudo, essas informações foram acrescentadas posteriormente. Parece que o registro original foi perdido durante a realocação.
Perdido? Coincidência demais.
Chu Xiang semicerrava os olhos e fez a pergunta mais crítica:
— Quando Chen Qiushi e sua esposa a adotaram?
— Não sei a data exata, mas posso confirmar que foi há dez anos.
Ao ouvir isso, Chu Xiang permaneceu calado por um tempo, cada vez mais certo de suas conclusões.
Até onde sabia, Yue Lingxi tinha uma irmã mais nova, dois anos mais jovem. Embora se dissesse que morrera, seu corpo nunca fora encontrado. Aquela garota se parecia muito com ela e surgira justamente ali — impossível não desconfiar. Somando as reações de Chen Qiushi e da senhora Zhang, Chu Xiang tinha quase certeza de que sabiam de algo.
Mantê-la enclausurada na vila era para impedir que fosse reconhecida. Dar-lhe dois anos para se recuperar era porque seus traços já estavam plenamente desenvolvidos, e o risco diminuíra. Não querer entregar os documentos do caso de dez anos atrás provavelmente era por temer que descobrissem que abrigavam uma criminosa. Quanto às inconsistências de idade e local de nascimento, nada disso seria problema com alguém como o magistrado Chen Qiushi por trás.
Todos os indícios apontavam para uma única resposta — Chen Qiushi havia salvado secretamente a irmã de Yue Lingxi e enganado todos.
Sentindo-se completamente confuso, Liu Yin refletiu por muito tempo sem compreender. Pensava apenas que, por a garota se parecer com Yue Lingxi, talvez tivesse alguma relação com ela. Então murmurou:
— Vossa Majestade, deseja que eu vá chamar Xiuyi?
— Não — respondeu Chu Xiang imediatamente, ordenando em voz baixa: — Sem minha permissão, não diga uma palavra a Xiuyi.
— …Sim.
Embora Liu Yin cumprisse rigorosamente as ordens, não conseguia esconder sua dúvida. Ao perceber isso, Chu Xiang apertou os lábios e manteve-se frio, sem sinal de mudar de ideia. Isso porque tinha a forte intuição de que desvendar aquele mistério talvez não fosse algo bom para Yue Lingxi. Era melhor poupá-la por ora e deixá-la descontar sua frustração nele no futuro.
Com isso em mente, Chu Xiang ajustou as roupas e saiu do escritório em direção ao salão de flores.
A chuva fina batia suavemente na janela do canto. A bela jovem estava sentada sozinha à escrivaninha, apoiando o queixo com uma mão e folheando um livro com a outra. Não percebia nada ao redor, nem o som dos passos evidentes — parecia mergulhada em outro mundo.
Chu Xiang não desviava os olhos dela, mas falou com Shu Ning:
— Há quanto tempo ela está aqui?
— Vossa Majestade, Xiuyi tirou um cochilo de meia hora após o almoço e veio para cá ao acordar.
Desde que chegaram a Wuling, Yue Lingxi dedicava boa parte do dia à leitura dos documentos antigos. Alguns já haviam sido lidos, mas ela temia deixar algo passar e os revisava novamente. Se não fosse pelas palavras persuasivas de Shu Ning, provavelmente ficaria ali em silêncio o dia inteiro.
Shu Ning suspirou em silêncio e, ao virar os olhos, viu que a figura imponente já estava ao lado da mesa, apertando a cintura de Yue Lingxi antes de beijá-la sem hesitação.
Sua Majestade é mesmo imprudente! Como pode fazer isso em plena luz do dia?
Sem pensar muito, Shu Ning virou-se rapidamente para um canto, onde ouvia os murmúrios surpresos de Yue Lingxi e seus gemidos involuntários — seus ouvidos começaram a se ruborizar.
Será que Sua Majestade pretendia fazer algo com Xiuyi?
A cena daquela noite ainda permanecia vívida em sua memória. Chu Xiang saíra do quarto sem camisa pedindo água. Atrás da porta semiaberta estavam espalhadas roupas de dormir, mantos, cintos de couro — uns pertencentes a ele, outros a Xiuyi — todos manchados por marcas escuras de umidade. E Xiuyi, dormia profundamente dentro da cortina branca. Aquilo causava a impressão de que algo acontecera entre os dois. Felizmente, ao arrumar a cama no dia seguinte, não foram encontradas manchas de sangue, e ela respirou aliviada.
A partir disso, Shu Ning entendeu que Sua Majestade era imprevisível e nada contido. Quem sabia que tipo de extravagância poderia fazer agora? Era melhor se retirar.
A porta abriu e se fechou suavemente. Após as mudanças de luz e sombra, restaram apenas dois no salão de flores.
Yue Lingxi estava um pouco tonta com o beijo repentino de Chu Xiang. Ofegava, agarrada ao braço dele. Aproveitou uma pausa e murmurou:
— Vossa Majestade?
— Gostou, Xixi?
Chu Xiang parou e a encarou de perto. Rosto corado, olhos enevoados, lábios úmidos — tudo realçava a beleza dela, fazendo o coração dele palpitar. Sua sinceridade o fazia amá-la profundamente.
— Eu gostei.
Toda vez que ele a beijava, seu corpo parecia se renovar — como se fosse regado por chuva e luz, banhado por sol morno.
— Mas não gostei tanto assim — disse Chu Xiang, arqueando as sobrancelhas com implicância. — Há um cheiro de mofo em você ultimamente.
Yue Lingxi entendeu de imediato, olhou os objetos sobre a mesa e sussurrou:
— Então… Vossa Majestade permite que eu vá trocar de roupa?
Chu Xiang sorriu:
— Pra quê se incomodar? Basta caminhar pela rua que o cheiro vai embora.
Assim, naquela tarde chuvosa, os dois saíram juntos sob um guarda-chuva de papel encerado.
Andar na chuva tem seu charme. A esguia Yue Lingxi encostava-se no alto e elegante Chu Xiang, atraindo olhares por onde passavam. Mesmo assim, a sensação de deslocamento os seguia como sombra.
Ela havia retornado, mas parecia mais uma estrangeira.
A mulher na ponte cantava baixinho enquanto lavava roupas — mas Yue Lingxi só reconhecia o som, sem compreender o conteúdo. Crianças corriam e brincavam no beco, pisando sobre rodas incompreensíveis. As moças que andavam juntas usavam chapéus de bambu e véus leves, flutuando como imortais. Ela, por sua vez, com guarda-chuva na mão, parecia uma exceção.
Sentia-se desconfortável e tentou desviar-se. Mas inesperadamente, Chu Xiang entregou-lhe a alça do guarda-chuva, a envolveu com o braço e a puxou para perto. Encarou os olhares curiosos de frente e com firmeza — tão intimidadora que ninguém mais ousou fitá-los diretamente.
— Vossa Majestade…
Yue Lingxi achou impróprio e chamou-o baixinho, mas ele ergueu as sobrancelhas:
— O que foi? Eles podem olhar para você, mas eu não posso encará-los?
— É por causa da minha roupa estranha…
Ao ouvir isso, Chu Xiang riu, abaixou a cabeça e a beijou ali mesmo, no meio da rua:
— Não. Eles acham você encantadora — e com um marido tão bonito e elegante ao seu lado, só resta a inveja.
Yue Lingxi o encarou:
— Vossa Majestade está falando bobagens.
— Nunca falo bobagens. Os oficiais civis e militares podem confirmar — disse ele, com voz rouca e sedutora. — E se você se incomodar com o segundo título… posso oficializá-lo agora, aqui mesmo.
O que ele queria dizer com isso?
Apoiando-se no peito dele, Yue Lingxi percebeu que os músculos tensionados se contraíam sob o tecido. Cada respiração, cada movimento, a faziam lembrar daquela noite — seus pensamentos tornaram-se agitados. Até os dedos começaram a agir por impulso.
Devia estar louca! Como podia pensar nessas coisas em plena rua?
Percebendo a mudança nas expressões dela, Chu Xiang sussurrou propositalmente:
— Onde sua mente foi parar? Eu só disse que existe um decreto imperial na mansão. Você pode se tornar minha esposa legítima quando quiser.
Yue Lingxi desviou o rosto, sem encará-lo. Pensava em como escapar daquele momento constrangedor, até que notou uma barraca vendendo bolinhos de três flores. Observou-a por um instante e então se virou, caminhando até o vendedor.
— Olá, quero uma caixa.
— Já vai! Dez moedas! — respondeu o vendedor, espalhando o molho.
Ela abaixou a cabeça para abrir a bolsa, mas de repente uma mão grande lançou uma peça de prata na cesta. O vendedor ficou radiante, agradeceu sem parar e acrescentou vários bolinhos extras. Ela virou lentamente o rosto e encarou aqueles olhos negros brilhantes — parecia mergulhar num céu cheio de estrelas.
No fim, foi Chu Xiang quem segurou o guarda-chuva, enquanto Yue Lingxi carregava a caixa de papel, caminhando em silêncio sob sua proteção.
Vendo que ela não tirava os olhos da comida, perguntou diretamente:
— Por que não come?
Yue Lingxi nada disse. Pegou a colher de madeira, retirou o pedaço do topo — coberto de mel — e o ofereceu a ele. Chu Xiang semicerrava os olhos, sem se mover.
Aquele doce se chamava bolinho de três flores porque era feito com flores e recheado em três camadas. A melhor era a com mel, seguida pelas pétalas, e por fim uma crosta simples, sem sabor. Ela dava a melhor parte a outro, como se fosse costume antigo. Essa constatação o desagradou.
— Por que me dá isso?
Repetiu a pergunta, mas Yue Lingxi respondeu suavemente:
— Vossa Majestade e minha irmã são pessoas que merecem cuidado e proteção.
Chu Xiang lembrou do que ela havia dito sobre comer peixe no Ano Novo, e conectou com o que via agora. Seu rosto imediatamente escureceu — os pais dela eram sempre assim, na hora de dividir?
Ele pegou a colher e a levou à boca dela:
— Não importa quais regras existiam na sua família. Para mim, o melhor é sempre seu.

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