Capítulo 43 Parte 2 – Empatia (II)


 O fantoche de sangue levantou repentinamente a mão direita e apertou o peito.

O vento soprou em todas as direções. O vórtice apocalíptico de sangue no céu estava agora a menos de trinta metros do chão!

Então, no rosto do fantoche, surgiu uma expressão inconfundível de dor excruciante. Sua boca aberta se alargou ainda mais, como se gritasse uma fúria e tormento indescritíveis, até que toda aquela agonia explodiu num único e silencioso rugido aterrador—

— …!!

— …!!!

A boca dele tremia violentamente enquanto seu corpo semi-congelado começava a sacudir descontroladamente. Novamente, jogou a cabeça para trás e gritou sem som:

— —

O vórtice catastrófico, grande o bastante para obliterar tudo, vacilou de repente. O rosto feito de sangue do fantoche se contorceu numa expressão cada vez mais frenética. Repetidamente, abriu sua boca ensanguentada — que se rasgava do rosto até o peito, quase dividindo-o ao meio. Aquela boca escancarada encarava o vórtice que descia e não parava de uivar—

— …!

— …!!

— …!!!

A torrente de fúria que liberava parecia forte o bastante para perfurar os céus através do vórtice devorador de trovões. E o próprio vórtice — nascido da ira do fantoche — começou a se desfazer, desmoronando rapidamente diante da loucura de seu criador. O fantoche de sangue também se dissolveu numa poça escura e carmesim depois de um último grito mudo.

Só então alguém percebeu: Ji Yuan, que estivera escondido atrás do fantoche, já havia escapado sem deixar vestígios.

Wang Weizhi permaneceu congelado no lugar onde estava. Ele olhou fixamente para a mão do fantoche, que derretia-se na lama suja e sangrenta do lago, incapaz de proferir uma única palavra.

Boom—splash—!! O vórtice de sangue escuro e mortal explodiu em pedaços. Uma chuva de sangue púrpura-escuro caiu!

Embora repugnante além da conta, a chuva não carregava mais nenhum intento assassino.

Uma mão quente pousou suavemente no ombro de Lin Jiu. Wei Liang envolveu um braço ao redor dela e, com o outro, abriu um grande guarda-chuva preto.

Assim que a chuva de sangue começou a cair, o guarda-chuva se abriu a tempo. Sob a cobertura negra, um pequeno mundo ficou protegido, afastando a primeira onda da tormenta sanguinolenta.

Gotas de sangue tamborilaram ritmicamente no guarda-chuva, criando inúmeras pequenas ondulações que subiam e desciam como numa dança. Finos filetes de sangue se formaram rapidamente pelas costelas da cobertura, escorrendo como cortinas e bloqueando a tempestade encharcada de sangue lá fora.

Debaixo do guarda-chuva, o olhar de Wei Liang era gentil. Os olhos de Lin Jiu pousaram na mão que segurava o guarda-chuva. Era longa e elegante, com juntas bem definidas — poderosíssima. De repente, ela sentiu algo estranho: aquelas mãos diante dela podiam sustentar o céu, podiam carregar a terra, protegendo-a em seu abraço.

Doulong não ousava perturbar seus mestres. Ficou olhando fixamente para o pobre Wang Weizhi, ali parado na chuva, encharcado até os ossos.

Doulong imaginava que até a cueca dele devia estar molhada agora. Embora normalmente não suportasse aquele cara imaturo que agia tão irritantemente, naquele momento… simplesmente sentiu pena dele. Pena tanta que não teve coragem de provocá-lo — nem um pouco.

Aquela chuva torrencial, formada por todo o sangue do lago, não cessaria até o Lago Bibo estar completamente repleto novamente.

Wei Liang segurava o guarda-chuva, caminhando sem pressa pelo terreno inclinado da bacia do lago. Ao seu sinal, Doulong inclinou a cabeça e mordeu a barra do robe de Wang Weizhi, arrastando seu corpo rígido bem perto de Wei Liang.

Ele não se importava de se molhar na chuva de sangue. Normalmente adorava despedaçar presas e deixar seu sangue encharcar o pelo — pena que seu mestre não gostava, então ele reprimia seus instintos caninos selvagens há muito tempo. Mas agora, com uma folga dada pelo mestre, Doulong brincava livremente, cutucando as costas de Wang Weizhi com o rabo, esfregando a espinha contra sua mão — acalmando o pobre garoto enquanto encontrava maneiras cada vez mais criativas de aproveitar a chuva.

Enquanto o sangue caía pelo céu, as gotas formavam uma cortina tão vasta que virava uma enorme tela.

Nessa tela, histórias de amor, ódio e vingança começaram a se desenrolar.

Lin Jiu se virou, surpresa.

— O que está olhando? — Wei Liang perguntou gentilmente.

— O ressentimento dos mortos — ela murmurou. Talvez por ter absorvido tanto daquele rancor que ainda pairava no túmulo subterrâneo Wu, agora ela podia “ver” o que os outros não viam.

A chuva caía em grossas cortinas, como quadros parados que piscavam diante de seus olhos. Cena após cena, elas costuravam incontáveis momentos. Ela viu: quando os demônios invadiram aquela pequena cidade e iniciaram uma brutal chacina, Youji passou flutuando com uma risada suave, injetando sangue demoníaco púrpura-escuro nas veias de cada corpo moribundo. As vítimas ainda vivas convulsionavam de dor instantaneamente, vomitando sangue negro, seus corpos se dissolvendo até restarem apenas ossos.

O sangue escorria em filetes, um após outro, acumulando-se nas belas águas turquesa do Lago Bibo, que gradualmente se tornavam um carmesim lamacento e escuro. Incontáveis cultivadores de Alma Nascente capturados estavam pendurados sobre o lago. Ji Yuan usava um método especial para corroer seus dantianos — buracos do tamanho de punhos surgiam em seus abdômens enquanto sua essência e cultivo sanguíneo drenavam para o lago de sangue. O processo era agonizante. Eles tremiam, convulsionavam e gritavam com tanta violência que arrancavam suas próprias mandíbulas.

As cenas eram indescritíveis — como um filme mudo cheio de um horror assombroso além das palavras.

Lin Jiu assistia quadro após quadro, sua fúria crescendo muito acima de qualquer náusea ou medo. Em algum momento, sacou sua espada carmesim, a mão apertando com cada instante que passava. Sussurrou para si mesma:

‘Senhor Wu Mengxia, encontrei quem começou tudo isso, a origem do caos. Por favor, fique tranquila — vou me dedicar ao cultivo, vou derrubar os ímpios e nunca mais deixarei Ji Yuan causar destruição neste mundo!’

Naquele instante, ela finalmente entendeu. As pessoas não nascem para serem heróis. Mas algumas coisas, uma vez que você vislumbra, fincam raízes no coração, e você nunca mais pode ignorá-las.

A chuva se intensificou. Gotas de sangue acumulavam-se no fundo do lago. A tempestade uivante ficou mais severa, e o estrondo da chuva lentamente invadiu a consciência de todos. Dentro daquele domínio da chuva, os presentes começaram a sentir empatia pela alma que carregava o maior ressentimento ali!

Lin Jiu sentiu-se levantar do chão. Percebeu que havia entrado num estado de empatia. Tudo o que já tinha acontecido ali agora se repetiria diante de seus olhos.

O som da chuva e do vento desapareceu. Acima dela, um céu azul claro, o sol brilhando quente sobre o lago verde-jade abaixo. Mas sob a luz do sol, os crimes pareciam ainda mais monstruosos.

Um homem com barba por fazer e rosto cansado estava amarrado firmemente e levado ao centro de uma ponte de madeira.

— Nono Sobrinho — o chefe da família Wang, Wang Minglang, olhou severamente para o homem e disse — Já descobriu? Onde está a chave? Fale!

O homem barbado respondeu:

— A Chave Arcana sempre foi passada entre gerações. O guardião de cada geração é escolhido entre os mais puros do clã pelo detentor anterior. O chefe anterior me confiou justamente por minha teimosia — teimoso como nove bois que não me puxariam para trás! Quer a chave? Em vez de me forçar, vá ensinar seus filhos e netos a serem melhores!

Wang Yangyan. Aquele era o pai de Wang Weizhi — Wang Yangyan.

Antes que Wang Minglang pudesse continuar, uma mulher vestida elegantemente — Wang Mingzhu — riu e interrompeu:

— Oh, então é por isso que o Nono Sobrinho enlouqueceu e fugiu para viver com uma mulher demônio todos esses anos! Que tipo encantador de teimosia!

Wang Yangyan apertou os olhos cansados e perguntou baixinho:

— Foi você quem capturou Yinyue?

Wang Mingzhu riu docemente:

— Sim, claro. E devemos agradecer à Grande Imortal da Espada Liu, da Seita Wanjiangui. Sem ela, nunca teríamos capturado aquela vadia da Huang Yinyue. Nosso querido Nono Sobrinho, pense bem — a chave passa de um membro para outro no clã, não é? Por que ser tão teimoso e se recusar a entregar?

Wang Yangyan respirou fundo e disse:

— Pode levar minha vida, mas não a chave. Me mate, se quiser, mas liberte Yinyue!

Wang Mingzhu riu tanto que quase engasgou. Com os dedos finos, bateu na testa de Wang Yangyan e disse:

— Nono Sobrinho, você está com essa mulher demônio há tanto tempo que seu cérebro ficou mole? Como poderíamos matar um dos nossos? Se for para matar alguém, será um forasteiro.

Ela piscou para Wang Minglang.

Wang Minglang falou com firmeza:

— Nono Sobrinho, vou perguntar uma última vez — onde está a chave?

Wang Yangyan apertou os lábios e ficou em silêncio, as veias saltando na testa.

Wang Minglang esperou um momento, mas sua paciência acabou. Com um gesto silencioso, os homens atrás de Wang Yangyan o arrastaram para a beira da ponte, forçando-o a olhar para baixo.

No fundo do lago cristalino estava uma mulher, amarrada firmemente como um pastel, parada ereta debaixo d’água. Seu cabelo preso num coque frouxo, balançando suavemente na corrente.

Wang Yangyan reconheceu sua esposa, Huang Yinyue, num instante. Ela pareceu perceber seu olhar e lutou para erguer a cabeça. Através da água cintilante, os olhos deles se encontraram.

Com seu nível de cultivo, nenhum dos dois se afogaria só por estarem submersos. Ele acabava de respirar aliviado — quando viu Wang Mingzhu pular leve no lago com um sorriso.

Ela afundou atrás de Huang Yinyue, pegou um grande martelo cravado no fundo do lago e começou a balançá-lo levemente—

Wang Yangyan deu um grito agudo, as pupilas contraíram em horror quando Wang Mingzhu desferiu um golpe brutal com o martelo na nuca de Huang Yinyue!

A cabeça dela estremeceu violentamente para frente, e um jato de sangue disparou para fora da boca — uma faixa vermelha brilhante e fantasmagórica cortando as águas jade-claras.

— Não—! — os olhos de Wang Yangyan se arregalaram enquanto ele soltava um rugido bestial.


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