Capítulo 46 a 50


 Capítulo 46 – Pega

Xiu Yao chorou por um longo tempo até que suas emoções finalmente se acalmassem. Wang Yanqing descobriu o segredo, mas isso não a tranquilizou nem um pouco.

Ela de fato sabia qual era o cerne da questão, mas e daí?

O Marquês de Jianchang ainda era o irmão mais novo da Imperatriz Zhang, e Xiu Yao continuava sendo uma criada no Palácio Ciqing. Com a Imperatriz Zhang presente, ninguém podia impedir o Marquês de Jianchang de entrar no palácio. Se o Marquês realmente quisesse fazer algo com Xiu Yao, ela poderia se esconder no primeiro dia, mas conseguiria evitá-lo até o décimo quinto?

Ela era apenas uma criada com origem comum e habilidades medianas. Como milhares de mulheres no mundo, não era nem excepcional nem desastrosa. Medíocre, mas esforçada para sobreviver. Aos olhos de seus superiores, provavelmente não era mais valiosa do que um par de vasos decorativos. Uma moça como ela era comum demais e não tinha valor algum no harém. Ninguém daria atenção mesmo que ela morresse. Com o que ela poderia resistir ao Marquês de Jianchang? O outro era irmão da Imperatriz Zhang. Se surgisse algum escândalo, a Imperatriz certamente protegeria o irmão — e talvez até mandasse matá-la.

Não era de se estranhar que Xiu Yao estivesse tão deprimida. Com ela nesse estado, não havia mais como interrogá-la. Wang Yanqing não insistiu no assunto e mandou Xiu Yao de volta ao Palácio Ciqing para descansar. Quando voltaram, já havia movimento no salão principal — era provável que a Imperatriz Zhang tivesse acordado. Todas as criadas correram para atendê-la, e Xiu Yao não se atreveu a negligenciar o dever, erguendo a saia e apressando-se para buscar água.

Não importa o que aconteça, ela ainda é apenas uma criada.

As servas se revezavam carregando bacias e fervendo água. Wang Yanqing, para não atrapalhar, afastou-se discretamente. Ela vagou pelos arredores onde ouvira um som na noite anterior. Estava escuro demais e não conseguira ver claramente, por isso decidiu verificar de novo naquela manhã — talvez descobrisse alguma nova pista.

Wang Yanqing andou de um lado para o outro e ficou muito tempo em frente à janela, mas infelizmente não encontrou nada. Decepcionada, estava prestes a procurar em outro lugar quando levantou a cabeça e, de repente, soltou um som de surpresa.

Ela encarou a lanterna sobre sua cabeça, sem entender por que sentia que algo ali estava estranho. Wang Yanqing ficou muito tempo observando sob a lanterna. Qin Xiang’er saiu do salão e, ao virar-se, viu Wang Yanqing parada sob o beiral. Qin Xiang’er acenou para as outras criadas atrás de si, indicando que poderiam seguir adiante, e então aproximou-se sozinha de Wang Yanqing e disse:

— Senhorita Wang.

Wang Yanqing virou-se, viu Qin Xiang’er e assentiu em saudação:

— Oficial Qin.

Qin Xiang’er saudou-a formalmente com as mãos e perguntou:

— O que a senhorita Wang está olhando?

Wang Yanqing balançou a cabeça:

— Nada. Não dormi bem esta noite e meu pescoço está um pouco rígido. Como não havia ninguém por perto, aproveitei para alongar os músculos e ossos. Mas agora acabei me envergonhando diante da oficial Qin.

O rosto de Qin Xiang’er mantinha a mesma rigidez e dignidade de sempre. Ela disse:

— A senhorita Wang veio ao Palácio Ciqing para ajudar, mas acabou sem conseguir dormir tranquilamente. Sinto-me profundamente envergonhada e peço desculpas à senhorita Wang...

Wang Yanqing apressou-se em desviar:

— O que a oficial Qin está dizendo? É dever dos oficiais partilhar as preocupações do rei. A imperatriz é preciosa, e se ela for desonrada, a corte também o será. Há forças estranhas no Palácio Ciqing, e isso se deve à nossa falha em protegê-la devidamente.

Qin Xiang’er assentiu e disse:

— A lealdade e coragem da senhorita Wang são admiráveis. Mestre Lu parece valorizar muito a senhorita. Existe alguma relação entre vocês?

Wang Yanqing ficou tensa. Será que suas ações ontem haviam levantado suspeitas? Lembrou-se da identidade falsa que estava usando e respondeu:

— O mestre Lu é um comandante de terceiro escalão, e eu sou apenas uma mulher comum. Como poderia haver qualquer relação? É só que temos um pequeno laço pelos nossos ancestrais. Acontece que houve um caso de assombração no palácio da imperatriz, e o comandante Lu, sabendo que vivi num templo taoísta e que sou mulher, achou adequado me enviar para investigar. Nada além disso.

Qin Xiang’er respondeu de maneira neutra:

— Agradeço a ajuda de ontem, senhorita Wang. A senhorita é uma convidada distinta do mestre Lu e não pode ser negligenciada. Por favor, acompanhe-me até o salão lateral para descansar.

Wang Yanqing não conseguiu encontrar um motivo para recusar, então teve que seguir para o salão lateral. Com essa pequena demora, a manhã passou. Durante o almoço, Wang Yanqing percebeu o eunuco que havia trazido a refeição e de repente teve uma ideia. Comeu em silêncio e esperou por um tempo após a refeição. Como esperado, dois eunucos mais jovens vieram recolher as sobras.

Entregar refeições à imperatriz era um trabalho cobiçado, supervisionado por um eunuco de alto escalão. Mas limpar os restos e o lixo após a refeição era uma tarefa suja e cansativa, sempre deixada para os eunucos novatos sem influência. Wang Yanqing fingia beber chá, mas na verdade observava tudo ao redor. Quando os dois eunucos recolheram os restos e carregaram juntos o balde de madeira para fora, Wang Yanqing aproveitou o momento em que os outros estavam distraídos e os seguiu discretamente.

— Eunucos, não precisam me acompanhar...

Quando os dois eunucos que carregavam o balde se viraram e viram Wang Yanqing, colocaram imediatamente as coisas no chão e se curvaram, assustados:

— Senhorita Wang. Quais são suas ordens? A comida não estava do seu agrado?

Eles tremiam ao falar. Wang Yanqing acenou com a mão:

— Não é isso. A refeição estava excelente, graças a vocês dois. Vim aqui hoje porque quero perguntar algo.

Ainda havia Guardas Imperiais do lado de fora do Palácio Ciqing, e naquele momento algumas pessoas passaram rapidamente por ali. Wang Yanqing olhou ao redor e perguntou em voz baixa:

— Vocês estão com pressa de voltar? Seria conveniente falarmos em outro lugar?

Os dois eunucos se entreolharam. Aquela mulher tinha sido trazida pelo comandante Lu, então, conveniente ou não, eles tinham que aceitar. Deixaram suas coisas na beira do caminho e seguiram Wang Yanqing até um lugar sombreado.

Ali, ainda estavam à vista dos Guardas Imperiais, mas fora do alcance da audição — o local perfeito para interrogatório. Wang Yanqing disse:

— Não me interpretem mal, eunucos. Só quero perguntar uma coisa. Vocês costumam entregar refeições ao Palácio Ciqing?

Esses dois eunucos eram responsáveis pelas refeições, mas pertenciam a um sistema diferente do das criadas. Ainda assim, por estarem todos no palácio, havia alguma conexão. Um deles lembrou da assombração no Palácio Leste, que vinha causando alvoroço, e ficou tenso. Acenou levemente com a cabeça:

— Sim, somos nós. Temos sido responsáveis por levar e recolher as refeições do Palácio Ciqing. Há algo de errado com a comida?

— Não. — Wang Yanqing tranquilizou os dois eunucos antes de perguntar: — Como vocês entram e saem com frequência no Palácio Ciqing, devem conhecer bem as pessoas lá dentro, certo? Vocês se lembram de uma irmã chamada Cui Yuehuan?

Os dois eunucos se entreolharam com expressões hesitantes:

— Isso...

Eram eunucos, e evitavam se envolver demais com as criadas para não levantar suspeitas. Mas, com a senhorita Wang perguntando, deveriam dizer que conheciam ou não?

Wang Yanqing não precisava da resposta verbal. Assim que viu a reação deles, já entendeu o resultado. Ela continuou:

— Não se preocupem, é o seguinte: ontem, a irmã Cui Yuehuan me ajudou muito, e quero lhe enviar algo como forma de agradecimento. Lembro que ela mencionou ontem ter comido um prato de doces deliciosos há alguns dias. Não consigo lembrar o nome do doce, só sei que foi entregue no fim do mês passado. Podem me ajudar a lembrar? No final do mês, alguém do Palácio Ciqing pediu algum doce por conta própria? Não importa quem foi, elas costumam compartilhar comida. Talvez outra criada tenha encomendado, e a irmã Cui Yuehuan tenha parado e comido dois pedaços no caminho.

As palavras de Wang Yanqing eram metade verdade, metade mentira. Agora já era certo que Cui Yuehuan estava mentindo. A Imperatriz Zhang ficou atordoada por um "fantasma" feminino justamente na noite em que Cui Yuehuan estava de vigia — ela foi quem teve mais tempo para manipular a situação. Mas se fosse realmente ela, escolher o dia em que estava de plantão era uma escolha arriscada demais. Mesmo que tivesse sucesso, ainda seria responsabilizada. Como poderia usar isso como forma de vingança? Isso ia contra a meticulosidade que ela demonstrou ao cometer o crime.

Portanto, Wang Yanqing suspeitava que Cui Yuehuan não era a verdadeira culpada, mas sabia de parte da verdade e estava protegendo a pessoa que estava por trás de tudo.

Dessa forma, a pessoa que lhe deu os doces — que a fizeram dormir tão profundamente naquela noite — era especialmente suspeita. Como era difícil para Cui Yuehuan dizer qualquer coisa, Wang Yanqing resolveu tentar obter pistas com os supervisores da cozinha imperial.

Doces? — os dois eunucos franziram o cenho. Pensaram por um momento, até que um deles disse:

— A imperatriz come doces da moda todos os dias, mas não parece que alguém mais tenha pedido doces aos supervisores do Shangshan.

O outro eunuco completou:

— Existem regras para as refeições no palácio. Se alguém quiser um prato fora do cardápio, tem que pagar por isso. Quem estaria disposto a gastar dinheiro com um lanche fora do Ano Novo ou de um festival?

Wang Yanqing percebeu que estava tratando o palácio como a residência dos Lu e se esqueceu de que as regras ali eram muito mais rígidas do que no mundo exterior. Criadas comuns não teriam dinheiro sobrando, e aquelas favorecidas, com recursos financeiros, evitariam chamar atenção.

Ela não pôde deixar de sentir certa decepção, mas mesmo assim agradeceu com voz suave:

— Obrigada por se darem ao trabalho, eunucos. A culpa é minha, atrasei vocês por tanto tempo... não vai atrasar a hora de retorno, vai?

Os dois eunucos, naturalmente, balançaram a cabeça e disseram que não havia problema. Depois de prestarem reverência a Wang Yanqing, pegaram o balde e foram embora. Wang Yanqing os acompanhou com o olhar até saírem e então retornou lentamente ao Palácio Ciqing. Assim que passou pelos portões do palácio, um Guarda Imperial que a observava às escondidas desviou o olhar.

Aquela era a mulher do comandante. Se algo desse errado no palácio, ele arrancaria a pele deles.

Wang Yanqing havia apostado tudo na pista dos doces, mas os supervisores de Shangshan afirmaram que nenhum doce foi enviado às criadas do Palácio Leste, e a trilha dos doces foi cortada. Após o interrogatório da manhã, ela excluiu temporariamente a suspeita sobre Xiu Yao. Xiu Yao quase havia sido violentada pelo Marquês de Jianchang, então, sim, ela tinha um motivo para cometer o crime — mas era medrosa e confusa, não parecia alguém capaz de fingir ser um fantasma para assustar a imperatriz. As duas suspeitas do dia anterior foram descartadas, e Wang Yanqing só pôde reexaminar as relações no Palácio Ciqing.

Enquanto Wang Yanqing investigava às cegas dentro do Palácio Ciqing, Lu Heng havia deixado o palácio e chegado ao escritório do Fusi do Sul. Assim que o viram retornar, os subordinados imediatamente se aproximaram e disseram:

— Comandante, aquilo que ordenou foi encontrado.

Lu Heng pegou o dossiê, virou algumas páginas e seus olhos brilharam com decisão. Fechou o arquivo com um meio sorriso e disse:

— Procuramos por todos os cantos, mas no fim o que precisávamos apareceu sozinho. Mandem a mensagem. Hora de recolher a rede.

·

Naqueles dias, por causa da assombração, assim que o céu escurecia ninguém mais se aproximava do Palácio Leste. Os Guardas Imperiais estavam de vigia há várias noites — com frio e cansaço acumulado, começaram a se queixar. O corredor estava silencioso e vazio, e os dois guardas relaxaram enquanto conversavam atrás da parede:

— O dia inteiro sem nem um gole de água quente. Quando será que esse tormento vai acabar?

— Tenha paciência, logo poderemos fazer o relatório. — aconselhou o companheiro. — Hoje o comandante saiu do palácio. Parece que vai convidar o Mestre Shaotian para expulsar os fantasmas. O imperador permitiu que a imperatriz mudasse de palácio. Este aqui pode ter uma energia ruim, que atrai essas coisas impuras. Quando ela se mudar e o Mestre Shaotian fizer alguns rituais, tudo deve se resolver.

O guarda soltou um suspiro de alívio:

— Finalmente vai acabar. Esses últimos dias têm sido assustadores demais. A imperatriz é uma pessoa nobre, como pode estar passando tanto medo? Que mudem logo para um lugar com mais sol.

— Pois é. — respondeu o colega, com certo tom invejoso. — A imperatriz tem passado tanto medo que adoeceu. O imperador ficou muito culpado e presenteou a família Zhang com muito ouro e joias. Os títulos de Duque de Chang Guo e Marquês de Jianchang já foram concedidos, então não seria adequado repeti-los. Ouvi dizer que o imperador pretende promovê-los ainda mais e mudar a residência da imperatriz. Com esses dois eventos felizes, talvez ela se recupere logo.

— O Duque de Chang Guo e o Marquês de Jianchang vão ser promovidos?

— Sim, ouvi isso de uns governadores de segundo escalão…

Os dois guardas estavam entretidos conversando sobre promoções na corte, e não notaram que, por trás de uma porta lateral, um par de sapatos recuava silenciosamente.

Depois do jantar, Wang Yanqing foi ao salão principal fazer a vigília como de costume. Qin Xiang’er dava instruções na entrada, e Wang Yanqing suspirou silenciosamente ao ver os rostos apáticos das criadas, esgotadas pelo medo e pelo cansaço.

Ela própria estava no palácio havia apenas dois dias e uma noite, e já sentia que mal podia respirar. Como será que aquelas criadas conseguiam resistir naquele ambiente o ano inteiro?

Naquela gaiola dourada, o mais assustador era a completa ausência de esperança.

Ao final das instruções, Qin Xiang’er ordenou que as criadas se mantivessem alertas e não cometessem nenhum erro. Wang Yanqing entrou no salão entre as outras e discretamente achou um canto pouco chamativo para ficar.

O processo foi o mesmo do dia anterior. A Imperatriz Zhang entrou por trás do véu e repousou. As criadas estavam esgotadas e sem ânimo. Embora Qin Xiang’er tivesse ordenado que ninguém dormisse, as noites em claro acumuladas e o medo não foram páreos para o cansaço. Em pouco tempo, as servas começaram a se balançar e a cair no torpor.

Qin Xiang’er levantou-se, fechou a porta do salão interno e foi até o salão ao lado com o rosto fechado:

— A imperatriz acabou de adormecer, por que vocês estão dormindo? Fiquem alertas.

As criadas abriram os olhos com dificuldade. Qin Xiang’er, ao ver os rostos abatidos, pegou um bule da mesa, serviu uma xícara de chá e entregou a elas:

— Bebam um pouco de chá para acordar. Esta noite, guardem bem a imperatriz. Ninguém está autorizado a dormir.

Wang Yanqing não estava com sono no início, mas Qin Xiang’er não favoreceu ninguém — estendeu-lhe também a xícara de chá. Wang Yanqing ficou surpresa por um instante e disse apressada:

— Não ouso incomodar a oficial Qin, não estou com sono.

— A senhorita Wang ficou acordada duas noites seguidas pela segurança da imperatriz. Este é meu respeito à senhorita. — disse Qin Xiang’er, oferecendo a xícara com ambas as mãos. — Por favor, senhorita Wang.

Naquele ponto, se Wang Yanqing recusasse mais uma vez, pareceria desrespeitosa. Ela pegou a xícara, assentiu e sorriu para Qin Xiang’er, tomando o chá lentamente.

Qin Xiang’er esperou Wang Yanqing terminar de beber, pegou a xícara de volta e foi despertar outras criadas sonolentas.

Qin Xiang’er usou chá forte para manter todos acordados, mas, com o passar do tempo, as criadas adormeceram uma a uma. Wang Yanqing também se encostou na poltrona, repousando o rosto no encosto, e adormeceu com os olhos fechados.

O vento da noite era silencioso, a lua fria dissolvia-se no céu, as luzes do salão brilhavam, mas as pessoas ali estavam imóveis — o palácio luxuoso parecia mergulhado na morte. A Imperatriz Zhang repousava no divã. Embora tivesse os olhos fechados, seu corpo tremia levemente, dormia de forma extremamente inquieta. Parecia ouvir o chilrear agudo de um pássaro e se perguntava quem seria tão ousado a ponto de manter um pássaro em seu quarto? Mas, por mais que tentasse, a imperatriz não conseguia despertar do pesadelo.

Depois de um tempo, alguém dentro do salão acordou. Chamou uma por uma, mas ninguém respondeu. Caminhou em silêncio até a porta do palácio, e ao empurrá-la foi surpreendida pelo vento gelado que veio de fora.

Assim que seus olhos se ajustaram, viu uma figura parada sob uma árvore no pátio escuro. A pessoa não carregava nenhuma lanterna, mantinha a cabeça baixa, mexendo em algo nas mãos — como uma sombra silenciosa, assustadora.

A mulher se recompôs e perguntou:

— Quem está invadindo o palácio da imperatriz?

O homem levantou os pés e caminhou calmamente sob as lanternas do palácio penduradas sob os beirais, com uma postura que parecia mais um passeio tranquilo no jardim. Parou na borda do círculo de luz; os traços do rosto eram frios e definidos, como se estivesse meio acordado, meio adormecido. A pressão em sua presença crescia e se tornava cada vez mais sufocante.

— Oficial Qin... o que está procurando à meia-noite?

Qin Xiang’er encarou Lu Heng e se recusou a dizer qualquer coisa. Lu Heng riu baixinho, ergueu a gaiola em sua mão e mostrou o pássaro preto e arroxeado em seu interior:

— Não está procurando por isso?

Qin Xiang’er soube naquele instante que tudo havia sido descoberto. Os Guardas Imperiais haviam retornado de mãos vazias por duas noites seguidas, e ela começara a pensar que o famoso mestre Lu Heng — que supostamente resolvia qualquer caso — não passava de boato.

Mas agora via que o havia subestimado.

Ele provavelmente já havia percebido tudo há muito tempo e apenas esperou até hoje para agir — mas quando o fez, pegou o crime com as provas nas mãos. À noite, quando ela ouviu os Guardas Imperiais conversando, aquilo também foi feito deliberadamente para que ela escutasse.

Ele estava forçando sua mão.

Aquelas táticas estavam muito além de sua capacidade, e não havia mais nada a dizer. Qin Xiang’er ainda mantinha o pescoço erguido; mesmo derrotada, não perderia a dignidade:

— Mestre Lu descobriu o plano. Eu reconheço. Se quiser me matar ou me esfolar, faça como quiser.

Os portões do Palácio Ciqing já estavam cercados pelos Guardas Imperiais. Lu Heng ergueu a mão, e um guarda imediatamente se aproximou e pegou a gaiola de pássaro que estava em suas mãos. Ele ajeitou as mangas e entrou a passos firmes no salão:

— Se for esperta, fique quieta. E é melhor rezar para que todos lá dentro estejam bem.

Lu Heng atravessou o batente e foi direto até onde estava Wang Yanqing. Qin Xiang’er entendeu, no fundo, qual era sua intenção e disse:

— Não se preocupe, Mestre Lu. É só um pouco de sonífero, não faz mal ao corpo.

Mas Lu Heng era desconfiado por natureza — como poderia acreditar nas palavras de uma prisioneira? Ele se aproximou de Wang Yanqing, curvou-se e a sacudiu levemente pelo ombro:

— Qing Qing...

Assim que falou, sua voz parou de repente. Ele viu os cílios de Wang Yanqing se moverem rapidamente, os olhos girando sob as pálpebras, mas ela ainda permanecia com os olhos fechados.

Lu Heng a observou por alguns segundos e então se endireitou devagar.

Um professor pode não conseguir enganar seus alunos, mas consegue reconhecer uma mentira. No fim, isso só levaria a uma confusão.

Felizmente, eles não eram tolos.

Lu Heng não se deu ao trabalho de expor o truque. Virou-se, caminhou para a escuridão com as mãos atrás das costas e, ao passar por Qin Xiang’er, disse calmamente:

— Amarrem-na e aguardem o interrogatório.

O Guarda Imperial oculto nas sombras respondeu em voz baixa, com os punhos cerrados:

— Sim.

Wang Yanqing recostava-se na cadeira, fingindo dormir com dificuldade. Ouviu um leve barulho na porta, seguido de um som abafado de impacto, e então o vento da noite, que antes se infiltrava pela gola de suas roupas, cessou. Wang Yanqing esperou um pouco, abriu os olhos discretamente e percebeu que o quarto da Imperatriz Zhang estava novamente silencioso. Tudo parecia como antes — exceto por uma pessoa a menos.

Tinha sido ela. Era mesmo ela.

Wang Yanqing suspirou em silêncio. Mais cedo, ao perguntar ao supervisor de Shangshan, descobriu que nenhuma criada do Palácio Ciqing havia solicitado doces. Para evitar incêndios, só era permitido cozinhar em poucos locais dentro do palácio — o uso de fogo aberto era proibido em qualquer outro lugar. Os alimentos da corte interna só podiam ser obtidos da grande cozinha centralizada.

Sem registros nos arquivos do supervisor, a trilha dos doces havia sido temporariamente interrompida. Mas hoje, quando Qin Xiang’er lhe serviu chá, Wang Yanqing de repente se deu conta — não havia registro de doces na alimentação das criadas, mas... e quanto aos da imperatriz?

A Imperatriz Zhang recebia doces frescos em todas as refeições e nunca conseguia comer tudo. Quem ficava com os que sobravam?

Em um instante, todas as pistas se conectaram e a verdade ficou quase clara. Wang Yanqing quis ver o que Qin Xiang’er pretendia fazer, então permaneceu em silêncio, fingiu beber o chá e cuspiu discretamente assim que a outra se virou. Depois, fingiu sonolência e se encostou na cadeira, observando Qin Xiang’er em segredo.

Qin Xiang’er também fingiu dormir ao lado do leito da imperatriz, mas Wang Yanqing ouviu um chilrear vindo do aposento interno — como um assobio chamando um pássaro. Ela queria saber como Qin Xiang’er fingia ser um fantasma, por isso se manteve calada e prendeu a respiração esperando. Porém, por mais que esperasse, não houve mais nenhum movimento do lado de fora. Qin Xiang’er acabou não resistindo e foi verificar.

Como resultado, assim que empurrou a porta, deparou-se com Lu Heng do lado de fora.

Quando Wang Yanqing ouviu a voz de Lu Heng, estava hesitando sobre como acordar de forma natural. Não havia encontrado o momento certo — e então ouviu Lu Heng dizer a Qin Xiang’er: Se for esperta, fique quieta.

Naquele instante, Wang Yanqing entendeu por que ele havia esperado até aquele momento para agir.

Pelo comportamento de Lu Heng, ele já tinha descoberto tudo pela manhã, mas escolheu esperar até o fim da noite para prender Qin Xiang’er em silêncio. Isso mostrava que Lu Heng — ou talvez o próprio imperador — queria manter o caso em segredo.

Wang Yanqing não sabia o que Lu Heng e o imperador planejavam. Só sabia que ela não podia acordar. Não devia se envolver no caos que viria depois. A assombração do Palácio Leste era algo pequeno — o que Lu Heng faria a seguir, certamente, não seria.

Ela estaria mais segura se não soubesse de nada.

Quando Lu Heng parou diante dela, Wang Yanqing estava tão nervosa que mal conseguia respirar. Pensou que ele deveria ter percebido, mas, ao não dizer nada, mostrou que estava disposto a fingir que não sabia.

Só então Wang Yanqing finalmente pôde respirar aliviada.

Ela olhou para a Imperatriz Zhang, dormindo no aposento interno, completamente alheia, e depois para as pequenas criadas caídas no chão. Será que elas sabiam que, enquanto sonhavam, uma nova tempestade já havia começado? Quando o amanhecer chegasse, a guilhotina desceria.

Wang Yanqing silenciosamente desejou um bom sonho para a Imperatriz Zhang.

Se nada mais acontecer, que esta seja sua última noite de descanso em paz.

Capítulo 47 – Culpada

Na noite anterior, Xiu Yao havia feito vigília até a meia-noite no palácio da imperatriz, e naquela noite, era sua vez de assumir o turno da segunda metade. Pensando na troca de turno, ela se deitou mais cedo para descansar, mas estranhamente dormiu profundamente demais. Só se deu conta de que havia adormecido quando foi despertada por um calafrio — já era Wugeng lá fora.
|| Wugeng (五更) corresponde aproximadamente ao horário entre 3h e 5h da manhã.

Xiu Yao pensou, em pânico, que aquilo era ruim, e imediatamente pulou da cama. Enquanto colocava as roupas às pressas, se perguntava por que ninguém a havia acordado, já que ela tinha perdido o horário e atrasado o turno.

Nem mesmo teve tempo de vestir o casaco. Apenas ajeitou a parte da frente da blusa e saiu correndo. No entanto, ao abrir a porta, viu que o Palácio Ciqing estava em completo silêncio. Naquele horário, alguém já deveria estar acordado e limpando os arredores.

O que estava acontecendo?

Xiu Yao sentiu um frio na espinha, sem saber se ainda estava sonhando ou se tinha realmente encontrado um fantasma. Com medo de sair sozinha, parou na porta, hesitando — e só então percebeu que sua companheira de quarto também estava dormindo.

Havia quatro pessoas no cômodo: duas de turno na primeira metade da noite e duas para a segunda. Ela e sua companheira não haviam trocado os turnos, e as responsáveis pelo primeiro turno tampouco haviam retornado. Quando saiu correndo mais cedo, sequer notou que não havia ninguém no quarto.

Xiu Yao não ousava sair sozinha. Aproximou-se e sacudiu sua companheira, tentando acordá-la. A outra criada também se assustou ao perceber que havia adormecido. Xiu Yao contou o que havia acontecido, e as duas caminharam juntas até o salão principal.

As portas e janelas do salão estavam fechadas, sem qualquer ruído vindo de dentro. Xiu Yao e sua companheira bateram à porta, contiveram a respiração e esperaram por uma resposta — mas nada veio. Assustadas, empurraram a porta e encontraram todas as criadas caídas no chão, dormindo profundamente, imóveis.

Xiu Yao apertou a mão da companheira e, nervosa, se aproximou para verificar a respiração de cada uma. Felizmente, ainda estavam vivas. As duas foram até o aposento interno ver a Imperatriz Zhang, que também dormia tranquila na cama — e Xiu Yao sequer teve coragem de checar sua respiração.

Ela estava completamente confusa. Todas haviam adormecido, mas não havia sinal de desordem no salão, tampouco algo fora do lugar. Será que as criadas e a imperatriz simplesmente dormiram além da hora e esqueceram de trocar os turnos? Era possível que uma pessoa dormisse demais, mas como todas poderiam ter caído no sono ao mesmo tempo?

Não importava o que tivesse acontecido, mesmo que as criadas tivessem se distraído com o tempo, ainda havia a Tia Qin.

Foi então que Xiu Yao percebeu que nem todos estavam ali. Tia Qin e a senhorita Wang haviam desaparecido.


Naquele momento, Wang Yanqing já aguardava diante dos portões do palácio. Assim que os portões se abriram, ela seguiu o eunuco que liderava o grupo pelo Portão Donghua, embarcou na carruagem e saiu do palácio.

Ao entrar na carruagem da Mansão Lu, Wang Yanqing soltou um suspiro de alívio. Na noite anterior, ela não tomara remédios chineses, mas, após Qin Xiang’er ser levada, Wang Yanqing também não ousou dormir — então aguentou acordada até o amanhecer. Lu Heng provavelmente imaginou que ela não conseguiria dormir. Logo pela manhã, um eunuco bateu discretamente à sua porta, dizendo ter sido enviado por ordem de Lu Heng para levá-la embora do palácio.

O eunuco trazia um bilhete, e ao verificar, Wang Yanqing reconheceu de imediato a caligrafia de Lu Heng. Seguiu o eunuco sem hesitar. Ele conhecia muito bem o caminho, calculando até mesmo qual rota teria menos movimento e quanto tempo levariam. Quando Wang Yanqing chegou ao Portão Donghua, mal esperou antes de ouvir o som dos tambores que marcavam a abertura dos portões.

Ela se recostou na parede da carruagem e fechou os olhos, exausta. Os tambores cessaram aos poucos, e logo em seguida, outra onda de batidas intensas ecoou do portão da cidade.

Naquele nono dia do mês, a corte matinal se iniciava. Após três toques de tambor, o portão sul se abriu, e o esquadrão de bandeiras entrou e se alinhou. Os oficiais civis e militares posicionaram-se à frente dos portões leste e oeste, conforme seus respectivos postos. Fu Tingzhou estava entre os nobres. Ao olhar discretamente para trás, viu que Lu Heng havia chegado muito mais tarde que o normal.

Com a cautela habitual de Lu Heng, era impossível que fosse um erro. Fu Tingzhou franziu o cenho, intrigado, imaginando qual seria o novo plano de Lu Heng.

Enquanto ele se perdia em pensamentos sobre Lu Heng, uma carruagem passava discretamente pelo portão leste, seguindo em direção à corte oriental. Os sinos do imponente portão sul tocaram, e Fu Tingzhou rapidamente se concentrou e seguiu com os demais para o palácio. Nesse momento, a carruagem de Wang Yanqing também atravessava o portão oriental, fundindo-se ao fluxo das ruas da cidade.

O sol nascia no leste, iluminando o céu, mas os dois seguiam em direções opostas.

Wang Yanqing, ainda recostada na carruagem, queria apenas fechar os olhos por um momento, mas acabou adormecendo sem perceber. Quando a carruagem parou bruscamente, seu corpo foi projetado para frente, e ela acordou num sobressalto. Levou a mão à testa, sentindo dor. Alguém bateu duas vezes na parede da carruagem, e uma voz feminina familiar soou do lado de fora:

— Senhorita, já chegamos à mansão. A senhorita ainda está acordada?

Era Ling Xi — haviam finalmente chegado. Wang Yanqing piscou algumas vezes, conteve a ardência nos olhos e desceu da carruagem:

— Estou bem.

Foram apenas dois dias e duas noites no palácio, mas para Wang Yanqing, ao ver os móveis familiares da Mansão Lu, parecia que havia se passado uma vida inteira. Até as ervas daninhas à beira do caminho pareciam adoráveis. Ao retornar para seu pátio, assim que entrou, disse:

— Preparem água. Quero tomar um banho.

Ling Xi e Ling Luan haviam recebido a notícia na noite anterior de que ela retornaria pela manhã. Já haviam deixado refrescos e água quente preparados no quarto. Ling Luan fez uma leve reverência e foi verificar a sopa. Ling Xi ajudou Wang Yanqing a tirar as roupas externas e perguntou:

— Senhorita, a senhorita não descansou bem nos últimos dias. A cozinha preparou alguns doces, gostaria de comer um pouco antes do banho?

Wang Yanqing balançou a cabeça:

— Agora não tenho apetite. Talvez depois do banho.

Após um banho quente, Wang Yanqing se sentiu revigorada. Trocou de roupa e deixou os longos cabelos úmidos caírem naturalmente. Ling Xi já havia deixado o café da manhã pronto, e ao vê-la sair do quarto, foi recebê-la:

— Senhorita, o comandante pediu que a senhorita comesse algo antes de dormir. A senhora deseja...?

Wang Yanqing sabia que Lu Heng havia deixado instruções aos empregados da mansão. Todos tinham muito respeito por ele, e ela não queria causar constrangimento à criada. Além disso, o banho havia lhe dado fome, e ao sentir o cheiro da comida quente, também teve vontade de comer. Sem cerimônias, sentou-se, soltou a voz e disse:

— Eu mesma me sirvo. Podem ir descansar.

Ela havia saído do palácio durante Yinshi, e ao chegar, já havia água e comida quentes. Quando será que as criadas e os cozinheiros começaram a preparar tudo? Não era fácil para ninguém, mas aquilo demonstrava cuidado e consideração.

|| Yinshi (寅时) corresponde aproximadamente ao horário entre 3h e 5h da manhã.

Ling Xi e Ling Luan responderam com um "sim", mas não se retiraram. Esperaram Wang Yanqing terminar de comer e secar o cabelo, e só então a ajudaram gentilmente a se deitar.

Ela soltou os cabelos e se enfiou no cobertor quente, finalmente compreendendo o que era estar em casa.

É verdade que a Mansão Lu não era tão requintada quanto o palácio, mas ali ela podia falar livremente, andar como quisesse, comer e beber sem se preocupar. Era muito mais confortável. Apenas por ter caminhado um pouco pelo palácio, Wang Yanqing já compreendia por que Lu Heng vivia sempre tão tenso — a ponto de nem ousar comer comida apimentada em sua própria casa.

Ele trabalhava naquele tipo de ambiente constantemente. Não era de se admirar que tivesse se tornado assim.

Seus pensamentos pousaram em Lu Heng, e ela apoiou a mão na beirada da cama. Fechou os olhos inconscientemente — e caiu num sono profundo.

Ela não sabia se haviam colocado ingredientes calmantes no café da manhã, mas dormiu por muito tempo. E, quando acordou... já estava escuro.

Ela se mexeu um pouco, e uma criada do lado de fora, ao ouvir o movimento, entrou para enrolar as cortinas da cama e acender as velas. Wang Yanqing havia dormido por tempo demais — seu corpo estava dolorido e fraco. Sentou-se com dificuldade, e quando conseguiu se firmar, perguntou:

— O Segundo Irmão já voltou?

Não bebia água havia muito tempo, então sua garganta estava seca e rouca, e essas palavras saíram de forma fraca. Ling Luan a cumprimentou e respondeu:

— Senhorita, o comandante acabou de retornar à mansão.

Ao ouvir isso, Wang Yanqing se levantou imediatamente da cama para ir atrás de Lu Heng. Vestiu uma jaqueta e saia verde, e Ling Luan lhe trouxe um manto. Wang Yanqing não teve paciência de prendê-lo — pegou o manto e correu porta afora, vestindo-se enquanto caminhava.

No segundo dia do segundo mês, a neve já havia derretido, e o clima ficava mais quente a cada dia, mas o vento noturno ainda era gelado. Wang Yanqing correu rapidamente em direção ao pátio principal, com Ling Luan atrás, aflita:

— Senhorita, seu corpo é sensível ao frio. Cuidado para não adoecer.

Wang Yanqing não tinha cabeça para ouvir conselhos. Entrou no salão principal ainda ajeitando as roupas. A pessoa lá dentro ouviu seus passos antes mesmo de ela chegar e se virou com calma:

— Qing Qing, o que houve?

Wang Yanqing se tranquilizou ao ver que era realmente Lu Heng. Ele parecia ter acabado de chegar, nem sequer havia trocado de roupa. Wang Yanqing uniu as mãos, curvou-se numa saudação respeitosa e perguntou:

— Segundo Irmão, já comeu?

Lu Heng pensou que ela fosse perguntar sobre Qin Xiang’er, sobre como o caso do fantasma foi resolvido ou o que acontecera depois que ela saiu da câmara. Não esperava que a primeira coisa que Wang Yanqing perguntaria, ao correr até ali, fosse se ele já havia comido.

Surpreso, sorriu e respondeu:

— Ainda não. Ouvi dizer que você dormiu o dia todo. Dormiu bem? Quer jantar com o Segundo Irmão?

Wang Yanqing assentiu. Na verdade, não estava com fome, mas queria acompanhá-lo durante a refeição — e então fazê-lo descansar. Na noite anterior, Wang Yanqing tinha reunido toda sua energia, mas Lu Heng estivera ocupado o dia todo. Da preparação até o encerramento, ele não parou. Mesmo com seu físico resistente, não aguentaria esse ritmo por muito tempo.

A cozinha já estava preparada. Ao saberem que Wang Yanqing também jantaria, colocaram silenciosamente mais um par de tigelas e hashis, além de alguns pratos que ela gostava. Wang Yanqing sentou-se e passou a observar Lu Heng em silêncio. Seu rosto demonstrava cansaço, mas os olhos estavam brilhantes, com um espírito enérgico.

Parece que esse caso foi resolvido com êxito, pensou Wang Yanqing. Ficou em silêncio por um tempo, então serviu uma tigela de sopa para Lu Heng e perguntou:

— Segundo Irmão, foi mesmo Qin Xiang’er quem fingia ser um fantasma?

Lu Heng pegou a tigela, olhou para ela e suspirou:

— Achei que Qing Qing tivesse vindo por minha causa, mas no fim foi por causa do caso.

— Como pode dizer isso? — Wang Yanqing franziu o cenho. — Tenho medo que seu corpo não aguente se continuar se forçando assim.

Lu Heng riu, girando a colher entre os dedos, e disse lentamente:

— Você é mesmo boba. Só por ouvir isso de você, já valeria a pena morrer de exaustão.

— Não diga essas coisas agourentas — Wang Yanqing o interrompeu com seriedade. — Palavras têm poder, não se pode falar assim.

Ela o repreendeu com o rosto sério, e Lu Heng a ouviu em silêncio. Quando Wang Yanqing terminou, como já não havia nada para fazer à mesa, perguntou:

— Segundo Irmão, por que ela fez aquilo?

Lu Heng tomou um gole leve da sopa e respondeu sem pressa:

— É uma longa história. Foi o fruto amargo plantado trinta anos atrás.

Wang Yanqing o encarou com atenção, esperando pela continuação. Mas Lu Heng, em vez de seguir, perguntou:

— Qing Qing, ainda se lembra do que eu lhe disse no Festival das Lanternas?

Ela pensou por um momento sobre o que ele teria dito a respeito dos últimos trinta anos e respondeu, hesitante:

— Você está falando sobre o Imperador Hongzhi?

— Isso mesmo. Aconteceu no período de Hongzhi — Lu Heng pousou a tigela e suspirou levemente. — Naquela época, um eunuco ofendeu a Imperatriz Zhang ao impedir que os irmãos Zhang usassem a coroa imperial, e acabou preso pelo Imperador Hongzhi. Depois, a Imperatriz Zhang ordenou que ele fosse espancado até a morte. O nome desse eunuco era He Ding, e o que Qin Xiang’er fez está relacionado a ele.

Wang Yanqing arriscou um palpite:

— Eles eram irmãos? Mas Qin Xiang’er se chama Qin. Será que usava um pseudônimo?

— Esse é o nome verdadeiro dela — disse Lu Heng com tranquilidade. — A identidade de funcionárias que entram no palácio é verificada diversas vezes. Qualquer pequena falha é motivo de reprovação. O sobrenome dela é de fato Qin, de Huaian, e ela tinha uma irmã mais velha.

Os olhos límpidos de Wang Yanqing, como águas cortadas no outono, fitaram Lu Heng sem piscar. Ele assentiu, confirmando sua suspeita:

— A irmã mais velha de Qin Xiang’er também entrou no palácio. Não como funcionária, mas como criada. No dia do conflito entre He Ding e Zhang Heling, houve um banquete no palácio. Zhang Heling e Zhang Yanling beberam demais. Zhang Yanling estuprou uma criada enquanto estava bêbado e, depois disso, voltou para o banquete e viu a coroa imperial. Com as mãos coçando, incentivado por Zhang Heling, os dois pegaram e usaram a coroa. He Ding e a criada trabalhavam no mesmo salão. Ele descobriu o que Zhang Yanling havia feito e, ao chegar no salão, viu que os dois não só não mostraram arrependimento, como ainda quiseram usar a coroa. He Ding ficou furioso e quis matá-los com uma cabaça de ouro.

— A atitude dele causou um alvoroço e alarmou a Imperatriz Zhang. Na época, muitos intercederam junto ao imperador, mas a Imperatriz Zhang não conseguiu engolir aquela afronta e insistiu em prender He Ding. O Imperador Hongzhi, por não querer que sua esposa sofresse, mandou os Guardas Imperiais levarem He Ding. Ninguém sabe se o imperador pretendia ou não matá-lo, mas no fim, He Ding morreu.

O olhar de Wang Yanqing mostrava o quanto aquilo a perturbava — como nuvens escuras cobrindo a lua, como fumaça cobrindo a água fria, deixando no ar uma tristeza silenciosa. Lu Heng segurou seu pulso com firmeza:

— Aquela criada... era a irmã de Qin Xiang’er — Qin Ji’er.

O coração de Wang Yanqing despencou, e apenas o calor firme da mão de Lu Heng era seu amparo naquele mar revolto.

— O que aconteceu com Qin Ji’er? — perguntou ela.

— Ela morreu — respondeu Lu Heng, direto e frio, sem emoção nos olhos. — O registro no palácio dizia que Qin Ji’er havia morrido de frio naquela noite. Mas o velho eunuco que cuidou do caso contou que, quando jogaram o corpo fora, havia marcas roxas no pescoço dela.

Era um fim trágico, mas nada surpreendente. A Imperatriz Viúva Zhang não perdoara nem mesmo He Ding, que fora preso — por que perdoaria uma simples criada? Qin Ji’er morreu em silêncio. Mesmo que todos percebessem que sua morte não fora natural, ninguém se atreveria a investigar. He Ding era um eunuco sem descendência, sem ninguém que lutasse por justiça.

Ambos eram como poeira sobre o piso luxuoso da Cidade Proibida — incômodos aos olhos dos poderosos. Foram varridos como lixo, e ninguém se importou para onde foram. Só Qin Xiang’er, a irmã de Qin Ji’er, que também era poeira, desistiu de se casar e entrou no palácio. Serviu por vinte anos, só para descobrir a verdade sobre a morte da irmã.

Wang Yanqing finalmente entendeu por que a Imperatriz Zhang se recusava tanto a falar do fantasma, e também por que Qin Xiang’er gritava “tão frio” quando fingia ser assombração. Sua irmã havia “morrido congelada” — não era de se espantar que ela guardasse essa dor no coração.

— Ela investigou? — perguntou Wang Yanqing.

— Ela confessou hoje na prisão que encontrou alguns vestígios, mas não tinha certeza se era a Imperatriz Zhang. Por isso, fingiu ser um fantasma para assustá-la e ver se conseguia descobrir se a morte da irmã tinha relação com ela.

Não era preciso dizer mais nada — o pavor da imperatriz deixava claro que estava envolvida.

Wang Yanqing suspirou fundo e perguntou algo que a inquietava há tempos:

— Na primeira vez em que ela deu o remédio para Cui Yuehuan, ninguém viu o fantasma. Mas na segunda, terceira e quarta vezes, ela estava sempre ao lado da Imperatriz Zhang. Como poderia fazer barulho do lado de fora da janela? Na noite retrasada, vi com meus próprios olhos que ela estava no salão, deitada na cama da imperatriz antes da confusão começar, dormindo. Mesmo que estivesse fingindo, as batidas na porta e os gritos vinham claramente de fora. Como ela podia estar em dois lugares ao mesmo tempo?

Lu Heng acariciava lentamente os dedos de Wang Yanqing e, ao ouvir isso, sorriu com um significado oculto:

— Quem disse que precisava ser um ser humano?

Wang Yanqing ficou surpresa, mas, quando Lu Heng ia explicar, parou de repente. Apertou a mão dela e disse:

— Qing Qing não levou minhas palavras a sério. Eu estava preocupado que você fosse injustiçada no palácio, e por isso ensinei o código secreto com tanto cuidado... mas você não se importou nem um pouco.

— Não! — Wang Yanqing se sentiu bastante injustiçada e apressou-se em se defender: — Eu me lembrei, mas foi inútil!

Lu Heng demorou de propósito para responder, e retrucou sem pressa:

— Sério? Então por que você não notou os chamados dos pássaros?

Wang Yanqing ficou atônita por um momento. Só então se recordou de que, quando saiu na noite anterior, realmente não viu ninguém — mas parecia que alguns pássaros haviam passado voando por ali.

Vendo que ela havia compreendido, Lu Heng sorriu e disse:

— Você não gosta dessas apresentações de rinha de galo e corrida de cavalos, então naturalmente não sabe. Existe uma ave muito valorizada no mercado de pássaros, chamada mainá. Tem uma voz clara e é capaz de aprender a linguagem humana. Se bem treinada, pode aprender mais de uma dúzia de comandos.

Wang Yanqing foi ligando os pontos pouco a pouco. Depois que Qin Xiang’er descobriu a causa da morte da irmã, suspeitou que tivesse sido obra da Imperatriz Zhang. Então, fingiu ser um fantasma para enganá-la. Qin Xiang’er era uma funcionária do palácio, e a imperatriz não conseguia terminar todos os doces que recebia. Qin Xiang’er escolheu as guloseimas que Cui Yuehuan gostava, colocou nelas uma erva sonífera e a convenceu a comer. Quando Cui Yuehuan adormeceu profundamente naquela noite, Qin Xiang’er vestiu roupas de fantasma feminino para assustar a imperatriz.

Qin Xiang’er e Qin Ji’er eram irmãs. Com os cabelos soltos e a luz fraca, a figura parecia irreal. Ao ver aquilo, a Imperatriz Zhang pensou que era o espírito de Qin Ji’er e desmaiou de susto.

Depois disso, a imperatriz passou a xingar todo mundo como uma louca. Qin Xiang’er viu aquilo e teve ainda mais certeza de que a culpada pela morte da irmã era mesmo a imperatriz. O mais absurdo era que ela havia matado uma jovem criada bonita — e nem sequer lembrava o nome dela. Se soubesse que se chamava Qin Ji’er, jamais teria mantido por perto alguém com o mesmo sobrenome: Qin Xiang’er.

Depois de confirmar a verdadeira assassina, Qin Xiang’er não precisava mais correr riscos diretamente. Ficava abertamente ao lado da imperatriz, e quando todos dormiam, assoviava discretamente para chamar a mainá, treinada para imitar vozes humanas. Se alguém abrisse a janela ou os Guardas Imperiais invadissem, a mainá naturalmente fugiria voando. Qin Xiang’er não precisava se preocupar com nada.

As penas da mainá eram negras com reflexos púrpura, invisíveis no escuro. E como todos estavam atentos à figura do suposto fantasma, ninguém repararia num pássaro. Nem os Guardas Imperiais, nem Wang Yanqing encontraram nenhum pássaro preto no pátio. Durante as patrulhas, estranhos não podiam se aproximar do Palácio Ciqing — mas quem poderia controlar os pássaros no céu?

Assim, Qin Xiang’er conseguiu fingir ser um fantasma bem debaixo do nariz de todos. Se não tivesse cruzado com Lu Heng, provavelmente os Guardas Imperiais teriam sido enganados por completo.

Qin Xiang’er usava um apito para comandar o pássaro, mas não sabia que os Guardas também possuíam um código secreto — e Lu Heng era especialista nisso. Wang Yanqing ficou impressionada, mais uma vez compreendendo por que o Segundo Irmão havia subido de posto tão rapidamente.

Mas ainda havia algo que a intrigava, e ela logo perguntou:

— E quanto à segunda vez? Sempre achei que as lanternas sob as beiradas do Palácio Ciqing estavam estranhas, mas não consegui identificar o quê...

Lu Heng nunca economizava elogios à irmã. Assentiu e confirmou:

— Sim, havia algo errado com aquelas lanternas. Você não frequenta muito o palácio, é natural que não perceba a diferença. Quando entrei, o que notei logo de cara foi que a lanterna havia sido ajustada e pendurada muito mais abaixo do que o normal. Na segunda vez, o tal choro de mulher era da mainá. E quanto à figura de cabelos desgrenhados atrás da janela, era na verdade uma sombra projetada pela lanterna, igual àquelas apresentações de teatro de sombras.

Os olhos de Wang Yanqing se arregalaram, curiosa:

— Como isso funciona?

Lu Heng olhou para os olhos grandes e límpidos dela e se perguntou como a Mansão do Marquês de Zhenyuan havia criado essa garota. Wang Yanqing não entendia de flores nem de aves, o que era compreensível — sua criação fora rígida, e não lhe era permitido brincar com objetos — mas nem mesmo teatro de sombras?

Lu Heng disse, não escondendo seu desprezo pela Mansão Zhenyuan:

— Não é certo brincar o tempo todo e perder a cabeça, mas também não se pode estudar tão duro a ponto de nunca relaxar. O equilíbrio entre trabalho e descanso é...

Ele parou de repente. Percebeu que a pessoa que nunca se importou com os gostos de Wang Yanqing, sempre centrado em seus próprios assuntos, era ele mesmo.

Seus lábios se moveram, ele os apertou e rangeu os dentes em silêncio. Por fim, sorriu para Wang Yanqing e disse:

— Foi tudo culpa minha. Estava tão ocupado treinando que esqueci de levá-la para se divertir. O Segundo Irmão vai te acompanhar mais daqui em diante.

Wang Yanqing assentiu devagar, com os olhos ainda magoados. Lu Heng não aguentava vê-la assim e disse imediatamente:

— Ling Xi, traga os bonecos de sombra.

Wang Yanqing ficou surpresa e protestou:

— Segundo Irmão, você esteve ocupado por vários dias. É melhor ir descansar...

— Não é problema — respondeu Lu Heng, com leveza. — É simples de fazer, não exige esforço.

Depois que terminaram de comer, Ling Xi já havia preparado tudo. Lu Heng levou Wang Yanqing até a frente da janela, pendurou uma linha de pesca amarrada a uma vara de madeira diante da janela, e ajustou o boneco até um ângulo apropriado. Pediu que elevassem a luz, e uma sombra vívida surgiu no papel da janela. Ele gesticulou com naturalidade:

— Provavelmente foi assim que fizeram. Talvez ela tenha ajustado com mais precisão, mas o princípio é o mesmo.

Wang Yanqing viu com os próprios olhos como um recorte de papel se transformava numa sombra preta ampliada na janela. O último mistério em seu coração enfim se dissolveu. Na segunda aparição do suposto fantasma, as criadas tinham visto uma sombra. Junto aos lamentos do lado de fora, naturalmente acreditaram que era um fantasma. Mas teriam percebido que a sombra não se movia. Além disso, ela se lembrou de Yu Wan dizer que, naquele dia, Qin Xiang’er avançou e foi a primeira a abrir a janela com uma vara para “afastar” o fantasma.

Na verdade, Qin Xiang’er não queria exorcizar nada — apenas recolher a linha de pesca e o recorte de papel. Naquele momento, tanto as criadas quanto a imperatriz estavam tão aterrorizadas que nem ousaram se aproximar da janela.

Vendo que Wang Yanqing estava satisfeita, Lu Heng abaixou os instrumentos e sinalizou para Ling Xi e Ling Luan os retirarem. Só então Wang Yanqing percebeu o quanto o havia atrapalhado, e se apressou em dizer:

— Segundo Irmão, você precisa descansar, não é? A culpa é toda minha, vim para lembrá-lo de dormir cedo, mas fiquei aqui te prendendo esse tempo todo.

Lu Heng não se importava. Conversar com ela era algo leve e descontraído — um descanso em si. No entanto, como sempre gostava de agradar nesses assuntos, imediatamente fez cara de cansaço e disse:

— Passei o dia inteiro na prisão hoje. Estou com dor de cabeça e não consigo dormir.

Wang Yanqing se sentiu ainda mais culpada, e disse com cuidado:

— Então... é melhor eu ir embora?

Ela era mesmo esperta. Lu Heng não teve escolha, teve que dizer claramente:

— Se alguém me ajudasse a massagear os pontos de acupuntura, talvez melhorasse.

Wang Yanqing respondeu num tom frustrado:

— Que pena... eu não sei massagear.

Se fosse outra pessoa, Lu Heng certamente acharia que estava se fazendo de desentendida. Mas como era Wang Yanqing, ele apenas sorriu pacientemente:

— Não tem problema, eu te ensino.

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Nota da autora:

Lu Heng (desgostoso): Algumas pessoas são muito egoístas e não sabem cuidar da própria irmã.

Lu Heng: Sim, essa pessoa sou eu.

Capítulo 48 — Difícil de Eliminar

Lu Heng disse aquilo, e naturalmente Wang Yanqing não tinha razão para recusar. Ela assentiu e falou:

— Tudo bem. Segundo Irmão, sou meio desajeitada. Se eu fizer algo errado, não pense mal de mim.

Lu Heng não conseguiu conter o riso. Pegou as mãos de Wang Yanqing e as colocou sobre a própria palma. Virou-as, observando aquele par de mãos finas e alvas como jade:

— São tão bonitas. Nem imaginava que fossem mãos desajeitadas.

Wang Yanqing riu das palavras dele. O tom de Lu Heng era direto, seus olhos ardiam intensamente, e seus dedos deslizavam lentamente pela palma dela. Embora ele não dissesse nada explícito, havia uma sensação de invasão que se aproximava passo a passo. Wang Yanqing corou e se sentiu inexplicavelmente envergonhada. Encolheu os dedos e disse:

— Segundo Irmão, o que eu devo fazer?

Lu Heng soltou a mão dela, deu tapinhas ao lado de si e disse:

— Sente-se aqui, Qing Qing. Os pontos de acupuntura na cabeça são os mais complicados. Deixe-me te ensinar.

Na verdade, Wang Yanqing já estava sentada na cama tipo arhat, a meio braço de distância de Lu Heng. Mas como ele disse isso, ela não teve escolha senão se mover para a direita, encostando-se diretamente a ele.

Lu Heng achou que ainda era pouco, então de repente se inclinou e envolveu Wang Yanqing com ambos os braços. Ela sentiu a respiração súbita de Lu Heng se aproximando e congelou.

— S-segundo Irmão...

Wang Yanqing manteve o pescoço ereto e não ousou virar o rosto, com medo de acidentalmente encostar no rosto de Lu Heng. Ele, por outro lado, estava muito mais calmo. Virou ligeiramente o rosto, fazendo com que a ponte do nariz quase tocasse o lóbulo da orelha dela, enquanto observava sua pele branca como jade se tingir de carmim.

Lu Heng riu suavemente e estendeu os dedos para beliscar a área corada. Wang Yanqing se enrijeceu:

— Segundo Irmão?

Lu Heng girou lentamente os dedos sobre o lóbulo da orelha dela e disse:

— Este é o ponto do lóbulo da orelha. Entendeu?

Wang Yanqing ficou atordoada com o tom didático de Lu Heng. Ele pressionava seus dedos para a esquerda e para a direita na orelha dela, murmurando distraidamente os nomes dos pontos de acupuntura. Sua respiração varria o ouvido de Wang Yanqing, justamente na área mais sensível. Quanto mais ela tentava resistir, mais vermelhos ficavam seus ouvidos, até que a borda externa da orelha se conectou à pele do pescoço, tingindo-se de rosa claro.

Felizmente, Lu Heng ainda parecia estar ensinando com seriedade. Quando percebeu que ela estava distraída, pressionou seu ponto Yifeng como castigo:

— Concentre-se.

O ponto de acupuntura Yifeng (翳风穴) está localizado na depressão atrás da orelha.

As mãos de Lu Heng eram diferentes das de um erudito. Ele treinava artes marciais desde pequeno, então as juntas eram bem definidas e os dedos, longos. Ao tocar, era evidente que eram mãos de homem. Wang Yanqing, instintivamente, quis se afastar, mas Lu Heng se inclinou, deixando apenas um palmo de espaço para que ela se movesse. Sem saída, ela disse:

— Segundo Irmão, desse jeito não vou conseguir memorizar. É melhor eu pegar os desenhos e olhar os diagramas.

— Não precisa — respondeu Lu Heng calmamente. — Uma experiência real nunca é falsa. O Segundo Irmão vai te ensinar.

Wang Yanqing pensou que, sendo algo feito com as mãos, ela não precisaria de material de apoio... Mas não seria melhor usar um boneco de treino? Perguntou, incerta:

— Devem ter bonecos de madeira na casa, certo?

Lu Heng suspirou com pesar:

— Não tem.

Agora há pouco ele pedira bonecos de sombra, algo tão incomum, e Ling Xi os encontrara entre uma refeição e outra. Mas numa família de Guardas Imperiais de gerações, não havia sequer um boneco de treino?

Wang Yanqing ficou sem palavras. Enquanto isso, os dedos de Lu Heng deslizavam pela pele atrás da orelha dela e pressionavam suavemente seu pescoço:

— Este é o Fengfu, Dummen, Dazhui e Shenzhu.

Esses são pontos de acupuntura ao longo da coluna vertebral. Fengfu (风府) fica na parte superior do pescoço, na depressão atrás da cabeça. Dummen (哑门) está logo abaixo do Fengfu, na linha do cabelo atrás da cabeça. Dazhui (大椎) se localiza numa vértebra cervical, quase entre os ombros. Shenzhu (身柱) está na coluna, entre as escápulas.

Sua mão desceu pela espinha de Wang Yanqing enquanto dizia os nomes dos pontos. Passou pelas escápulas, costas, até parar na cintura. Os dedos de Lu Heng eram fortes e, quando pressionou um ponto na parte inferior das costas dela, Wang Yanqing sentiu metade do corpo formigar e os músculos da cintura estremecerem levemente.

— Este é o ponto da vida — disse Lu Heng, ainda segurando sua cintura. — Entendeu? Se não tiver memorizado, eu ensino de novo.

Wang Yanqing já havia treinado artes marciais. Mesmo com a perda de memória, conhecia alguns pontos vitais do corpo humano. Mas era evidente que não se comparava a Lu Heng. Ele não apenas conhecia todos os pontos de acupuntura, como também parecia saber o efeito e o propósito de cada um.

Ela não ousou pedir que ele repetisse. Assentiu rapidamente:

— Já aprendi.

Lu Heng sorriu:

— Mesmo?

Agora foi a vez de Wang Yanqing assentir com mais força, temendo que ele não acreditasse:

— De verdade.

— Certo.

A aluna aprendeu com uma única explicação, mas Lu Heng não parecia satisfeito e até soava um pouco decepcionado. Wang Yanqing respirou aliviada, esperando que ele recuasse a mão — mas nada aconteceu. A mão na cintura dela permaneceu firme. Quando ela se mexeu, os dedos subiram pela coluna como se conduzissem eletricidade, provocando uma onda de formigamento até a nuca e fazendo o corpo dela enrijecer.

Mas o culpado apenas abaixou os olhos e olhou para ela com inocência:

— Vou te ajudar a encontrar os pontos na parte de trás da cabeça. Qing Qing, o que foi?

Wang Yanqing percebeu que não podia continuar daquele jeito. Então se adiantou:

— Segundo Irmão, assim eu não consigo lembrar de nada. Por que não deixamos que eu tente, e você me corrige?

Dessa vez, Lu Heng assentiu generosamente, soltando-a de imediato. Recostou-se no biombo, sorrindo:

— Vá em frente.

Wang Yanqing tinha um plano: com o Segundo Irmão, seus toques "acidentais" sempre recaíam sobre partes delicadas. Mas se fosse ela quem massageasse Lu Heng, esse tipo de constrangimento não aconteceria. Ela se acalmou, tirou os sapatos bordados, ajoelhou-se ao lado dele e pressionou levemente as têmporas, como ele havia feito da outra vez.

Lu Heng estava incomumente interessado e considerava aquilo um pequeno jogo para relaxar depois de resolver o caso. Ele era homem, Wang Yanqing estava apenas tateando — o que havia de mais? Deixaria que ela liderasse.

Ele estava tranquilo, mas quando as mãos de Wang Yanqing se aproximaram de suas têmporas, um pensamento lhe atravessou a mente.

Se ela estivesse fingindo amnésia, este seria o momento ideal para me matar. A distância era curta, e ela ia direto ao ponto letal. Lu Heng não teria como desviar.

O corpo dele se tensionou de imediato, e os braços quase afastaram a possível ameaça — mas, por algum motivo, hesitou. E assim, perdeu o melhor momento de reação. Os dedos frios e suaves de Wang Yanqing tocaram sua pele com delicadeza. Ela pressionou com cuidado e perguntou:

— Segundo Irmão, é aqui?

Veias saltaram nas costas da mão de Lu Heng. Ele sentia a respiração leve dela e soube que estava sendo paranoico. Seus braços relaxaram um pouco, mas as articulações permaneciam tensas:

— É.

Wang Yanqing nem imaginava que, por um breve momento, havia passeado pela fronteira entre a vida e a morte. Ela continuou massageando suavemente a testa de Lu Heng. Seus dedos eram macios, seu corpo ainda exalava a fragrância do banho. Uma bela mulher ao lado dele, quente e perfumada como jade — mas Lu Heng ainda não conseguia relaxar. Suspirou em silêncio. Eu não mereço a graça dessa beleza.

De repente, ele estendeu o braço, segurou a cintura de Wang Yanqing e a puxou para perto:

— Você fez um ótimo trabalho. Já estou bem. Agora descanse um pouco.

Wang Yanqing estava com a cintura ereta ajudando Lu Heng, e de repente foi abraçada. Sem tempo de reagir, caiu sobre ele. Por sorte, Lu Heng foi rápido e a segurou com firmeza. O tronco dela se inclinou contra o corpo dele, as palmas apoiadas nos ombros dele, e os cabelos escorregaram pelos ombros, cobrindo parte da luz.

Antes, era Lu Heng quem sempre olhava de cima para ela. Agora, era Wang Yanqing quem o encarava de cima. Lu Heng recostou-se parcialmente, os olhos calmos e translúcidos, observando-a.

Ele segurava a cintura de Wang Yanqing com ambas as mãos, e sentiu instintivamente o quão fina e macia ela era. Suspeitou até que conseguiria envolver a cintura dela com as mãos. Observou-a por um tempo e perguntou:

— Está olhando o quê?

Wang Yanqing percebeu que ainda estava apoiada nele e rapidamente recolheu as mãos:

— Segundo Irmão, me desculpe, machuquei você?

As mãos de Wang Yanqing estavam nos ombros de Lu Heng, mas ele não sentiu dor — apenas não gostava de ficar por baixo. Mesmo em assuntos de homem e mulher, ele precisava estar no controle.

Lu Heng disse lentamente:

— Um pouco. Agora não consigo levantar. Qing Qing, me ajuda?

Wang Yanqing acreditou de verdade, e se inclinou para puxar o braço dele. Lu Heng, no entanto, segurou sua cintura com uma das mãos, aplicou um pouco de força e a envolveu por completo:

— Pronto, agora estou bem.

Wang Yanqing tentou se levantar, mas Lu Heng disse que estava desconfortável — e sua força não mostrava nenhum sinal de cansaço. Diante de tentativas inúteis, ela desistiu, rendendo-se e se encostando nele.

Wang Yanqing se aninhou ao lado de Lu Heng, com a cabeça apoiada em seu ombro. A altura dos dois se encaixava perfeitamente. Só então Lu Heng finalmente se sentiu à vontade. Recostou-se contra o biombo e fechou os olhos para descansar.

Vendo-o fechar os olhos e cochilar, Wang Yanqing se lembrou de que ele mal dormira uma noite inteira nos últimos dias. Ela não teve coragem de incomodá-lo mais e ficou aninhada em silêncio. Esperou por um tempo, sentindo que ele estava prestes a adormecer, e perguntou em voz baixa:

— Segundo Irmão, você quer ir para a cama?

Era raro ter um momento tão relaxante, e Lu Heng manteve os olhos fechados. Sua voz soou um pouco rouca:

— E a Qing Qing?

Wang Yanqing ficou séria ao ouvir isso e respondeu com retidão:

— O Segundo Irmão está descansando, como eu poderia incomodá-lo? Naturalmente, você deve voltar para o seu quarto.

Ele já esperava essa resposta. Lu Heng pousou a mão sobre a cintura de Wang Yanqing e disse:

— Então deixa pra lá. Se a Qing Qing não estiver aqui, não consigo dormir direito.

Suas palavras estavam cada vez mais absurdas. Wang Yanqing ficou envergonhada e murmurou:

— Segundo Irmão, homens e mulheres devem manter distância...

Ela sempre queria agradá-lo em tudo, mas era especialmente firme quanto a esse tipo de coisa. Ter um limite no coração era algo bom, e Lu Heng não queria ultrapassar isso nem tirar proveito de uma mulher solteira. Por isso, respondeu:

— Eu entendo. Só de você ficar aqui comigo um pouco já é suficiente.

Lu Heng falou com tanta tranquilidade que Wang Yanqing não teve como recusar. Ela ergueu os olhos e observou em silêncio o perfil dele. Parecia que ele realmente estava exausto nesses dias. Quando foi que o Segundo Irmão falaria com tamanha vulnerabilidade?

Wang Yanqing perguntou baixinho:

— Segundo Irmão, a Qin Xiang’er confessou?

Lu Heng soltou um leve som de confirmação. Ontem, os Guardas Imperiais encontraram roupas de fantasma, gaiolas de pássaros e soníferos no quarto de Qin Xiang’er. Ela também não tentou negar e chegou até a perguntar o que deveria dizer.

Lu Heng sabia o que Wang Yanqing queria perguntar. Ela não disse diretamente, e ele também não a apressou — apenas esperou calmamente. Wang Yanqing hesitou por um momento e perguntou em voz baixa:

— O que vocês vão fazer?

Lu Heng riu. Seu peito tremeu levemente, e sua voz rouca e baixa, acompanhada de um sorriso, era especialmente tentadora:

— E o que a Qing Qing quer fazer?

Wang Yanqing suspirou e disse:

— O que eu posso fazer? Só acho que é uma pena. Ela era funcionária responsável pelos clássicos no Escritório Shangyi, e tinha exigências altas quanto à caligrafia, o que mostrava que já possuía talento e conhecimento antes de entrar no palácio. Ela poderia ter se casado e tido filhos como qualquer outra mulher. Com suas habilidades, teria levado uma vida boa. Mas desistiu de uma vida fácil e estável para entrar no palácio, onde servia aos outros, sempre com medo e em silêncio. Tudo isso foi apenas para que sua irmã pudesse partir com dignidade.

Qual o problema de vingar alguém que se ama? Ainda mais porque a morte de Qin Ji’er foi injusta — ela foi violentada e depois silenciada. O que Qin Ji’er fez de errado para merecer aquilo?

Qin Xiang’er suportou vinte anos apenas por esse dia. Foi um erro fingir ser um fantasma, mas esses pecados não deveriam ser pagos com a vida. Só porque a pessoa que se assustou foi a Imperatriz Zhang, Qin Xiang’er deveria ser condenada à morte?

Depois que Wang Yanqing deduziu que era Qin Xiang’er, entendeu por que Cui Yuehuan mentiu. Cui Yuehuan não era brilhante, mas também não era tola. Sentiu-se estranhamente sonolenta, e no dia seguinte descobriu que a imperatriz tinha visto um fantasma enquanto ela dormia — imediatamente adivinhou que fora Qin Xiang’er.

Cui Yuehuan poderia ter contado a verdade à Imperatriz Zhang, redimido seus méritos e se poupado do sofrimento físico. Mas não disse nada, preferiu assumir a culpa, mesmo correndo o risco de ser espancada até a morte. A surra foi atenuada pela influência de Qin Xiang’er, mas mesmo assim ela foi castigada, e a dor e os ferimentos foram reais.

A Cidade Proibida era solene, majestosa, suprema. Mas quem via as incontáveis criadas e eunucos apáticos e silenciosos sob os telhados de azulejos brilhantes? Para os grandes figurões, essas pessoas eram como formigas. E mesmo entre moscas e formigas, ainda existia ternura.

A bondade entre os mais humildes era muito frágil — qualquer compaixão podia arrastar alguém para o abismo da ruína. Cui Yuehuan e He Ding foram tragicamente destruídas por causa de sua bondade.

Alguns viviam na lama, mas mantinham o coração limpo. Outros vestiam roupas finas, mas seus corações estavam corroídos e vazios.

Lu Heng não comentou sobre isso, apenas mencionou distraidamente:

— Qing Qing, você sabia que o mainá também tinha um nome? Qin Ji.

Wang Yanqing se mostrou confusa e perguntou:

— Por que esse nome?

Lu Heng balançou a cabeça e se recusou a dizer mais nada. Quando percebeu que já estava tarde, levantou-se e mandou Wang Yanqing de volta para o quarto para dormir.

Ele a provocava de propósito, mas não pretendia realmente mantê-la ali tão tarde. Mesmo irmãos de sete anos tinham conversas diferentes, e eles nem sequer eram irmãos de sangue.

Além disso, Lu Heng suspeitava que, se alguém dormisse ao seu lado, ele não conseguiria pregar o olho a noite inteira. Esse era um dos motivos pelos quais ainda não havia se casado.

Depois que Wang Yanqing retornou à Mansão Lu, a vida caótica na corte dos últimos dias aos poucos se dissipou, e ela voltou a ser a senhorita recatada e tranquila da Mansão Lu. Passados alguns dias, as notícias externas começaram a chegar aos seus ouvidos.

Lu Heng, o comandante dos Guardas Imperiais, ao revisar os arquivos, encontrou por acaso o caso de He Ding, ocorrido há muitos anos. Achou que havia muitas inconsistências e decidiu reabrir a investigação. Teria sido melhor não ter feito isso, pois a nova apuração revelou que Zhang Yanling havia estuprado uma criada do palácio anos atrás e depois a levou à morte.

Zhang Heling e Zhang Yanling já haviam cobiçado a coroa imperial, e o imperador Hongzhi não os puniu por isso. Mas estuprar criadas era outra história. Em teoria, as criadas do palácio pertenciam ao imperador. Zhang Yanling foi ousado o suficiente para violentar uma criada durante um banquete — quem garantiria que ele não continuou cometendo abusos todos esses anos? E se uma delas engravidasse? Isso não mancharia a linhagem do imperador?

Com a revelação do escândalo, a corte inteira foi tomada por um alvoroço. O imperador ficou furioso e ordenou imediatamente que os Guardas Imperiais prendessem Zhang Yanling, além de repreender duramente Zhang Heling na corte matinal. Mesmo depois de repreendê-lo, o imperador ainda não estava satisfeito — então ordenou a execução de Zhang Yanling.

A Imperatriz Zhang jamais imaginaria que, após apenas alguns dias doente, a situação mudaria tão drasticamente. Ela já não se importava se o Palácio Ciqing continuaria ou não assombrado. Foi até o imperador diversas vezes para interceder, mas ele recusou-se a vê-la. No fim, a imperatriz não teve escolha a não ser se ajoelhar diante do Palácio Qianqing, com os olhos cheios de lágrimas, completamente humilhada, implorando para que o imperador poupasse a vida de Zhang Yanling.

Ela realmente não compreendia — era só uma criada do palácio. Por que seu irmão deveria perder a vida por causa disso? Criadas e eunucos morriam o tempo todo — morriam e pronto. Mas o irmão dela era o Marquês de Jianchang.

A Imperatriz Zhang se ajoelhou e implorou, e seus súditos também pediram clemência. No fim, o imperador não teve mais forças para resistir. Cedeu um passo, isentou Zhang Yanling da pena de morte, mas retirou os títulos de Duque de Chang Guo e Marquês de Jianchang, banindo os irmãos Zhang para Nanjing, proibindo-os de permanecer na capital. Ao mesmo tempo, o título da Imperatriz Zhang foi rebaixado — de Imperatriz para apenas “Tia”.

Wang Yanqing ouviu atentamente Ling Xi e Ling Luan relatarem as notícias do mundo exterior. Depois de escutar tudo, ela não expressou opinião alguma, apenas aproveitou a oportunidade para perguntar a Lu Heng:

— Segundo Irmão, há um tempo o Palácio do Leste estava assombrado e causou bastante alvoroço. Como esse assunto vai terminar?

Os olhos de Lu Heng estavam serenos, e ele respondeu com desdém:

— Você mesma disse que foi um fantasma. Coincidentemente, o Mestre Shaotian veio entregar novas pílulas medicinais e fez um ritual no caminho. Acredito que agora não haverá mais fantasmas perturbando ninguém.

Wang Yanqing ficou em silêncio por um momento e então perguntou:

— E quanto a Qin Xiang’er?

O tom de Lu Heng tornou-se ainda mais indiferente:

— Ela perdeu a chance de se casar para ser funcionária, e assim acabou sendo deixada de lado pela sociedade até os trinta e cinco anos. O imperador lembrou que ela serviu na corte por muito tempo, mesmo sem méritos extraordinários, e decidiu deixá-la voltar para casa.

Wang Yanqing olhou para Lu Heng, e ele também a fitou, sorrindo. No fim, ela não perguntou mais nada, apenas assentiu com a cabeça e disse:

— Tudo bem, entendi.

Wang Yanqing refletiu em silêncio — no fim das contas, todos haviam conseguido o que queriam, e esse caso só podia mesmo terminar assim.

Para Qin Xiang’er, alcançar seu objetivo já era uma forma de buscar benevolência.

Já no primeiro mês do ano, Qin Xiang’er vinha prestando atenção às notícias sobre a intenção do imperador de retirar os títulos da antiga corte. Mais tarde, soube que o imperador havia desistido da ideia por causa da pressão da Imperatriz Zhang. Isso a encheu de raiva e frustração, e finalmente ela bolou um plano.

Ela queria criar um escândalo sob o pretexto de fantasmas e assombrações, e assim forçar uma reabertura do caso de Qin Ji’er. Por isso, não escolheu eliminar a Imperatriz Zhang enquanto esta dormia, mas sim seguir por outro caminho — fingir ser um fantasma.

De fato, ela atraiu os Guardas Imperiais, e como esperado, acabou presa. Mas finalmente encontrou uma oportunidade de transmitir a injustiça sofrida por sua irmã às autoridades superiores. Esse tipo de caso não se resolvia porque as provas fossem difíceis de encontrar ou porque o criminoso fosse astuto, mas sim porque os superiores não queriam investigar. Se alguém de alto escalão se importasse, bastaria um estalar de dedos para que tudo viesse à tona.

E de fato, Lu Heng descobriu toda a verdade em apenas um dia, e no seguinte o relatório já estava no Palácio Qianqing. A partir daí, o imperador aproveitou a oportunidade para atacar a família Zhang e finalmente removeu o espinho que o incomodava havia doze anos.

Lu Heng, mais uma vez, coçou com precisão a coceira do imperador — entregou-lhe a faca no momento certo e cuidou pessoalmente da família Zhang. Em pouco tempo, Lu Heng provavelmente seria promovido novamente.

Qin Xiang’er ofereceu informações a Lu Heng, e por esse mérito, ele a poupou. Quanto à assombração do Palácio do Leste, só podia terminar com uma explicação baseada em forças sobrenaturais e caos. O imperador queria derrubar os Zhang, mas não queria criar outro escândalo. Se a história do “fantasma” viesse à tona, a Imperatriz Zhang certamente se aproveitaria para se fazer de vítima, e o grupo de ministros começaria a tagarelar. Era melhor manter silêncio. Passado um mês, o mundo já teria esquecido.

Afinal, aconteciam tantas coisas dentro do palácio… não faria mal que adicionassem mais uma história de fantasma. Talvez, muitos anos depois, apenas as criadas idosas e de longa vida ainda se lembrariam daquele bizarro caso de assombração da imperatriz no Palácio do Leste — um caso que jamais foi resolvido.

Wang Yanqing não queria pensar sobre qual papel havia desempenhado nisso tudo. Ela apenas esperava que, depois de deixar o palácio, Qin Xiang’er pudesse finalmente mostrar seu verdadeiro talento, viver sua própria vida… e nunca mais voltar.

Naquela capital majestosa e solene, não existia justiça — apenas políticos.

Capítulo 49 — Revelado

Já era quase o terceiro mês, e o clima esquentava dia após dia. A brisa da primavera soprava entre os salgueiros, o sol brilhava intensamente, e por toda parte se via o esplendor animado da estação, com os salgueiros envoltos por um verde enevoado.

Na Mansão do Marquês de Yongping, os criados se ocupavam com os preparativos para o próximo Festival de Shangsi. Durante esse festival, realizavam-se banhos rituais nas margens dos rios para afastar os maus espíritos. Nesse dia, as mulheres saíam em grupo para passeios à beira da água. Era um dos festivais mais animados do ano para as jovens solteiras. As moças saíam acompanhadas por seus irmãos, e com o tempo, o Festival de Shangsi evoluiu para um dia em que rapazes e moças se encontravam e flertavam.

A Senhora Marquesa de Yongping preparou com antecedência um casaco novo para Hong Wanqing. Naquele dia, a bordadeira trouxe a peça, e a marquesa logo mandou que Hong Wanqing a experimentasse. Cinco ou seis aias se juntaram ao redor da jovem, ajudando-a a trocar de roupa. A marquesa observava ao lado, avaliando o caimento sobre o corpo da filha, e comentou com a bordadeira:

— O rosto do cavalo está comprido demais, e a roupa parece volumosa. Encontre uma forma de ajustar a cintura. O bordado no casaco também não está bom... parece antiquado.

A bordadeira ouviu as críticas em silêncio. O tecido fora escolhido pela própria marquesa, e o bordado fora decidido em conjunto entre ela e Hong Wanqing. Ela seguira cada etapa conforme as exigências da Madame Hong, e mesmo assim, agora levava a culpa pelo resultado final. A bordadeira sentia-se extremamente frustrada. Alguns dias antes, alguém da Mansão Lu usara um casaco e saia semelhantes — e naquela jovem, o conjunto caíra como uma luva, realçando sua altura e elegância.

Mas, claro, a bordadeira não ousava dizer isso. Apenas se curvou e permaneceu atrás da marquesa, sorrindo educadamente. Recebeu uma nova ordem e, ao retornar para casa, passou a noite trabalhando nos ajustes, garantindo que entregaria o casaco e a saia antes mesmo da hora de dormir.

Hong Wanqing trocou novamente de roupa, e ao sair, viu sua mãe sentada na cama Arhat, encarando o vazio. Aproximou-se dela com naturalidade e perguntou:

— Mãe, em que está pensando?

A marquesa sorriu para a filha, mas respondeu distraída:

— Já é dia vinte e cinco. O Marquês de Zhenyuan já cumpriu seu período de luto, mas até agora não sei quando virá pedir sua mão.

Ao ouvir isso, Hong Wanqing corou na hora, envergonhada:

— Mãe, tudo bem... por que está tocando nesse assunto?

A marquesa olhou para a filha e pensou que conhecia muito bem o coração da jovem. Suspirou levemente e disse:

— Minha filha cresceu. Já não posso mais mantê-la em casa. O Marquês de Zhenyuan definitivamente não é um peixe qualquer num lago pequeno. Ainda é jovem e está de olho em nossa família. Daqui a dez anos, talvez já nem consigamos alcançá-lo. Depois que se casar, você precisa cativar o Marquês de Zhenyuan. O ideal seria dar à luz “um filho e meia filha”. Talvez, no futuro, seu pai e seu irmão acabem dependendo da sua ajuda.

A expressão “um filho e meia filha” era usada para indicar filhos, com ênfase no menino como descendente legítimo, e a filha como uma espécie de “meia” moeda social — por meio do casamento.

As palavras da marquesa tinham um tom meio brincalhão, meio sério. Desde que o Marquês de Yongping voltara a Pequim, sua posição tornara-se incômoda. Não possuía méritos militares relevantes no sudoeste e não tinha autoridade diante do imperador. Não servia para cargos importantes, e sequer conseguia olhar para cargos de segundo escalão.

A marquesa até pensou em pedir ajuda ao irmão, o Marquês de Wuding, mas este estava há muitos anos em Pequim, longe dos campos de batalha. Muitos no exército já nem o conheciam. Durante todos esses anos, o Marquês de Wuding havia vivido às custas dos méritos antigos conquistados ao apoiar o imperador — comendo bem, bebendo melhor. Embora ainda tivesse certa imponência, estava cada vez mais distante do poder real nas tropas. Mesmo que surgisse uma boa vaga, ele empurraria o próprio filho antes de considerar apoiar a família Hong.

Depois que irmãos e irmãs se casam, tornam-se famílias separadas — e nunca mais compartilham o mesmo coração. A marquesa de Yongping bem sabia disso. Com o Marquês de Wuding cada vez mais entregue aos prazeres e ao poder, havia muitas coisas que nem mesmo o Marquês de Yongping ousava dizer. Sem poder contar com o irmão, com um filho mais velho sem grandes promessas, e sem confiar nos filhos das concubinas, a marquesa só podia depositar suas esperanças no futuro genro.

Diferente dos marqueses de Wuding e Yongping — nobres fundadores —, o título do Marquês de Zhenyuan fora concedido por uma geração anterior. A linhagem da família Fu mostrava claramente que possuíam crédito legítimo e poder real. Fu Yue, o velho marquês de Zhenyuan, lutou em Datong e conseguiu repelir os mongóis, prestando grandes contribuições.

Datong era uma das nove grandes cidades fronteiriças, mas sua importância estratégica superava as demais — era o principal portal de defesa da dinastia Ming. No passado, apenas os oficiais mais confiáveis podiam liderar tropas em Datong. O fato de Fu Yue ter sido encarregado disso mostrava o prestígio da família Fu diante do imperador.

Havia muitos duques, marqueses e condes na capital, e todos transmitiam seus títulos de geração em geração. Mesmo quando o herdeiro ainda era imaturo, não havia o que fazer senão aceitá-lo. Como, então, Fu Yue poderia pular uma geração na hora de passar o título? O Ministério dos Ritos até aprovava seu pedido para selar o documento, mas quem dava a palavra final era o imperador.

Fu Tingzhou, assim como Lu Heng, parecia ter a sorte de fazer as regras se curvarem diante dele — mas, na verdade, era o imperador quem os escolhia. Com o tempo, Fu Tingzhou certamente alcançaria o auge. A única maneira da marquesa de Yongping amarrar esse dragão oculto seria garantir o casamento enquanto ele ainda era jovem.

Por isso, não era apenas a Mansão do Marquês de Zhenyuan que precisava desse casamento — a Mansão do Marquês de Yongping também estava dando o máximo para torná-lo realidade.

Hong Wanqing sabia que seus pais e tios estavam muito satisfeitos com essa união. Claro que ela mesma estava disposta a se casar com Fu Tingzhou, mas esse tipo de coisa não dependia apenas da vontade dela — a atitude de Fu Tingzhou era o ponto chave. Uma figura passou rapidamente diante dos olhos de Hong Wanqing, e seu coração pesou. Ela baixou o olhar e disse:

— Uma mulher não deve tomar a iniciativa em assuntos matrimoniais. O Marquês de Zhenyuan deve ter seus próprios planos.

A marquesa, sem saber do que se passava no coração da filha, suspirou:

— Deve ser porque tem estado ocupado ultimamente. O Marquês de Zhenyuan não tem tido tempo. Este ano foi conturbado: o Primeiro-Ministro Yang renunciou logo no início do ano, e menos de um mês depois, a Imperatriz Zhang sofreu outro incidente. Ouvi seu pai dizer que os irmãos Zhang Heling e Zhang Yanling deixaram a capital anteontem e foram assumir cargos em Nanjing. O imperador nomeou Zhang Heling como comandante da Guarda Imperial — parece um cargo de terceiro escalão, mas todos sabem que é apenas um título vazio. O verdadeiro poder da Guarda está nas mãos de Lu Heng. À primeira vista, a família Zhang parece ter sido promovida, mas na verdade foram rebaixados e expulsos de Pequim. No futuro, temo que só reste a Imperatriz Zhang sozinha na capital.

Hong Wanqing não entendia muito das mudanças no governo, mas o escândalo recente sobre a queda da nobreza havia sido grande demais — impossível de ignorar. Ela perguntou:

— Mãe, a família Zhang carrega dois títulos. Eles realmente serão destituídos assim?

— O que mais você esperava? — respondeu a marquesa, com pesar. — Na Festa das Lanternas, a família Zhang ainda ostentava sua glória... mas num piscar de olhos, tudo ruiu.

Ao dizer isso, a Senhora Marquesa também se enraiveceu:

— E com razão. Tanta riqueza e poder, e mesmo assim um deles teve a audácia de estuprar uma criada do palácio. As mulheres do palácio podem ser tocadas por homens de fora? E ainda estamos falando da Imperatriz Zhang. O imperador só não mandou matar todos por lembrar-se dos méritos passados. Quando a Imperatriz Zhang morrer, não sabemos como ele desenterrará essas dívidas antigas.

Hong Wanqing ficou surpresa:

— Eles já foram destituídos e rebaixados... e ainda assim o assunto não terminou?

A marquesa apenas soltou um sorriso frio. Como se tratava do imperador, ela não ousou comentar diretamente, mas seu tom deixava claro o que pensava. Quando o imperador e a Imperatriz Jiang chegaram à capital, a Imperatriz Zhang — com o peso de dois reinados — tratava Imperatriz Jiang com visível desprezo. Com o temperamento cauteloso e rancoroso do imperador... será mesmo que ele perdoaria a família Zhang?

Devem estar sonhando. Talvez nem a própria Imperatriz Zhang acreditasse, e por isso nem ousava adoecer. A marquesa até ouvira dizer que, recentemente, pessoas haviam sumido.

A Marquesa de Yongping soltou um longo suspiro. Durante o período Hongzhi, a Imperatriz Zhang era a única favorita no harém. Nenhum homem comum no mundo teria apenas uma parceira para a vida toda, mas o Imperador Hongzhi não aceitava concubinas e protegeu a Imperatriz Zhang por toda a vida. Ela nem sabia quantas mulheres invejavam a vida boa da Imperatriz Zhang naquela época. Depois, quando o filho da Imperatriz Zhang subiu ao trono, todos acharam que a vida dela jamais teria altos e baixos novamente. Olhando para a trajetória da Imperatriz Zhang, parecia apenas sorte e bênção, nascida sob uma boa estrela. Quem poderia imaginar que o mundo faria uma grande piada de todos?

A primeira metade da vida da Imperatriz Zhang foi próspera, mas o que veio depois foi extremamente desolador. Pode-se dizer que a vida de Zhang Yanling foi salva porque a Imperatriz Zhang se ajoelhou do lado de fora do Palácio Qianqing naquele dia, chorando e implorando pela misericórdia do imperador. A Marquesa de Yongping se angustia só de pensar naquela cena. De qualquer forma, ela jamais aceitaria aquilo. Ela tinha trazido uma criança de um ramo lateral para herdar os negócios da família, mas, muitos anos depois, tinha que se ajoelhar publicamente e implorar ao outro lado.

Se um dia assim existisse, seria melhor morrer cedo.

Hong Wanqing não sentia isso tão profundamente quanto a mãe. Quando ouvia falar dos acontecimentos no palácio, apenas escutava a história, sem imaginar que algo assim pudesse acontecer com ela. Jovens garotas e mulheres sempre têm o coração nas alturas, achando que são diferentes. Gente comum é medíocre e sofre, mas elas, de jeito nenhum, eram comuns. Por outro lado, Hong Wanqing se preocupava mais com os rumores sobre o assombro que começavam a circular.

Ela abaixou a voz e perguntou discretamente:

— Mãe, ouvi dizer que as criadas do Palácio Ciqing ouviram o choro de um fantasma feminino por várias noites. Isso é verdade?

A Marquesa de Yongping nem se deu ao trabalho de responder. Também perguntou baixinho ao marido sobre o assunto, e ele pediu que não se metesse nos assuntos da corte, mas a marquesa sentia que aquilo tinha alguma ligação.

Se não tivesse, como poderia ser tão coincidente? Circulavam boatos sobre um fantasma no palácio, Lu Heng foi investigar, e em pouco tempo começou a reabrir um caso antigo de He Ding, de trinta anos atrás, que revelou que Zhang Yanling havia estuprado uma criada do palácio. Quando a família Zhang foi enviada embora, a Imperatriz Zhang parou de causar alvoroço sobre o assombro, e os choros no Palácio Leste desapareceram. Se alguém dissesse que não tinha ligação, a Marquesa de Yongping não acreditaria de jeito nenhum.

Ela olhou para os olhos assustados e curiosos da filha, sem se prolongar, e disse, de forma direta:

— Não se meta nessas coisas estranhas. O mais importante para a família de uma filha é a virtude e a bondade, ajudar o marido e educar os filhos. Você não deve se envolver nessas questões.

Hong Wanqing corou de vergonha ao ouvir isso e respondeu rápido, envergonhada. A Marquesa de Yongping lembrou que a filha estava prestes a se casar e, que no futuro, seria nora de outra família. Não pôde evitar diminuir o ritmo e dizer:

— Sua mãe não está te culpando, mas tenho medo de que você sofra na casa do seu marido no futuro. Você pode falar o que quiser diante de mim, mas, lá na frente, não pode ser tão direta na frente do Marquês de Zhenyuan. O homem governa a parte de fora, e a mulher a casa. Assuntos da corte não são para as mulheres se preocuparem. O que você precisa fazer é ser obediente com sua sogra e cuidar das concubinas. Seria melhor se você pudesse ter um filho o quanto antes.

Hong Wanqing corou ao ouvir aquilo — ter um filho! — e respondeu com delicadeza, quase sussurrando. A Marquesa aproveitou a deixa para ensinar o segredo de como lidar com as concubinas. Hong Wanqing ouvira isso desde pequena, não se surpreendeu, mas sua mente foi vagando até outro nome.

Lu Heng. Em tão pouco tempo, sua mãe já mencionara esse nome várias vezes.

Algo ficou no coração de Hong Wanqing, e quando a Marquesa disse que estava cansada, ela comentou casualmente:

— Mãe, Lu Heng não tem esposa?

A Marquesa tomou um gole de chá e respondeu indiferente:

— Hm. Ele também é estranho. Para o Marquês de Zhenyuan se casar aos vinte e um anos já era tarde. Ele tem dois anos a mais, e nunca se casou.

Hong Wanqing quis entender melhor e perguntou:

— Por quê?

A Marquesa ergueu as sobrancelhas, com uma expressão sutil. Circulavam muitas especulações na capital: homossexualidade, problemas de saúde, excentricidades na cama, e outras. Mas como dizer isso na frente da filha? A Marquesa não entrou em detalhes e resumiu:

— Vai saber, talvez ele tenha outros planos.

Hong Wanqing suspirou, baixou os olhos e ficou perdida em pensamentos. A Marquesa não percebeu o estranho comportamento da filha e disse, com emoção:

— Tirando o fato de não ter esposa nem filhos, ele é um gênio. No dia em que fomos visitar a Imperatriz Jiang, o vimos entrando no palácio. Só então recebeu oficialmente a ordem para investigar. Em dois ou três dias, os rumores do assombro cessaram, e ninguém mais viu o fantasma no palácio. Ele é muito bom em entender intenções. O imperador só falou em expulsar a nobreza no primeiro mês, e no começo do segundo, entregou o velho caso da família Zhang. Acho que até as lombrigas no estômago do imperador não entenderam o que ele queria. Lu Heng foi promovido no início do ano, e, quando acumular méritos, deve ser promovido de novo.

O currículo de Lu Heng já deixava todos na capital boquiabertos, e sua trajetória era tão brilhante que ninguém sentia inveja. Quando a Marquesa de Yongping pensava em Lu Heng, e depois no próprio filho, seu coração se partia. Ela suspirou um pouco, voltou ao prumo e de repente percebeu que Hong Wanqing mordia o lábio, com o rosto distante, como se tivesse algo na cabeça.

As atitudes estranhas da filha finalmente chamaram a atenção da Marquesa. Seu rosto se fechou ao perguntar:

— Wanqing, o que houve com você? Desde que voltou do Festival de Ano Novo, você anda distraída. O que aconteceu?

Hong Wanqing hesitou muito, mas finalmente tentou contar para a mãe:

— Mãe, na verdade, eu vi Wang Yanqing no dia da Festa das Lanternas.

Ao ouvir esse nome, a Marquesa ergueu as finas sobrancelhas imediatamente:

— O quê?

— Foi quando o Marquês de Zhenyuan foi embora. Você me perguntou o que eu estava olhando, e eu disse que não era nada. Mas, na verdade, vi Wang Yanqing passar com um homem. Depois, quando encontrei Lu Heng no palácio, soube que o homem daquele dia era ele.

A Marquesa não esperava por essas palavras e não pôde evitar ficar séria:

— Você está falando sério?

— Completamente! — Hong Wanqing não conseguiu esconder a empolgação. Guardara isso por muito tempo e, finalmente, falou. Respirou fundo e olhou para a mãe, nervosa: — Mãe, por que ela está ao lado de Lu Heng?

A Marquesa bufou e respondeu friamente:

— Por quê? Ela está só subindo no dragão para alcançar a fênix. Eu já falei por que ela quis sair da Mansão do Marquês de Zhenyuan. Acontece que ela estava subindo para um galho mais alto.

Hong Wanqing perguntou nervosa:

— E o que devemos fazer agora?

A Marquesa pensou por um tempo e, por fim, falou solenemente:

— Isso não é assunto pequeno. Você deveria esquecer isso e nem se importar. Não precisa se preocupar, talvez seja uma coisa boa.

— Uma coisa boa? — Hong Wanqing ficou ainda mais confusa. — Você não sabe quantos segredos da Mansão do Marquês de Zhenyuan ela domina. Agora que ela está do lado de Lu Heng, isso é quase uma ameaça. Como poderia ser algo bom?

— Menina boba — a Marquesa olhou para a filha com olhos claros e suspirou. — Não é bom para a família Fu, mas para você não poderia ser melhor. Ela e o Marquês de Zhenyuan cresceram juntos, e essa amizade de dez anos não é brincadeira. Ouvi dizer que o Mestre Fu sempre a favoreceu como nora, e aposto que o Marquês a considera como filha. Se ela desaparecer ou morrer, será um obstáculo para o Marquês de Zhenyuan para o resto da vida. Ele vai sentir falta dela sempre, e tudo que você fizer estará errado. Mas, se ela se casar de novo, vai cair das nuvens para o barro, o que é pior que perder flores e salgueiros. É melhor assim — assim ela não será mais a lua no coração do Marquês de Zhenyuan.

Os olhos de Hong Wanqing congelaram, como se tivesse entendido — mas não entendeu.

A Marquesa finalizou:

— Não se preocupe, ela não é algo para temer. Você está pensando no homem. Se isso funcionar, não será difícil fazer o Marquês de Zhenyuan odiá-la, e ela não poderá competir com você no futuro.

Hong Wanqing ficou nervosa e perguntou:

— Mãe, o que você vai fazer?

A Marquesa balançou a cabeça:

— Você não precisa se preocupar com isso. Vou deixar seu irmão cuidar dessas coisas. Você só precisa ser a noiva tranquila.

Faziam dois meses, e Fu Tingzhou ainda não havia encontrado Wang Yanqing. Embora estivesse ansioso, continuava desconfiado. Ele praticamente verificou todas as residências da capital. Se Wang Yanqing alugasse uma casa, comprasse uma, ou usasse um nome falso, ele teria descoberto com uma força dessas. Como ainda não tinha encontrado ela?

Fu Tingzhou estava intrigado. Nos últimos dois meses, não teve intenção de tratar de negócios e saía logo após as sessões da corte. Hoje, também saiu cedo da Divisão Militar e de Cavalaria de Nancheng, mas logo após deixar a cidade imperial, encontrou o príncipe da Casa do Marquês de Yongping.

Esses dias, Fu Tingzhou estava ocupado procurando Wang Yanqing e não teve tempo para ir à família Hong pedir em casamento, mas a Mansão do Marquês de Yongping já o considerava futuro genro. O príncipe da Casa do Marquês de Yongping chegou conversando animadamente e convidou Fu Tingzhou para beber alguns copos num restaurante. Fu Tingzhou não tinha interesse, mas teve que ir para dar uma satisfação à família Hong.

O príncipe do Marquês de Yongping pediu a melhor cabine, e a mesa foi servida com bons vinhos e comida requintada. Como os dois eram pessoas de status, ninguém ligava para o preço da refeição. Depois de alguns copos de vinho, a atmosfera ficou animada, e o assunto começou a fluir.

O príncipe do Marquês de Yongping serviu vinho para Fu Tingzhou e disse animado:

— Faz tempo que não bebemos juntos, então hoje não posso ficar bêbado. Com o que o Marquês de Zhenyuan tem estado ocupado? Por que não vejo você em lugar algum?

Funcionários civis e militares circulavam em dois grupos distintos. Esses nobres já nasciam com título e não precisavam provar seu valor nem se destacar, bastava manter a fortuna da família. Juntando as conexões dos pais, esses príncipes e jovens mestres formavam um círculo próprio. Quase todos se conheciam e, quando saíam para se divertir, iam em grupos grandes. Isso virou uma regra não dita: se quisesse entrar na vida militar, precisava primeiro se integrar nesse círculo, ou não conseguiria comer em lugar nenhum.

Alguns nasceram na carreira militar da capital e não participavam dessas reuniões, como Lu Heng e Fu Tingzhou. Lu Heng chegou à capital aos onze anos e, no ano seguinte, entrou para a Guarda Imperial com título. Depois, saiu em missões do sul ao norte e não tinha tempo para banquetes. Claro que, mesmo quando estava na cidade, ninguém ousava convidá-lo. O que Lu Heng faria? Se o chamassem para alguma festa, só encontraria defeitos.

Mas Fu Tingzhou era diferente. Cresceu na capital e estava acostumado a se relacionar bem com o círculo. Recentemente, ele ficou frio de repente, o que não era comum.

Fu Tingzhou estava ocupado procurando Wang Yanqing, mas isso não significava que ignorava os banquetes. Ele não queria explicar que, mesmo sendo filho da nobreza, havia duas classes: os que faziam negócios e os que não. Ele já tinha assumido o título da família e seria o chefe dela no futuro. Não era igual a esse grupo de nobres ociosos. Pacientemente, Fu Tingzhou acompanhou o príncipe do Marquês de Yongping para uma bebida e disse com calma:

— Ultimamente, tem havido algumas coisas em casa que não posso deixar.

O príncipe do Marquês de Yongping suspirou, sem dizer se acreditava ou não, e não insistiu. De repente, ele se aproximou e falou misteriosamente:

— Você não tem aparecido há um tempo e perdeu muita coisa divertida. Sabia que, entre os íntimos, já rolam rumores de que Lu Heng mudou de gênero e até está construindo uma “casa dourada” para sua amada?

|| Jinwucangjiao (金屋藏娇) é um idiom chinês que significa literalmente “casa dourada para esconder a amada”. Vem de uma história onde um príncipe se comprometia a casar com uma garota escolhida desde jovem. Quando cresceu, ele construiu uma casa dourada para ela e a casou. Aqui, “brincar” com essa expressão significa que Lu Heng está envolvido num compromisso de casamento, uma promessa sem casamento formal ainda.

Fu Tingzhou não tinha interesse nessas fofocas, mas como era sobre Lu Heng, perguntou mais:

— Você está falando do Lu Heng?

— Isso mesmo — sorriu o príncipe do Marquês de Yongping — Difícil de acreditar. No começo pensei que fosse piada, mas é verdade.

Fu Tingzhou achava normal, para a idade de Lu Heng, que ele tivesse uma mulher ao lado. Antes, Lu Heng não se casava nem tinha concubinas, e sempre acharam que ele tinha problemas de saúde. No entanto, Fu Tingzhou se perguntava:

— Por quê? Se ele gosta de alguém, pode simplesmente casar e voltar para casa. Mesmo que não possa fazer uma cerimônia por causa do período de luto, há jeitos de contornar. Por que teria que construir uma casa dourada para sua amada?

O príncipe do Marquês de Yongping deu de ombros:

— Vai saber? Talvez não seja conveniente revelar a identidade da outra pessoa. Algum tempo atrás, antes da investigação na família Zhang, ele trouxe essa mulher para o palácio.

Quanto mais Fu Tingzhou ouvia, mais estranho achava. Poder levar alguém ao palácio mostrava que a pessoa não era de status duvidoso ou baixo, como uma prostituta, então por que Lu Heng escondia isso? Fu Tingzhou teve um pressentimento e perguntou:

— Sério? Com a personalidade desconfiada do Lu Heng, que aparência divina essa pessoa teria para ele permitir entrar em sua casa? Como era essa mulher?

O príncipe do Marquês parecia estar bebendo demais e falou enrolado:

— Nunca a vi, mas ouvi do pessoal do palácio que ela é uma beleza fria, alta e esguia, deve ter mais ou menos essa altura, e a pele muito branca. O que é especialmente raro é que tem uma aparência de gelo e jade, mas a fala é gentil e suave.

Fu Tingzhou apertou os olhos secretamente. Estaria pensando demais? Por que sentia que essa descrição era muito parecida com Qing Qing?

O príncipe do Marquês de Yongping falou alegremente, meio bêbado, e logo adormeceu na mesa. Fu Tingzhou olhou para ele em silêncio, com expressão confusa, e chamou alguém para dar uma conferida.

Ele não achava que o príncipe do Marquês de Yongping aguentasse só aquela quantidade de bebida, muito menos que ele estivesse rondando metade da cidade para interceptá-lo na porta da Divisão Militar e de Cavalaria só para falar sobre a vida privada de Lu Heng. Mas agora não era hora de se preocupar com isso, Fu Tingzhou precisava verificar outra coisa.

Tudo pode ser calculado com a mente, e quando há dúvida, o que vier depois não aguenta um exame mais rigoroso — até Lu Heng era exceção. De fato, em poucos dias, Fu Tingzhou encontrou pistas.

Ele só havia procurado em casas particulares antes, por que não pensou nisso antes? Por mais cuidadosa que Wang Yanqing fosse, ela era apenas uma mulher comum. Que casa poderia esconder dela, Fu Tingzhou?

A não ser que fosse a mansão de outro homem poderoso.

Enquanto Fu Tingzhou olhava os vários relatórios no papel, um estalo soou e ele esmagou a xícara de chá em pedaços.

Ele não estava enganado: a carruagem que encontrou no portão da cidade no último inverno, e as costas da mulher que viu na Mansão Lu na véspera do Ano Novo, eram realmente dela. Quando confrontou Lu Heng, este teve a audácia de colocar seus interesses na mesa. Embora fosse frio, era estranhamente sincero, e Fu Tingzhou realmente acreditou.

Ele foi simplesmente, desesperadamente, estúpido. Ele realmente acreditou em Lu Heng!

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|| Nota do autor: Lu Heng: Eu só falei de qualquer jeito, mas você acreditou mesmo.


Capítulo 50 Cara a Cara

No segundo dia do terceiro mês, o céu estava completamente nublado. À noite, chovia lá fora, na janela. A chuva não era forte, pingava nos beirais como uma música suave de seda.

Por causa da chuva, o céu escureceu mais cedo, a luz ficou tênue e enevoada. Lu Heng soltou o manto, e uma série de gotas caíram das pontas das roupas, batendo no chão como contas caindo.

Wang Yanqing ficou ao lado, trazendo uma toalha nas mãos, e perguntou:

— Segundo Irmão, eu mandei alguém te trazer um guarda-chuva, ele não chegou?

Assim que começou a chover, Wang Yanqing enviou alguém para entregar capa de chuva no Sul de Fusi, com medo de que Lu Heng se molhasse no caminho de volta. Mas, inesperadamente, Lu Heng voltou encharcado da cabeça aos pés.

Claro que ele recebeu a capa. Na verdade, foi só quando viu o guarda-chuva que pensou em voltar cedo para a mansão.

A maior parte das missões da Guarda Imperial era secreta e perigosa, e não era incomum se molhar na chuva. Além disso, as nuvens caindo lá fora nem eram consideradas chuva segundo os padrões de Lu Heng.

Mas alguém ainda assim lhe trouxe um guarda-chuva. No Sul de Fusi, naturalmente reconheceram o criado do comandante e entregaram a ele sem demora. Naquele momento, Lu Heng voltava da prisão, ainda com cheiro de sangue no nariz. Estava explicando para seus subordinados como aplicar tortura, quando um oficial militar chegou e disse que a Mansão Lu tinha enviado um guarda-chuva, perguntando onde ele queria colocá-lo.

Lu Heng ficou atônito por um instante, depois apontou casualmente para um canto. Foi só um breve intervalo, mas depois, enquanto ele continuava falando sobre tortura, os outros guardas imperiais não deram muita atenção. Porém, ao saírem, todos lançaram um olhar para o canto da sala.

Lá estava um guarda-chuva azul celeste, com a borda cuidadosamente fechada, apoiado arrumadinho no canto da parede, inesperadamente com um toque de graça feminina. Os guardas acharam estranho que o comandante fosse tão delicado. Corria o boato de que havia uma nova dona na Mansão Lu. Eles achavam que era coisa de boato, mas agora parecia verdade.

Com os pequenos detalhes, dava para perceber pelo guarda-chuva que essa dona devia ter um temperamento gentil e elegante. Eles não sabiam que o comandante gostava desse tipo de mulher.

Era mesmo uma coisa trivial, então os subordinados saíram um a um, e o salão ficou quieto de novo. Mas dessa vez, os arquivos intermináveis na mesa perderam o interesse de Lu Heng, que inexplicavelmente quis voltar para casa.

Ele era chefe da Divisão Sul de Fusi, e ninguém ousava questionar se quisesse sair, ainda mais que já era quase hora de encerrar o expediente. Era razoável sair naquela hora. Só que, antes, Lu Heng ficava sempre no Sul de Fusi até anoitecer. Todo mundo estava acostumado a vê-lo na prisão dia e noite. De repente, sair do trabalho normalmente parecia especialmente notório.

Lu Heng saiu por causa do guarda-chuva enviado por Wang Yanqing, mas não usou o guarda-chuva ao voltar. Não dá para montar a cavalo com guarda-chuva. A capa da Guarda Imperial era feita especialmente e envernizada com óleo de tungue, para impedir chuva e neve de entrar. Lu Heng não queria ter o rosto lavado pela chuva, mas também não queria atrasar sua chegada em casa.

Ele queria vê-la mais cedo.

Lu Heng não disse isso para Wang Yanqing, e respondeu calmamente:

— Chegou. Mas a chuva não estava forte, não valia a pena se incomodar.

Wang Yanqing ficou na ponta dos pés e cuidadosamente passou a toalha no pescoço dele:

— Não choveu muito tempo. Mesmo que não quisesse segurar o guarda-chuva, podia esperar um pouco, por que teve que voltar todo molhado?

A reclamação saiu da boca dela, mas os movimentos das mãos eram gentis e suaves. Lu Heng sentiu um toque leve no pescoço e pensou consigo mesmo: não é à toa que as festas de casamento podem competir com os primeiros lugares nos exames imperiais. Com uma pessoa dessas esperando por ele em casa, como poderia esperar a chuva passar?

Lu Heng não podia dizer que era por ela, então falou vagamente:

— Algumas coisas só podem ser feitas amanhã, e esperar não adiantaria, então voltei primeiro.

Wang Yanqing suspirou, mas não duvidou. A toalha na mão dela deslizou pelas gotas e aos poucos tocou a maçã de Adão de Lu Heng. Ele vestia hoje o uniforme oficial de azurita. A roupa estava manchada pela chuva, a cor escurecendo cada vez mais, o que deixava seu pescoço esguio e claro, enquanto a gola brilhava intensamente. A protuberância fina e afiada se mexeu levemente. No fim, ele não escondeu, deixando o fôlego de Wang Yanqing se espalhar à sua frente, limpando a água do pescoço.

Ele cooperou muito, e a toalha rapidamente absorveu a leve umidade. Wang Yanqing entregou a toalha usada para a criada atrás, pegou um pano de algodão novo e limpou a água dos dedos dele. Lu Heng voltara correndo na chuva, então os dedos estavam frios e a pele parecia especialmente pálida. Wang Yanqing envolveu as mãos dele com o pano seco, usando as duas mãos. Os ossinhos delicados dela apoiaram-se silenciosamente no tecido branco, parecendo incrivelmente bonitos.

Ela balançou a cabeça levemente enquanto limpava os dedos, entregou o lenço para a criada, e as roupas molhadas e o pano foram limpos naturalmente pela criada. Lu Heng segurou a mão dela e a conduziu para dentro.

Sentaram-se. Lu Heng sentiu cuidadosamente a temperatura da mão dela e disse satisfeito:

— Está mais quente que a minha mão. Você tem tomado os remédios direitinho?

Wang Yanqing fez bico discretamente e respondeu:

— Sim. Segundo Irmão, por que você sempre pergunta essas coisas?

Era começo do mês, época da menstruação de Wang Yanqing. Lu Heng dava remédios desde o décimo segundo mês do ano passado e a obrigava a tomar antes e depois do ciclo. Mesmo que a criada lembrasse, ele sempre perguntava. Wang Yanqing não acreditava que Lu Heng soubesse o que ela fazia dentro da mansão o tempo todo.

Ao ouvir o tom de Wang Yanqing, Lu Heng olhou para baixo, sorrindo:

— Não está feliz? Só estou sendo cuidadoso, faço isso para o seu bem.

Wang Yanqing entendia, mas era difícil falar sobre isso. Ela realmente não sabia como Lu Heng conseguia perguntar com tanta naturalidade. Não quis continuar o assunto, mas Lu Heng prosseguiu como se não percebesse:

— Esses dias tem tido ondas de frio. Não siga o exemplo das criadas, troque a camisa cedo e depois espere uns dias para trocar de novo.

Ling Luan estava ao lado servindo-os, e sua expressão ficou constrangida ao ouvir isso. Ela olhou para as gotas na janela num piscar de olhos, sentindo que ainda poderia pedir clemência. Se fosse descoberta pelo comandante amanhã, teria problemas.

Ling Luan considerou o tom e disse cuidadosamente:

— Esta serva descuidou-se do dever. Alguns dias atrás, dei à Senhorita sua roupa para o Festival Shangsi. Acho que ela deve ser um pouco fina demais. Vou mandar trocar imediatamente e com certeza não vou atrasar a saída amanhã.

Lu Heng ouviu e não demonstrou surpresa, achando que parecia o correto a fazer. Wang Yanqing, porém, não teve coragem de ordenar. Já era aquela hora, e trocar a roupa de repente? A costureira da mansão não conseguiria dormir a noite toda? Ela não suportou e disse:

— Não precisa se incomodar, não quero sair mesmo. Se eu não for ao passeio amanhã, está ótimo.

Lu Heng lembrou devagar que amanhã era o terceiro dia do terceiro mês, um festival raro para mulheres. Diziam que pegar água no rio protegia e dava saúde no ano que viria, afastando os maus espíritos. Claro que Lu Heng não acreditava que molhar água no rio garantia saúde por um ano, mas era um evento grandioso para todas as mulheres da cidade.

Ele disse:

— As roupas estão prontas, por que não ir? Se estiverem finas, manda engrossar. Se tem medo de molhar os sapatos, amanhã vamos a um lugar seco e ensolarado perto do rio. Se alguém perguntar, é só dizer meu título. Todas as mulheres da cidade vão passear à beira do rio. Por que você não quer ir?

Com a posição atual de Lu Heng, dinheiro era só número para ele, não precisava se preocupar. Wang Yanqing tinha o melhor em tudo, como poderia ser prejudicada nessa festa?

Wang Yanqing ainda achava um transtorno demais:

— Segundo Irmão, se você não for, eu não quero fazer bagunça sozinha. Além disso, ainda não estou muito bem da cabeça. Mesmo que eu vá, não conheço ninguém, não vai ser interessante, é melhor ficar em casa descansando.

Ao dizer isso, ela abaixou os cílios e os lábios se curvaram levemente. Ela dizia que não se importava, mas o tom não era sem tristeza. Lu Heng parou e sentiu um leve desconforto naquele instante.

Desde que Wang Yanqing chegou, ou melhor dizendo, desde que foi pega por Lu Heng, ela nunca faltou com comida, roupa, moradia ou transporte. Embora Lu Heng tenha mentido para Wang Yanqing, fora isso, tudo era exatamente como ele trataria sua irmã de verdade. As joias eram sempre os estilos mais da moda na capital. As roupas eram trocadas a cada estação, nunca repetidas. As despesas com comida e bebida eram equivalentes às de Lu Heng. Se a família Lu realmente tivesse uma jovem senhora, o tratamento dela não seria melhor do que o de Wang Yanqing.

Lu Heng ousava garantir que as despesas dela com comida e roupa na Mansão Lu não fossem inferiores às da Mansão do Marquês de Zhenyuan. Havia duas antigas madames no topo da Mansão do Marquês de Zhenyuan, e um bando de concubinas abaixo. Wang Yanqing, como filha adotiva nominal, talvez não tivesse uma vida mais confortável na família Fu do que na família Lu. Contudo, havia uma coisa que Lu Heng não podia oferecer a Wang Yanqing.

— Ela não tinha vida social.

Ela não podia sair para banquetes como as mulheres de outras famílias e fazer amizades com damas elegantes. Nem mesmo podia revelar sua própria identidade.

O que ela diria? Que era filha adotiva da Mansão Lu? Embora a família Lu fosse discreta e cautelosa desde que chegara à capital, o mundo exterior ainda sabia quantas pessoas havia na família. No passado, Wang Yanqing seguia Lu Heng em todas as suas ações. Com Lu Heng ali, ninguém ousava fazer mais perguntas. Além disso, todas as pessoas que ela conhecia eram criminosos, guardas imperiais comuns, criadas de baixo escalão e alguns que nunca tiveram chance de se envolver no círculo social da alta classe, então Wang Yanqing não sentia que havia algo errado. Porém, ao ver aquelas madames e nobres senhoras, as mentiras que Lu Heng mantinha com tanto esforço seriam expostas.

A família Lu não tinha uma filha adotiva.

Essa constatação deixava Lu Heng muito infeliz. Quando ela veio até ele, será que se tornou uma existência de baixo nível? Por que não podia se apresentar com confiança diante dos outros? Quem sentia vergonha, ele ou Wang Yanqing? Lu Heng ficou irritado sem motivo no coração e disse:

— Não importa se você não conhece elas, basta que elas conheçam você. Eu tenho dias de folga, e não usei este mês. Vou ajustar para amanhã e sair com você.

Assim que essas palavras saíram, todos na sala ficaram chocados. Wang Yanqing ficou surpresa, enquanto Ling Luan ficou assustada.

Não era problema ajustar as folgas, mas... o comandante esqueceu que Wang Yanqing foi enganada para entrar na mansão? Amanhã, muitas pessoas vão sair para um passeio. Se Wang Yanqing for a única enganada, terão que evitar multidões e ir para um lugar isolado; se Lu Heng também for, será impossível evitar a atenção onde quer que ele vá.

Por melhor que fosse planejado, o exterior não poderia ser completamente bloqueado da vista. E se encontrassem a família Fu?

Wang Yanqing não percebeu a expressão estranha de Ling Luan. Olhou para Lu Heng e perguntou inesperadamente:

— Isso não vai te atrapalhar?

Além da véspera do Ano Novo, do Festival das Lanternas e outros festivais, os oficiais geralmente tinham um dia de folga a cada dez dias e três dias por mês. Mas Lu Heng raramente usava suas folgas mensais. Estar próximo ao poder podia ser tão perigoso quanto deitar com um tigre. Qualquer erro na frente do imperador seria uma perda enorme. Como Lu Heng ousaria tirar férias? Se não fosse mencionado hoje, ele nem lembraria que tinha folgas todo mês.

Wang Yanqing olhou para ele com expectativa, a água nos olhos formando um brilho lustroso conforme a luz tremeluzia. Ling Luan também olhou para Lu Heng de forma vaga. Embora não dissesse nada, Lu Heng entendeu aquele olhar.

Ling Luan devia estar imaginando o que aconteceria se encontrassem alguém, e se por acaso trombassem com a família Fu? Isso só aumentou o fogo maligno no coração de Lu Heng. Por que ele deveria evitar Fu Tingzhou em todo lugar?

Lu Heng fez rapidamente um balanço de toda sua fortuna, sem preconceitos. Para ser justo, exceto pelo fato de que Fu Tingzhou conhecia Wang Yanqing há dez anos, ele não era pior que Fu Tingzhou em nada. Mas Lu Heng mesmo sabia que não era assim, ele estava mascarando a verdade.

Ele era um irmão falso que nem mesmo contava como substituto. Por mais perfeita que fosse a mentira, mesmo se Wang Yanqing sorrisse docemente ao seu lado, assim que ela encontrasse Fu Tingzhou, a miragem criada durante esse tempo mostraria sua verdadeira face. Ele roubou a identidade e a amizade de outro homem, e a ternura que possuía baseava-se na crença de Wang Yanqing de que ele era seu “Segundo Irmão”.

Ele estava agindo como Fu Tingzhou. Como uma sombra, já era tarde demais para fugir da luz. Como ousaria se exibir na frente do original?

Mas Lu Heng não conseguiu se conter e falou aquelas palavras. No fim, foi dominado pela emoção e tomou uma decisão muito irracional.

Lu Heng encontrou o olhar de Wang Yanqing, com um sorriso nos lábios. Seus olhos estavam claros, e falou com calma e confiança:

— Não vai me atrapalhar.

O Segundo Irmão também iria com ela, Wang Yanqing ficou, sem dúvida, radiante de alegria. Então lembrou do que Lu Heng acabara de dizer, e hesitou:

— Mas, Segundo Irmão, você acabou de dizer que tem coisas para fazer amanhã.

Era o que Lu Heng dissera de forma aleatória antes. Sem piscar, ele falou outra bobagem:

— Já dei ordens para Guo Tao. Eles podem se arranjar amanhã, então não tem problema.

Wang Yanqing ficou aliviada, e sua expressão finalmente se iluminou com entusiasmo. Quando Lu Heng viu isso, sentiu uma emoção indescritível invadir seu coração e, no fim, só pôde suspirar.

Ele costumava desprezar muito Fu Tingzhou. Achava que Fu Tingzhou era quem a prejudicava, fazendo-a desenvolver um temperamento que permitia que a comprometesse. Mas como Lu Heng era melhor? Tudo nele era construído em mentiras.

Mas, pelo menos, Lu Heng deveria cumprir o que dizia. Prometeu acompanhar Wang Yanqing para sair, e no dia seguinte realmente mandou alguém ao Sul de Fusi para pedir folga, levando Wang Yanqing para os arredores da cidade.

Mesmo que fosse impulsivo, ele aproveitaria a oportunidade e organizaria uma saída para si mesmo. Lu Heng sabia que, se aparecesse à beira do rio, definitivamente atrairia a atenção de muita gente. Na hora certa, os intrometidos viriam cumprimentá-lo, e se qualquer informação vazasse, ele teria problemas.

Por isso, Lu Heng planejou levar Wang Yanqing a uma propriedade privada rio acima, presenteada por um eunuco. O eunuco certamente era um especialista em prazeres. Diziam que a propriedade havia sido construída por um mestre renomado do sul do Rio Yangtzé. Trazendo a vida da água corrente para pavilhões e quiosques, e reunindo flores exóticas, cada passo revelava uma nova paisagem, tudo muito bem elaborado. Lu Heng nunca tinha estado lá antes, e justamente hoje levaria Wang Yanqing para esse lugar. Lá, poderiam observar a água com tranquilidade e sem medo de encontrar alguém.

Choveu ontem, mas, felizmente, não foi forte, e o chão estava apenas molhado por uma fina camada. O sol brilhou esta manhã, revelando o orvalho cristalino, o ar estava fresco, e cada respiração era revigorante. Muitos carruagens saíam da cidade hoje, e quanto mais perto do portão da cidade, mais congestionado ficava. No fim, quase não dava para se mover. Lu Heng parou ao lado da carruagem e esperou pacientemente o portão da cidade desobstruir, mas, justamente quando começava a ficar entediado, alguém correu atrás dele, parecendo ansioso:

— Comandante.

Ao ver o rosto do outro, Lu Heng desmontou calmamente e foi até um lugar onde havia poucas pessoas. Quando Wang Yanqing ouviu vagamente alguém chamando seu Segundo Irmão, ela abriu um pouco a cortina e olhou preocupada para o outro lado.

Havia tantas pessoas ao redor que Wang Yanqing não podia levantar a cortina completamente, então apenas ficou sentada observando. Ela viu quem trouxe a notícia se inclinar ao lado de Lu Heng, cobrindo a boca, então não soube o que disseram. A expressão de Lu Heng não mudou, mas Wang Yanqing sentiu intuitivamente que ele estava de mau humor.

Principalmente quando ele parou por um momento antes de caminhar em direção à carruagem, depois de mandar o mensageiro embora. Wang Yanqing ficou cada vez mais certa de que algo urgente devia ter acontecido, e todos esperavam que Lu Heng voltasse para tomar uma decisão. Wang Yanqing era muito sensata e, sem esperar que ele falasse ao se aproximar, tomou a iniciativa e disse:

— Segundo Irmão, está muito cheio, eu não quero sair da cidade. Vamos voltar.

Depois de três meses juntos, como Lu Heng não sabia que isso era contra o desejo dela, que ela só queria agradá-lo? Já tinham vindo até aqui, e voltar agora seria muito decepcionante. Lu Heng olhou à frente e disse para Wang Yanqing:

— Algo aconteceu na cidade imperial, preciso voltar para dar uma olhada. Você vai para a mansão e descansa primeiro, eu vou te encontrar quando terminar.

Wang Yanqing hesitou:

— Eu não tenho muita coisa para fazer, posso sair qualquer dia. Já que Segundo Irmão tem algo para resolver, não precisamos ir hoje.

— Mas hoje é o Festival Shangsi — insistiu Lu Heng — Não é nada demais, como eu poderia te deixar na mão?

Wang Yanqing quis dizer mais, mas Lu Heng levantou a mão e tampou a boca dela:

— Será que Segundo Irmão é tão incompetente para você, que tem que depender da irmã mais nova para fazer concessões?

Wang Yanqing mordeu o lábio e sussurrou:

— Claro que não.

— Então me escuta — Lu Heng tocou um fio de cabelo rebelde na testa dela e disse: — Você vai primeiro, e eu te encontro depois.

Depois que Lu Heng terminou de falar, partiu. Assim que ele se foi, o comboio para fora da cidade acelerou repentinamente. Wang Yanqing ficou na carruagem e, depois de um tempo, deixou o portão da cidade e seguiu em direção à mansão.

Essa mansão não ficava longe da capital, levava menos de meia hora para chegar. Havia um eunuco vigiando a porta, e quando viu a carruagem da Mansão Lu, correu para recepcioná-los imediatamente.

O lugar era originalmente propriedade privada dos eunucos. Depois que o “período de luto” foi concedido a Lu Heng, muitos eunucos ficaram para cuidar do jardim. Quando Lu Heng estava fora, Wang Yanqing não tinha vontade de ir ao jardim. O eunuco que os guiava viu seu rosto pálido e disse lisonjeando:

— A senhorita deve estar cansada de tanto tempo sentada na carruagem. Meu padrinho construiu um pavilhão sobre a água, a paisagem é excelente, se a senhorita quiser, pode ir descansar lá.

Wang Yanqing não se opôs e pediu que o eunuco mostrasse o caminho. Essa mansão realmente merecia ter sido feita por um mestre renomado, a cada passo, percorrê-la era como caminhar pelo sul do Rio Yangtzé. Wang Yanqing estava um pouco cansada ao entrar no pavilhão sobre a água. Ela deixou Ling Xi e Ling Luan do lado de fora enquanto ia para os fundos trocar de roupa.

Ling Xi e Ling Luan estavam acostumadas. Wang Yanqing não gostava de ser servida pelas pessoas da Mansão Lu, então elas não se opuseram e ficaram obedientemente na porta. Wang Yanqing entrou na sala interna e acabara de se virar atrás do biombo quando de repente sentiu que algo estava errado. Ela não teve tempo de reagir, confiando na intuição, cravou uma adaga atrás de si.

Desde que perdeu a memória, Wang Yanqing sempre carregava uma adaga consigo quando saía. A adaga não era longa, a lâmina tinha apenas três polegadas, e podia ser escondida naturalmente na manga. Wang Yanqing sentia que isso era um dos seus hábitos, e nem Lu Heng disse nada quando viu.

O visitante não esperava que ela sacasse a faca de repente, mas os anos de convivência permitiram que ele evitasse o pior dano e segurasse firme o pulso de Wang Yanqing. Seu braço estava riscado com sangue, e o vermelho vivo penetrava lentamente nas roupas, escorrendo.

Tudo aconteceu num instante. Wang Yanqing se defendeu instintivamente, e foi só nesse momento que conseguiu ver claramente o rosto do outro. Ficou surpresa por um momento, mas não chamou imediatamente Ling Xi e Ling Luan. Após esse instante de hesitação, o outro já cobriu a boca de Wang Yanqing com a mão que não estava ferida e disse em voz baixa:

— Qing Qing, não grite. Sou eu.





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