Capítulo 50. A Clemência do Destino


 

A Clemência do Destino

O tijolo verde pareceu atingir o ar vazio, mas o som de vidro estilhaçando ecoou.

Xu Shulou tocou o próprio peito — o ferimento havia sumido. Ela havia retornado ao estado em que se encontrava quando entrou na pintura. Atordoada, sentou-se no chão. "Só isso? Eu esperava algo muito mais formidável..."

"Não se gabe. Este é apenas o primeiro teste."

"..."

———

Quando Xu Shulou acordou novamente, uma jovem e delicada criada ergueu a cortina que a protegia do sol. "Vossa Alteza, como adormeceu debaixo da árvore novamente?"

"Jing'er? É você?" Xu Shulou segurou a mão dela. "Você..."

Você está bem? Você sobreviveu ao golpe no palácio? Eu te procurei depois, mas o mundo é vasto. Para onde você vagou? E onde, no final, você foi enterrada?

Mas antes que as palavras pudessem deixar seus lábios, ela percebeu — isso não era a realidade.

A garota animada e sorridente à sua frente esperava ansiosamente. "Vossa Alteza?"

Xu Shulou forçou um sorriso. "Não é nada. Só não vá contar para a Mamãe."

Ela olhou ao redor. O jardim estava inundado pela primavera — a luz do sol salpicava os salgueiros, e uma pequena ponte arqueava sobre um riacho ladeado por flores de damasco. Este era um canto dos jardins imperiais como ela se lembrava.

Seu coelho de estimação aninhou-se contra seu joelho, e ela o pegou no colo, acariciando sua pelagem antes de plantar um beijo em sua orelha.  Abarrotado de afeto, o coelho saltou para mordiscar a grama.

Xu Shulou examinou suas mãos — macias como brotos tenros, pele como creme coalhado, tão delicada que o menor impacto deixaria uma marca vermelha. Estas não eram as mãos de alguém que havia empunhado uma espada. Estas eram as mãos esguias, semelhantes a jade, da Princesa Fangyi da família imperial Xu, criada no luxo.

Neste ponto de sua vida, ela nem sequer havia segurado uma agulha de bordado, muito menos uma lâmina.

Ela ficou paralisada, quase com medo de se mover, como se o menor passo fizesse tudo desaparecer.

"Vossa Alteza, parece que estou sempre correndo para fofocar," Jing'er brincou. "Oh! O primeiro colocado nos exames imperiais está aqui para vê-la. Devemos deixá-lo entrar?"

"Sua pequena atrevida." Xu Shulou fingiu persegui-la, e Jing'er dançou para longe, rindo. "Deixe-o entrar."

Nesta dinastia, as regras que separavam homens e mulheres não eram excessivamente rígidas. Casais noivos podiam se encontrar sem muito alarde, embora os atendentes fossem obrigados a permanecer a uma certa distância.

O primeiro colocado entrou no jardim e fez uma reverência antes de sorrir para ela. "Como está o poema da flor de damasco de Vossa Alteza?"

Xu Shulou mostrou a língua. "Sou péssima em poesia. Diante de uma árvore cheia de flores, tudo o que consigo pensar são bolos de arroz com damasco, doces de damasco e carne de porco glaceada com damasco."

O estudioso caiu na gargalhada.

Xu Shulou apoiou o queixo na mão, estudando-o. "Você sempre parece rir quando está comigo."

Seu olhar suavizou-se e um leve rubor tomou conta de suas bochechas. "De fato. O número de vezes que ri em minha vida provavelmente empalidece em comparação com os momentos passados na companhia de Vossa Alteza."

"..." Xu Shulou perguntou de repente: "Você acredita em reencarnação?"

Ele riu em resposta. "Se existir, como você acha que eu seria na minha próxima vida?"

"Imagino que você ainda seria um estudioso", disse ela, franzindo o nariz. "Um estudioso bobo!"

"Ha! Isso não seria tão ruim", respondeu ele, tirando uma pétala de damasco do cabelo dela. Ele a segurou na palma da mão, relutante em deixá-la ir. "Só me pergunto se teria a sorte de encontrar Vossa Alteza novamente."

"Talvez nossos caminhos se cruzassem apenas uma vez", murmurou Xu Shulou. "Nós dois estaríamos investigando os demônios da Cidade Wushuang e nos encontraríamos em uma montanha desolada à noite. Você desmaiaria ao me ver desenterrando uma sepultura."

O estudioso conteve outra risada. "Que fantasia estranha."

"Mas se realmente acontecesse... você aceitaria?"

Em vez de descartar sua fantasia, ele a considerou seriamente. "Contanto que eu pudesse ver Vossa Alteza novamente e continuar lendo os clássicos, não haveria nada que eu não pudesse aceitar. Embora, se eu fosse ser ganancioso... eu esperaria que nosso encontro não fosse apenas uma vez."

Xu Shulou observou enquanto ele ficava agitado, suas orelhas ficando vermelhas. Um suspiro silencioso escapou dela.

Se ao menos nossos caminhos não fossem tão diferentes.

Um único encontro já é a clemência do destino.

———

Como ainda não estavam casados, demorar-se muito juntos seria impróprio. Depois de compartilhar uma xícara de chá, o estudioso se despediu com perfeita decência.

Enquanto sua figura se afastava, Xu Shulou exalou suavemente e se virou para sua criada. "Jing'er, onde está a Mamãe?"

"Vossa Alteza, esqueceu? Sua Majestade está oferecendo um banquete para mulheres nobres no Salão Ronghua hoje — e ela disse para você não vir e causar problemas!"

Xu Shulou sorriu. "Não vou incomodá-la. Eu só... quero vê-la."

Jing'er não podia recusar. Ninguém podia recusar a Princesa Fangyi, a joia mais querida da família imperial Xu. Desde a infância, ela havia sido banhada de amor, e até mesmo seus pais cediam aos seus caprichos.

"Apenas Jing'er me acompanhará. Os outros podem ficar." Os atendentes, há muito acostumados aos caprichos da princesa, sorriram e fizeram uma reverência em reconhecimento.

Xu Shulou foi na ponta dos pés até o Salão Ronghua, sinalizando para os guardas ficarem em silêncio antes de espiar lá dentro. Com um único olhar, ela encontrou a imperatriz sentada à cabeceira do salão.

A mulher mais reverenciada da dinastia Xu parecia estar no início dos seus trinta anos — radiante, elegante, seus olhos brilhando com graça.

A mãe de Xu Shulou já havia sido filha de uma família de eruditos, a beleza mais celebrada da capital.

Para os belos e os valentes, o tempo não poupa ninguém.

Este mundo nunca a viu envelhecer. Nas memórias de Xu Shulou, ela permaneceu para sempre jovem, para sempre bela.

Xu Shulou absorveu a visão antes de sussurrar para Jing'er: "Vamos embora."

Jing'er piscou. "Vossa Alteza, você realmente veio só para olhar?"

"Fangyi?" A imperatriz já a havia visto. "Sua criança boba, venha aqui."

Xu Shulou respirou fundo e voltou ao papel que havia desempenhado um século atrás, correndo para se agarrar à sua mãe. "Mamãe, senti sua falta!"

A imperatriz bateu em sua testa e sorriu para as nobres. "Esta menina está sempre se agarrando a mim. Perdoem o espetáculo."

"O que há para perdoar?" as damas disseram em coro. "O laço entre Sua Majestade e Sua Alteza é uma história para aquecer o coração."

Xu Shulou apoiou a cabeça no ombro da imperatriz. "Mamãe..."

"O que houve?" A imperatriz estudou sua expressão e de repente se levantou. "Senhoras, por favor, me deem licença por um momento. Preciso trocar de roupa."

Ela levou Xu Shulou para um aposento tranquilo antes de perguntar: "Shulou, o que há de errado?"

Xu Shulou balançou a cabeça. "Nada."

"Não minta para sua mãe." A imperatriz a guiou para se sentar. "Quem a aborreceu?"

"Realmente, ninguém."

A imperatriz segurou seu rosto. "Mas seus olhos mudaram."

"Mudaram?" Xu Shulou hesitou. "Como? Eu nem percebi."

"Você mudou. Seus pensamentos costumavam ser tão transparentes, que se podia ver através deles", a Imperatriz alisou suavemente o cabelo da filha. "Minha pequena Shulou, seus olhos agora possuem uma resiliência e maturidade, como se você tivesse enfrentado inúmeras tempestades e aprendido a aceitar as reviravoltas da vida — uma sabedoria temperada pela experiência."

"...Eu tive um sonho muito, muito longo."

"O que aconteceu nele? Seu pai e eu falhamos em protegê-la?"

Diante de sua mãe, Xu Shulou não conseguiu mais se conter. Ela chorou, seus soluços de partir o coração, porém totalmente silenciosos.

A Imperatriz, sofrendo com suas lágrimas silenciosas, a abraçou com força. "O que há de errado? Minha querida Shulou, você costumava se certificar de que todos soubessem quando estava chateada, para que a consolassem. Quando você aprendeu a chorar assim — sem som?"

Quando tinha sido? Talvez durante seu exílio do palácio, quando ela finalmente entendeu que não importava o quão alto ela chorasse, ninguém viria consolá-la novamente.

Mais tarde, ela se tornou uma discípula da Ilha Imaculada, a irmã mais velha do Pico Luar, a Xu Shulou cujo leque dobrável irritava incontáveis cultivadores — ela não precisava mais do consolo de ninguém.

No entanto, ao ouvir essas palavras: "Seu pai e eu falhamos em protegê-la?", as lágrimas caíram espontaneamente.

Xu Shulou olhou avidamente para sua mãe. "Mamãe, eu falhei com vocês dois. Eu não consegui nem vingá-los."

"Vingar-nos?" A Imperatriz enxugou suas lágrimas com ternura. "Se algo acontecesse com seu pai e eu, nosso único desejo seria que você vivesse bem — não que buscasse vingança."

Xu Shulou chorou ainda mais forte.

No fundo, ela sabia. Claro que ela entendia...

A Imperatriz permaneceu em silêncio, deixando-a chorar até os soluços diminuírem, então deu-lhe tapinhas nas costas suavemente. "Shulou, nossa maior esperança é que você viva feliz."

Xu Shulou secou as lágrimas e assentiu solenemente. "Eu entendo. Eu viverei."

"..."

De repente, a cena congelou. Uma voz ecoou do vazio: "Eu posso deixar você ficar aqui para sempre."

"Não me perturbe. Vá embora."

"..." A voz parecia irritada. "Ingrata. Então sofra."

Em um instante, o calor se transformou em derramamento de sangue — exércitos sitiaram a capital, chamas devorando as muralhas da cidade.

Xu Shulou suspirou. "Eu já vi esta guerra muitas vezes no Espelho do Demônio Interior."

"Que Espelho do Demônio Interior? Eu sou muito superior àquela bugiganga..."

Ignorando os murmúrios, ela olhou para o palácio distante. Ela não se virou, não fechou os olhos, não recuou. Quando terminou, ela se ajoelhou e prostrou-se três vezes em direção ao salão do trono.

A voz voltou: "Você passou no segundo teste. Posso lhe conceder um favor."

Calma agora, Xu Shulou perguntou: "Que favor?"

"Posso apagar a memória da queda do seu reino, deixando apenas os momentos mais felizes e queridos."

Ela piscou confusa. "Mas eu nunca disse que queria esquecer."

A voz demonstrou surpresa. "Você não deseja esquecer?"

"Tudo isso", Xu Shulou olhou para o imponente palácio, "cada memória, cada momento passado — bom ou ruim — moldou quem eu sou hoje."

"..."

Ela balançou a cabeça firmemente. "Então não, eu não quero esquecer."

"Tudo bem", a voz resmungou relutantemente. "Agora você realmente passou no segundo teste. Se você tivesse escolhido esquecer, teria ficado aqui comigo para sempre."

"...Você me enganou?" Xu Shulou tirou um tijolo vermelho do nada.

"?"

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