Capítulo 61 a 65


 Capítulo 61 – Compromisso
A testa de Tang Shishi estava fria. Quando Zhao Chengjun colocou a mão sobre sua pele, parecia até que ele estava ainda mais gelado do que ela, e Tang Shishi estremeceu em segredo.

Num momento de desespero, Tang Shishi quase mordeu a língua.

— Wangye, por que está aqui? Onde está Dujuan? Por que ninguém veio me avisar?

Dujuan e as outras estavam atrás, com expressões amargas no rosto, sem conseguir dizer nada. Tang Shishi também sabia que não podia culpar Dujuan por algo assim. Elas eram apenas criadas a serviço dos outros, e suas vidas estavam nas mãos de Zhao Chengjun. Como ousariam enfrentá-lo?

Tang Shishi ficou ainda mais grata por ter destruído as provas. Rapidamente recuperou a expressão e fingiu estar calma, conduzindo Zhao Chengjun para dentro.

— Wangye, por favor, entre. Eu estava descansando no quarto e não percebi sua chegada. Fui negligente, peço perdão.

Zhao Chengjun apenas sorriu, parecendo não desconfiar da desculpa. Assim que entrou no quarto, lançou um olhar casual ao redor e disse:

— Ouvi dizer que Ji Xinxian a convidou, junto com Ren Yujun, para um pequeno banquete hoje. Você não gostou da companhia delas? Por que voltou tão cedo?

A voz de Zhao Chengjun era calma e extremamente gentil, mas cada palavra parecia carregar toneladas de pressão. Um descuido e ela seria esmagada em pó. Tang Shishi sorriu e respondeu:

— Achei desinteressante, então saí mais cedo.

Zhao Chengjun lançou um olhar profundo para Tang Shishi e depois se virou, indo em direção ao outro cômodo. Tang Shishi se assustou por um instante e o seguiu imediatamente.

Zhao Chengjun observava casualmente os objetos no pavilhão duobao e disse devagar:

— Ouvi a criada que levou o vinho até Zhao Zixun dizer que você ficou tonta no caminho e não conseguiu se manter de pé. Algo tão importante, e as pessoas que cuidam de você nem sabiam?

Dujuan e as outras se apavoraram. Todas se ajoelharam, e seus rostos empalideceram.

— Wangye…

Zhao Chengjun apenas levantou o dedo, e Dujuan não se atreveu a continuar. Tang Shishi entrou em pânico, forçou-se a manter a calma e disse:

— Wangye, a tontura só aparece ocasionalmente. Não é nada grave. Eu mesma não deixei que chamassem o médico imperial. Se houver culpa, que recaia sobre mim.

— Muito bem. E eu sou tão relutante assim em punir você? — Zhao Chengjun andava lentamente pelo quarto. Parecia ter visto algo de relance e se dirigiu ao canto. — De fato, é mesmo uma joia criada desde pequena. Tão segura de si.

Quando Tang Shishi viu o que ele fazia, suas mãos e pés ficaram gelados, e a cor sumiu de seu rosto. Finalmente entendeu o que Zhao Chengjun procurava ao olhar o pavilhão duobao: as provas que ela havia escondido.

Zhao Chengjun se aproximou do incensário de bronze com cabeça de fera no canto, levantou a tampa entalhada e remexeu as cinzas com o palito de incenso. Sorriu levemente ao ver as cinzas com coloração distinta.

Tang Shishi sentiu como se tivesse caído em uma câmara de gelo. Sua mente zumbia, e ela ficou totalmente paralisada. Dujuan temeu que Zhao Chengjun realmente punisse Tang Shishi, então se ajoelhou, deu dois passos de joelhos e bateu a cabeça no chão:

— Wangye, a jovem senhorita tem se recuperado ultimamente. Eu não soube servi-la bem e a induzi ao erro. Wangye, por favor, examine com clareza e não castigue minha senhorita. Toda a culpa é minha!

Zhao Chengjun devolveu o palito ao lugar original e disse com frieza:

— Oh? Enganar superiores, omitir informações... só esses dois crimes já bastam para uma sentença de morte.

Tang Shishi ficou chocada e olhou para Zhao Chengjun com incredulidade.

— Wangye!

O rosto de Dujuan empalideceu instantaneamente. Ao ver a expressão de Zhao Chengjun, Tang Shishi sentiu-se como atingida por um raio e recobrou a consciência.

Ela sabia que Zhao Chengjun não estava brincando — ele falava sério. Apavorada, Tang Shishi levantou a saia e se ajoelhou:

— Wangye, cada um deve arcar com as consequências dos próprios atos. Eu fui quem errou, pode me punir…

— Chega. — A voz de Zhao Chengjun não foi alta, mas bastou para silenciar as duas instantaneamente. Ele permaneceu impassível. — Deixe que ela fale.

Dujuan apertou os lábios, olhou para Tang Shishi, e seus olhos deixavam transparecer a angústia. Tang Shishi, de repente, teve a sensação de que essa cena era assustadoramente familiar. Zhao Chengjun tinha sido assim quando Zhao Zixun tentou salvar Zhou Shunhua diante de tantos convidados.

Ele não disse nada a Zhao Zixun. Apenas ordenou que batessem em Zhou Shunhua até a morte. No fim, Zhao Zixun teve que abaixar a cabeça, por mais rígido que fosse seu temperamento, e seguir o caminho que Zhao Chengjun havia traçado.

Agora, era ela quem ocupava esse lugar. Claro que poderia morrer negando tudo, mas nesse caso Dujuan e as outras criadas que a serviam também não escapariam com vida. No futuro, mesmo que viessem novas criadas, quem ousaria ser leal a Tang Shishi?

Tang Shishi ajoelhou-se no chão. Por um momento, não sabia mais o que sentia, como se todos os seus sentidos tivessem se apagado. Zhao Chengjun a observava com calma e disse:

— Não precisa se apressar. Vá com calma. Vocês todas, fiquem do lado de fora, ajoelhadas.

A última frase foi dirigida a Dujuan e às demais. Dujuan mordeu os lábios, ansiosa para dizer algo, mas acabou sendo arrastada pelas outras criadas com a boca coberta.

A porta se fechou suavemente. O som do trinco ao encaixar fez clique. Esse som pareceu despertar Tang Shishi. De repente, seu nariz ardeu, e lágrimas se acumularam nos olhos.

Ao vê-la chorar, Zhao Chengjun ficou tão furioso que riu.

— Impressionante. Já sabe usar as lágrimas como arma? É melhor eu te avisar: não importa o que faça desta vez, será inútil.

As lágrimas de Tang Shishi escorriam pelas bochechas como contas de colar rompido, mas ela não conseguia conter. Entre soluços, disse:

— Pessoas morrem por dinheiro, e pássaros por comida. Eu só queria viver um pouco melhor. Isso é errado?

Na verdade, ela perguntava aquilo como se tivesse todo o direito de fazê-lo. Zhao Chengjun estava tão irritado que chegou a rir, balançando a cabeça.

— Muito bem, você realmente é extraordinária. Tudo o que te disse antes, você ignorou completamente. Onde você me coloca e onde se coloca, ao agir assim? O que te deixa tão insatisfeita a ponto de se rebaixar desse jeito?

— Acha que eu quero? — O ressentimento de Tang Shishi explodiu como uma represa rompida, e as lágrimas fluíram ainda mais. — Se uma mulher pode ser esposa principal, que mulher no mundo aceitaria ser concubina? Eu sou diferente de Zhou Shunhua e Lu Yufei. Eu nunca tive um caminho de volta.

— Já lhe disse antes, você não precisa fazer nada. Só descansar e se recuperar já seria o suficiente…

Antes que Zhao Chengjun terminasse, Tang Shishi o interrompeu:

— Agora eu até consigo viver com tranquilidade, mas e depois que a Wangfei entrar na mansão? Eu sou a única mulher que já ocupou um cargo no escritório externo e ainda fui enviada pelo Palácio Imperial. Como essa Wangfei poderia me tolerar? Wangye, o senhor é descendente do imperador e para a Wangfei o senhor é como o céu. Naturalmente, não entende as disputas das mulheres de classe inferior. Pelo contrário, pensa que nos falta dignidade. Eu também queria desprezar tudo isso, queria ser uma pessoa nobre e com espinha ereta, mas… eu mereço?

Zhao Chengjun sempre interrompia discursos longos dos outros por impaciência. Agora era a vez dele ser interrompido. Ele se conteve. Ao ouvir as últimas palavras de Tang Shishi, franziu o cenho, surpreso e atônito:

— O que você está dizendo? Que Wangfei?

— Já se espalhou por toda a cidade de Xiping que o Wangye quer se casar com a segunda jovem senhorita da família Xi como sua Wangfei. — Tang Shishi respondeu com um sorriso amargo e perguntou: — Wangye, sei que é ruim falar assim de sua amada. Mas diga sinceramente: o senhor acha mesmo que a segunda jovem senhorita Xi poderia me tolerar?

Zhao Chengjun ficou em silêncio por muito tempo. Ele estava acostumado a planejar primeiro e agir depois. Era extremamente perigoso ser notado antes que o evento principal se concretizasse. Por isso, costumava enterrar tudo no coração, sem dizer ou esclarecer nada. Zhao Chengjun sabia que a Madame Xi e Xi Yunchu o haviam interpretado mal, mas esse tipo de mal-entendido não era algo que ele pudesse explicar facilmente para ser compreendido. A família Xi não havia dito que queria casar a filha com ele, e Zhao Chengjun tampouco tomou a iniciativa de esclarecer o assunto. Além disso, ele também precisava de tempo para proteger a pessoa que realmente amava.

Zhao Chengjun apenas deixou a situação seguir. Na verdade, ele achava que qualquer um que o conhecesse minimamente saberia que esse rumor era completamente absurdo. Dissera repetidamente à Madame Xi e a Xi Yunchu que não tinha intenção de se casar. Como poderia agora se contradizer e dar um tapa na própria cara?

Todos na rua apenas repetiam os boatos e seguiam o que os outros diziam. Zhao Chengjun nunca imaginou que até mesmo Tang Shishi acreditaria neles — e ainda por cima com tanta convicção. Ele ficou irritado, mas também achou aquilo engraçado. Estalou os dedos com força contra a testa de Tang Shishi e resmungou, com uma raiva que expressava decepção:

— Olhe esse seu cérebro. Aposto que você nunca usou.

Zhao Chengjun estava genuinamente irritado e não se conteve na força. Tang Shishi sentiu uma dor aguda. Cobriu a testa com lágrimas escorrendo pelo rosto, e logo rios de lágrimas fluíam sem controle.

— Eu ainda nem fiz nada. Vai chorar por quê? — Zhao Chengjun repreendeu com severidade. Quando viu que Tang Shishi não conseguia parar de chorar, não aguentou mais e disse: — Levante-se. Limpe essas lágrimas.

Tang Shishi se levantou, obviamente sentindo-se injustiçada, mas também sem coragem de desobedecer. Apenas limpava os olhos enquanto ainda chorava. Zhao Chengjun ficou tão irritado que desviou o olhar e perguntou friamente:

— De onde veio o remédio?

Zhao Chengjun sabia muito bem que, dentro de sua própria mansão, com as habilidades de Tang Shishi, seria impossível ela ter conseguido aquilo sozinha.

O coração de Tang Shishi vacilou. O medo a dominou e ela chorou ainda mais. Zhao Chengjun a observava friamente e a pressionava de forma indireta:

— Ainda não vai me contar?

Tang Shishi ajoelhou-se e balançava a cabeça sem parar, sem dizer uma palavra, apenas deixando as lágrimas caírem silenciosamente. Seus olhos eram grandes e sedutores. Quando chorava, as lágrimas brilhavam como cristais. Zhao Chengjun a olhou de cima e percebeu que, de fato, com essa aparência — o rosto meio abaixado, chorando em silêncio — ela era absurdamente bela.

Ele sabia perfeitamente que essa “cobra encantadora” provavelmente fingia estar sofrendo para parecer inocente, mas, toda vez que via essa cena, não conseguia se desvencilhar.

Tang Shishi abaixou a cabeça no ângulo perfeito. Sabia que era mais bonita vista dessa forma. Sua mãe sempre dizia que, quando ela olhava assim para baixo, até uma mulher não resistiria e cederia aos seus pedidos — quanto mais um homem? Por isso Lin Wanxi sempre se preocupava com o futuro de Qi Jingsheng. Acreditava que ele era honesto e sincero, alguém que vivia imerso nos livros e, por isso, tinha um temperamento simples. Uma vez que encontrasse uma mulher bonita como Tang Shishi, que usasse a beleza para manipular, ele certamente não teria como resistir e acabaria sendo esmagado.

No começo, Tang Shishi desprezava tudo isso. Nunca havia falado com homens. Mas quem mandou os homens amarem tanto a beleza? Se gostavam, então que fossem manipulados por mulheres belas — não era isso o que mereciam? Se não tinham capacidade, então que não cobiçassem a beleza.

Eles haviam concordado tacitamente que Tang Shishi era quem tinha colocado o remédio para Zhao Zixun. Tang Shishi não tinha medo de ser punida, mas não ousava entregar a Vovó Wu. Se aquelas pessoas fossem implicadas, sua família estaria condenada.

Tang Shishi não podia revelar, mas também não podia irritar o Príncipe Jing. Então, teve que usar sua única arma: fazer o próprio coração dele amolecer. Essa estratégia sempre funcionara. Porém, desta vez, Tang Shishi chorou por muito tempo — e nada aconteceu. Gradualmente, entrou em pânico. Sabia que Zhao Chengjun a observava o tempo todo, com aquele olhar pesado e imprevisível. Ela chegou a se perguntar se sua “arma de beleza” havia falhado. Será que esse truque só funciona com homens estúpidos?

Justo quando Tang Shishi se sentia inquieta, Zhao Chengjun se moveu. Suspirou levemente e disse em voz baixa:

— Você não confia em mim. E nem está disposta a confiar.

Tang Shishi achou aquilo um absurdo. Ele era o príncipe, o homem mais poderoso militar e politicamente. Claro que queria que todos ao seu redor fossem honestos. Mas o problema era que, além de honestidade, ela também queria sobreviver.

Queria sobreviver nas mãos da futura princesa consorte, dentro da mansão do Príncipe Jing. E, mais ainda, nas mãos da Imperatriz Viúva. Havia coisas demais com que se preocupar — ela não podia se permitir correr riscos. E não era só a própria vida que carregava.

Tang Shishi baixou os olhos e não respondeu. Zhao Chengjun não ficou surpreso. Ele praticamente podia adivinhar o que se passava na cabeça dela.

Zhao Chengjun veio ali tomado pela raiva. Agora, já havia dito tudo o que tinha para dizer, já havia feito os alertas. E, ainda assim, não sentia nenhum alívio. O amor era mesmo uma coisa irracional. Fazia com que ele ponderasse entre métodos suaves e duros. Em compensação, quando a outra parte não gostava de verdade, então simplesmente não gostava.

Tang Shishi gostava do seu antigo noivo. Mesmo que estivessem separados, ela ainda se afeiçoava a Zhao Zixun — alguém da mesma idade e temperamento semelhante. Mesmo tendo sido superado inúmeras vezes, ela ainda era desesperadamente apegada a ele.

Se não fosse por amor, Tang Shishi já teria enxergado a realidade há muito tempo. Se ela era vaidosa e competitiva, deveria ter percebido cedo que estar ao lado de Zhao Chengjun traria muito mais benefícios do que ficar com Zhao Zixun.

Mas ela não percebeu. E fora o amor, Zhao Chengjun não conseguia encontrar outra explicação.

Ele poderia forçá-la a desistir de Zhao Zixun — poderia até fazer com que ela não tivesse escolha. Mas… de que adiantaria ter o corpo dela, sem o coração?

Zhao Chengjun finalmente soltou um longo suspiro. Esqueça. Ela não era feita para ele. Forçá-la a ficar seria inútil. Melhor dar um passo para trás — ao menos, manter a dignidade de ambos.

— Levante-se. Pare de chorar. — disse Zhao Chengjun. — Não importa quem seja a futura Wangfei, eu não deixarei que ela te machuque. Embora eu não vá prometer nada, ainda me atrevo a dizer isso. Pode ficar tranquila. Não pense mais em bobagens e apenas fique quieta no quarto, se recuperando. Não saia até descobrir de onde veio esse remédio.

Os cílios de Tang Shishi estavam cobertos de lágrimas. Ela sabia que havia vencido mais uma vez — Zhao Chengjun havia cedido. Mas, dessa vez, ela não sentiu alívio algum.

Apesar de Zhao Chengjun ser cruel e implacável, ele era um homem de grande integridade. Se ele dizia que não deixaria Xi Yunchu machucá-la, então realmente não deixaria.

Tang Shishi não sabia o que estava sentindo e perguntou:

— Wangye, quando será o casamento com a Wangfei?

— Difícil dizer. — Zhao Chengjun ergueu as vestes e caminhou em direção à porta. Tang Shishi não sabia se era apenas imaginação, mas teve a impressão de ouvir Zhao Chengjun murmurar:

— Não haverá mais nenhuma Wangfei.

A voz foi tão suave que Tang Shishi quase achou que fosse uma ilusão. Ficou ligeiramente atordoada. Quando ia perguntar por que “não haveria mais Wangfei”, Zhao Chengjun já abrira a porta e saía, sem qualquer hesitação.

Tang Shishi permaneceu parada. A luz do lado de fora iluminava seu rosto, fazendo com que seus olhos parecessem de cristal. Do lado de fora, a primavera se revelava em cores vívidas, e o vento trazia o perfume do pólen. Zhao Chengjun afastava-se a passos largos, de costas para toda essa paisagem primaveril.

Tang Shishi entrou num leve transe e, por um momento, sentiu vontade de correr atrás dele. Família Tang, Imperatriz Viúva Yao, protagonistas, enredo, todas as intrigas — nada disso parecia importar mais.

Ela chegou a dar um passo… mas parou em silêncio. Tang Shishi abaixou a cabeça, zombando de si mesma.

No que eu estou pensando… enlouqueci? Esse é o Príncipe Jing.

Capítulo 62 – Desistir

Depois que Zhao Chengjun foi embora e já fazia bastante tempo, Dujuan entrou tremendo de medo e perguntou:

— Senhorita, o Wangye... ele foi embora?

Tang Shishi respondeu com um simples “en”, sem muito entusiasmo. Dujuan tentou adivinhar por um momento, mas não conseguiu entender o motivo da visita e perguntou com cautela:

— Senhorita, o que o Wangye disse?

— Você não ouviu nada do que ele falou? — Tang Shishi pegou um saquinho bordado do armário, sentou-se no divã estilo arhat e começou a cortar lentamente o saquinho com uma tesoura. — Não preciso mais pensar no trabalho no escritório. Ele mandou eu me recuperar com tranquilidade. Em outras palavras, estou de castigo.

Aquilo... Dujuan não conseguia compreender a situação. Olhou para os movimentos agressivos de Tang Shishi e disse depressa:

— Senhorita, por favor, vá com calma, cuidado para não se cortar! Senhorita, você não tinha acabado de bordar esse saquinho há poucos dias? Usou tão pouco e já vai cortar de novo?

— Coisas que não me servem mais, é melhor jogar fora o quanto antes. — Tang Shishi usou mais força e rapidamente cortou o saquinho em vários pedaços, destruindo até as flores de lótus bordadas. Depois disso, sentiu-se um pouco mais aliviada. Largou a tesoura e disse: — Estava ocupada com Ji Xinxian mais cedo e nem comi direito. Pode ir preparar uma refeição para mim?

Dujuan olhou para Tang Shishi, que estava animada e com bom apetite. Não parecia alguém atormentada por questões triviais. Tang Shishi era mesmo muito resiliente. Dujuan saiu para pedir a refeição na cozinha. Antes de sair, viu Tang Shishi recostada no divã brincando com o pavio da vela usando a tesoura. Hesitou por um momento e disse:

— Senhorita, o futuro ainda é longo. Sirvo nesta mansão há oito anos e entendo um pouco do temperamento do Wangye. Ele trata você de forma diferente. Não precisa se apressar agora, vá com calma. Ainda haverá muitos dias pela frente.

Tang Shishi respondeu:

— Eu sei. Quero sopa de lótus, ganso assado crocante e queijo com pouco açúcar.

Dujuan assentiu depressa e saiu para organizar a refeição. Tang Shishi ficou aparando o pavio da vela por um bom tempo. Só quando percebeu que estava quase destruindo a vela é que se dignou a largar a tesoura.

Dujuan estava preocupada que Tang Shishi pudesse ficar deprimida. No entanto, Tang Shishi estava extremamente calma. Durante esse período, ela até conseguiu entender várias coisas.

Zhao Chengjun havia prometido pessoalmente que ela não seria ferida pela Wangfei. Embora ele não fosse uma boa pessoa, era alguém de palavra e não a enganaria. Já que Zhao Chengjun pôde afirmar aquilo, Tang Shishi pelo menos não precisava mais se preocupar em morrer pelas mãos de outros dentro da mansão pelo resto da vida.

Ela só precisava se preocupar se o próprio Príncipe Jing decidiria matá-la.

Tang Shishi pensava que Xi Yunchu estava prestes a entrar na mansão, e que, infelizmente, ela havia perdido o “enredo” e por isso tentava desesperadamente encontrar uma saída. Agora que não havia mais essa preocupação com o futuro, Tang Shishi não estava mais com pressa para entrar no harém do protagonista masculino.

Ela até achava que talvez não precisasse mais entrar naquele harém.

Tang Shishi tinha plena confiança em sua beleza, mas não era tola. Já havia ofendido o protagonista várias vezes, e até ela mesma sabia que era difícil conquistar o favor de Zhao Zixun.

Ela já tinha armado tantas vezes contra Zhao Zixun. Se ele ainda gostasse dela, Tang Shishi teria que suspeitar que ele era masoquista. Diante da falta de esperança em se tornar concubina, ela precisava considerar outro caminho.

Na verdade, quem vivia bem no Palácio Imperial não eram necessariamente as concubinas. As funcionárias da corte de alto escalão também não estavam em má situação. As concubinas favorecidas podiam ser substituídas umas pelas outras, mas os eunuco(a)s imperiais próximos ao imperador eram tão sólidos quanto ferro. Da imperatriz às concubinas imperiais e até às servas do palácio, todas precisavam demonstrar respeito ao se encontrarem com essas funcionárias. Claro que Tang Shishi não podia ser eunuco, mas podia ser uma funcionária da corte.

Se continuasse a servir no escritório e se tornasse uma funcionária competente ao lado de Zhao Chengjun, ela seria a primeira Gugu antes mesmo do Imperador assim que Zhao Chengjun assumisse o trono. Naquela época, Zhao Zixun seria apenas o Taizi*, e Zhou Shunhua, no máximo, uma concubina do Taizi. Como poderiam competir com Tang Shishi?

(*Taizi – príncipe herdeiro)

Quanto mais Tang Shishi pensava nisso, mais se sentia satisfeita. As funcionárias da corte não eram tão mimadas quanto a Imperatriz Viúva, mas sua taxa de mortalidade era baixa, e uma fase curta de dificuldades tornava mais fácil alcançar o sucesso. Para ser Imperatriz Viúva, Tang Shishi teria que suportar quarenta anos. Se houvesse um único deslize nesse tempo, todo o esforço seria em vão. Por outro lado, ser funcionária da corte era bem mais fácil. Ela só precisava manter sua posição atual e sobreviver até Zhao Chengjun subir ao trono. Naquele momento, apenas um título simbólico já seria suficiente para sustentá-la pelo resto da vida.

A única desvantagem desse plano era que o tempo de reinado de Zhao Chengjun seria curto demais. Quando Zhao Zixun se tornasse imperador, traria seus próprios aliados como ministros da corte. Nesse ponto, Tang Shishi teria que lidar com suas habilidades de atrair encrenca.

De qualquer forma, Tang Shishi fez as contas com sua idade e concluiu que poderia aguentar por mais alguns anos. Após os vinte e cinco anos, as servas do Palácio Imperial eram liberadas, conforme a lei. Mesmo que Zhao Zixun a detestasse, ele não trataria com severidade as antigas servas que serviram o imperador anterior. Ele a dispensaria do Palácio. E uma vez fora de lá, quem saberia o que tinha acontecido entre aquelas paredes? Tang Shishi poderia voltar para a família Tang e se aposentar. Lá — ou até em toda Linqing — com o nome de funcionária imperial, quem ousaria mexer com ela?

Assim, poderia cuidar da mãe por toda a vida. Naquele ponto, se Tang Mingzhe tivesse uma boa atitude, ela ficaria com a família Tang. Mas se ele ainda favorecesse a concubina Su, ela se mudaria com a mãe e compraria uma casa para si. De qualquer forma, Tang Shishi não pretendia se casar. Qi Jingsheng seria admirado em Linqing após passar no exame imperial, enquanto Tang Shishi teria sido uma serva do imperador — duvidava que algum mercador ousasse desrespeitá-la.

Quanto aos protagonistas masculino e feminino, que se enredassem um com o outro. Zhou Shunhua teria que batalhar trinta ou quarenta anos para se tornar Imperatriz Viúva, enquanto Tang Shishi poderia se aposentar com honra aos vinte e cinco. No fim das contas, talvez vivesse com mais conforto por mais tempo.

Tang Shishi se sentiu muito mais aliviada depois de refletir sobre tudo isso — como se todo o corpo relaxasse. Ela havia feito tantos planos por Zhao Zixun que pensava que seria difícil desistir. Mas, na verdade, estava muito tranquila.

Parecia até que havia desistido de algo que nunca quis de verdade.

Depois que reajustou seus objetivos de vida, Tang Shishi ficou em paz — e até achou a vida mais confortável. Já que Zhao Chengjun não a deixava sair, ela ficou quieta no quarto, bordando flores e recortando ideogramas. Na verdade, estava até gostando.

Tang Shishi mantinha-se em reclusão, e naturalmente não sabia que, nos últimos dois dias, os boatos de que ela estava de castigo e havia perdido o favor estavam se espalhando pela mansão. Ela deliberadamente ignorava esses rumores, mas o vento ainda acabava trazendo-os até ela. Ultimamente, a comida chegava cada vez mais tarde ao Pátio Jianjia, e às vezes era preciso esperar bastante para conseguir algo do depósito.

As servas do Pátio Jianjia estavam furiosas, principalmente Dujuan, que era a mais indignada. Ela estava furiosa de verdade. Esses tolos ousavam dizer que sua senhorita caiu em desgraça! O Wangye estava furioso no dia em que veio, sim — mas quando viu sua senhorita, não a puniu nem a repreendeu. E mesmo com raiva, no fim, só a colocou de castigo.

Bah, que absurdo! Dujuan estava cheia de indignação, mas com medo de entristecer Tang Shishi, engolia tudo em silêncio e evitava que ela ouvisse os rumores infundados do lado de fora.

Choveu na noite anterior, e o céu naquela manhã estava límpido como se tivesse sido lavado. O clima estava incrivelmente agradável. Tang Shishi abriu a janela e se recostou, recortando flores de papel. Depois de um tempo, Dujuan entrou furiosa. Tang Shishi lançou um olhar para ela e perguntou:

— Quem te provocou dessa vez?

Dujuan tentou se controlar, mas era difícil engolir aquilo. Resmungou:

— Senhorita, aquelas velhas passaram dos limites! Fui pegar xarope de flores de ameixeira para você, mas ficaram empurrando de um lado para o outro. No fim, disseram que tudo foi enviado para a beleza Ji.

Tang Shishi assentiu, sem surpresa:

— Ji Xinxian tem sido favorecida ultimamente, e a futura esposa do Shizi também a bajula. Não é estranho que os cozinheiros tentem agradar Ji Xinxian. Se não tem, troque. Não preciso tomar xarope de ameixa.

O xarope de flores de ameixeira era cuidadosamente preparado com o orvalho colhido pela manhã, misturado a diversos tipos de flores e ervas medicinais. Como havia pouco orvalho disponível e o preparo exigia muito esforço, esse xarope sempre foi escasso. Poder beber um único gole já era algo extraordinário.

Antes, Tang Shishi recebia uma pequena xícara todos os dias. Exceto quando o clima estava ruim e impossibilitava a coleta do orvalho, a entrega era suspensa temporariamente. Na noite anterior havia chovido, o que significava que haveria bastante orvalho naquela manhã. Como de costume, Dujuan foi até a cozinha buscar o xarope de flores de ameixeira, mas lhe disseram que não havia sobrado nada.

Não sobrou? Estava claro que desprezavam Tang Shishi por estar de castigo e usaram o restante do xarope para bajular outra pessoa. Dujuan ficou tão indignada que disse:

— Senhorita, não me importo com a tigela de xarope, mas sim com a atitude deles. Quando a senhorita trabalhava no escritório, como eram as expressões deles? Agora, que está apenas repousando por alguns dias, todos viraram a cara de uma hora pra outra. Dá nojo só de olhar.

Tang Shishi manteve-se muito calma:

— É da natureza humana bajular os poderosos e pisar nos fracos.

— Senhorita! — Dujuan ficou tão indignada que não conseguiu se conter: — Mas isso não está certo. O Wangye tem muita indulgência com a senhorita. Dá pra ver que ele não quer castigá-la de verdade. Por que não fala com ele de forma mais gentil, diz umas palavras doces?

Tang Shishi parou por um momento ao ouvir aquilo. Olhou para Dujuan com um olhar estranho:

— O que você está dizendo? Por que eu iria implorar ao Príncipe Jing? Ele já está cansado de mim. Se eu for atrás para me defender, não estaria apenas o provocando mais ainda?

Dujuan ficou confusa:

— Senhorita, do que está falando? O Wangye cansado da senhorita? Como isso é possível?

As duas se encararam, cada uma achando que a outra havia enlouquecido. O sol brilhava forte lá fora e a paisagem estava perfeita. Tang Shishi ficou sentada por um tempo e começou a se sentir entediada. Disse, em tom de sugestão:

— O Príncipe Jing apenas mandou eu me recuperar, mas não disse por quanto tempo. Então, posso sair um pouco pra relaxar e ajudar na recuperação, certo?

Dujuan ficou sem resposta por um momento. De acordo com o senso comum, isso não era uma permissão tácita? Quando uma mulher era colocada de castigo, quem realmente estava de repouso?

Se fosse qualquer outra pessoa, Dujuan certamente se desesperaria para impedir que ela se metesse em encrenca. Mas como se tratava de Tang Shishi... Dujuan pensou bem e disse:

— Senhorita, pode tentar.

Quanto mais Tang Shishi pensava nisso, mais achava razoável. Trocou de roupa e tentou sair. Quando os outros a viram do lado de fora, encararam incrédulos, mas ninguém a impediu. Se não está proibido, então está permitido. Tang Shishi foi imediatamente ao jardim, radiante.

No escritório, Liu Ji entrou do lado de fora, caminhando rápido com as mãos dentro das mangas. Zhao Chengjun estava lendo um relatório oficial. O pequeno eunuco entrou com água nova. Liu Ji serviu o chá para Zhao Chengjun com cautela, sem fazer barulho, e disse baixinho:

— Wangye, a Senhorita Tang saiu hoje.

Zhao Chengjun parou por um instante, mas manteve os olhos no relatório, perguntando:

— Para onde ela foi?

— Jardim.

Os dedos de Zhao Chengjun se contraíram. Ela era ousada mesmo. Ele havia deixado claro para ela refletir em silêncio, mas não — ela ignorou completamente suas ordens e saiu em menos de uma semana.

Zhao Chengjun nem conseguia descarregar sua raiva. Mas, sendo um príncipe digno, não poderia se rebaixar para discutir com uma mulher. Fingiu que não ouviu nada e deixou o assunto de lado.

Liu Ji olhou de lado para ele e deu um longo “oh” mental. Zhao Chengjun não era alguém paciente, especialmente odiava ser desobedecido. No passado, quando o Shizi contrariava levemente seus desejos, levava palmadas com tábua e era forçado a copiar livros. E agora Tang Shishi o desafiava abertamente diante da mansão inteira — e ele tolerava?

Tut. Liu Ji ficou sem palavras. Inacreditável. Aqueles idiotas lá fora ainda diziam que Tang Shishi havia perdido o favor. Estavam cegos para dizer tamanha asneira.

Na opinião de Liu Ji, esse tipo de "perda de favor" era um grande privilégio. Ela havia irritado o Wangye ao ponto dele não dormir direito por dias, mas mesmo assim ele não se dignava a bater ou puni-la, apenas se aborrecia em silêncio.

Aquilo não era um afeto qualquer. Talvez Liu Ji tivesse que depender dessa mulher no futuro.

Percebendo pela linguagem corporal de Zhao Chengjun que ele não queria continuar a conversa, Liu Ji recuou discretamente. Abaixou a cabeça e ficou imóvel, como se não existisse.

Os olhos de Zhao Chengjun ainda estavam sobre o relatório, mas sua mente havia se dispersado num instante. Nos últimos dias, evitava pensar no que aconteceu naquela ocasião. Mas, inesperadamente, quando tentava fugir, a outra parte aparecia bem diante dele — e de forma diferente.

Zhao Chengjun, na verdade, não queria colocá-la de castigo. Ficou furioso ao ver Tang Shishi fascinada por outro homem, mas mesmo assim não teve coragem de puni-la severamente. Só restou deixá-la em paz. Ele não conseguia ignorar aquilo, mas também não queria vê-la ir atrás de Zhao Zixun — por isso a trancou.

E o resultado? Tang Shishi sequer percebia o perigo da própria situação e ainda ousava desobedecer suas ordens.

Quanto mais pensava, mais raiva sentia. Já não conseguia ler o relatório. Deixou o documento de lado e apertou o centro das sobrancelhas, com dor de cabeça.

Tudo isso era obra do destino. Tang Shishi foi enviada do céu só para atormentá-lo, não foi?

Veio uma saudação do lado de fora: “Saudações ao Shizi”, e Zhao Chengjun imediatamente recuperou os sentidos e retirou a mão da testa com calma. Quando Zhao Zixun entrou, viu justamente esse gesto. Ele sabia que o pai vinha passando mal e sofria com dores de cabeça. Cumprimentou respeitosamente e perguntou:

— Pai, está com dor de cabeça hoje?

Zhao Chengjun estava sentado atrás da longa mesa de sândalo vermelho, com expressão séria, e respondeu:

— Nada. O que deseja?

Zhao Chengjun era um superior. Se não queria falar, Zhao Zixun também não podia insistir. Respondeu respeitosamente:

— Pai, hoje tenho dois assuntos a tratar. O primeiro é sobre a Wangfei que o senhor mencionou dias atrás. Já decidiu quem será?

Na sala só havia pessoas de confiança, então Zhao Zixun não evitou o assunto. Quando Liu Ji ouviu isso, seus olhos continuaram baixos, mas ele lançou um olhar furtivo a Zhao Chengjun pelo canto.

O rosto de Zhao Chengjun não estava muito bom. Sua voz era leve, e respondeu em tom direto:

— Deixe esse assunto de lado por ora. A Wangfei talvez nem chegue a ser estabelecida.

O quê? Zhao Zixun ficou surpreso, e até Liu Ji levantou os olhos. Zhao Zixun estava incrédulo e perguntou apressado:

— Por quê? As pessoas da Corte Imperial descobriram alguma pista?

Zhao Chengjun odiava indecisões, e mais ainda quem mudava de ideia o tempo todo. Desde que Zhao Zixun entrou na mansão, foi educado com regras rígidas — por isso, jamais cogitaria que fora o próprio Zhao Chengjun quem mudara de ideia. Pensava apenas que era problema causado pela Corte.

Zhao Chengjun fez uma pausa e disse, com indiferença:

— Não tem nada a ver com os outros. Tomei essa decisão por conta própria, você não precisa se preocupar com isso.

Os olhos de Zhao Zixun se arregalaram, respondendo com desconfiança. Afinal, Zhao Chengjun havia falado sobre isso pessoalmente dias atrás, e agora cancelava tudo de repente. Aquilo não era nada típico do estilo de seu pai.

Zhao Zixun estava confuso, mas aquele não era o momento para fazer mais perguntas. Suprimiu o assunto e disse:

— O segundo ponto diz respeito à defesa militar em Suzhou. Há um relatório secreto vindo de nossos espiões informando que os tártaros estão reunindo tropas na cidade de Heishui e provavelmente farão um ataque surpresa a Suzhou no quinto mês.

Ao ouvir que se tratava de defesa das fronteiras, a expressão de Zhao Chengjun também se tornou séria. Ele perguntou:

— Quem enviou a notícia?

— Águia de Areia.

Esse era o espião infiltrado entre os tártaros. A guerra no Noroeste era constante, e a situação, complexa. Os três regimes tinham espiões plantados uns nos territórios dos outros. Zhao Chengjun perguntou:

— A informação é confiável? A carta secreta foi interceptada?

— Verifiquei com cuidado. O lacre de cera estava intacto, e o selo era o correto. De fato, não foi adulterada.

Zhao Zixun respondeu com firmeza, mas Zhao Chengjun ainda assim sentia que havia algo errado. O quarto e o quinto mês eram a alta temporada de reprodução de cavalos. Como os tártaros eram nômades, por que atacariam a fronteira justamente nesse período?

Como a informação viera de Zhao Zixun, Zhao Chengjun não quis questioná-lo diretamente, mas decidiu averiguar o assunto em particular. Disse:

— Entendi. Vou me reunir depois com o general responsável por Suzhou. Você fez um bom trabalho. Pode se retirar.

Zhao Chengjun raramente elogiava alguém. Zhao Zixun, visivelmente aliviado, fez uma reverência novamente:

— Obrigado, pai. Com licença.

No jardim, Tang Shishi passeava à beira do lago, colhendo flores ao longo do caminho. Viu um grupo de flores roxas desabrochando de forma incomum no meio do bosque. Naquele momento, Dujuan ainda não havia a alcançado e Tang Shishi estava com preguiça de esperar. Entrou sozinha no bosque para colher as flores.

Estava prestes a se aproximar quando alguém veio por trás e tapou sua boca de repente. Tang Shishi se assustou e começou a se debater, até que uma voz abafada sussurrou atrás dela:

— Não grite, sou eu.

Era a Vovó Wu. Tang Shishi suspirou de alívio e parou de lutar. Assentiu levemente, sinalizando que havia entendido. Vendo sua resposta, Vovó Wu rapidamente tirou a mão e, com os olhos, indicou que ela a seguisse.

Tang Shishi a acompanhou em silêncio até um canto isolado. Vovó Wu olhou ao redor para se certificar de que não havia ninguém por perto e então encarou Tang Shishi:

— Por que você está de castigo ultimamente?

Tang Shishi baixou os olhos e suspirou suavemente:

— Tomei todos os cuidados possíveis da última vez em que pedi o remédio para a senhora, mas mesmo assim fui descoberta pelo Príncipe Jing.

Ao ouvir isso, Vovó Wu não demonstrou surpresa. Em vez disso, consolou-a:

— Se ele fosse tão fácil de enganar, não seria o Príncipe Jing. Não importa. Foi só um erro, você ainda terá chances no futuro. Um homem, não importa o que diga, no fundo sempre é guiado pelos desejos. Ele ainda mantém você por perto e não a matou, o que significa que ainda tem certo apego. Afinal, ele é um príncipe, e ser drogado por uma mulher é uma vergonha. No futuro, você precisa ser mais humilde e manter-se discreta. Se o agradar bem, vai reconquistar seu lugar.

Pelas palavras da Vovó Wu, ela acreditava que o veneno havia sido preparado para o Príncipe Jing. Tang Shishi ficou em silêncio por um momento e decidiu deixar que o mal-entendido continuasse.

Fracassar ao tentar drogar o Príncipe Jing era perdoável. Mas se ela soubesse que Tang Shishi havia usado o remédio em Zhao Zixun — e ainda falhado —, provavelmente não manteria esse rosto complacente.

Vovó Wu falou por um longo tempo, cheia de pesar e arrependimento:

— Você, que sempre foi a mulher mais próxima dele ao longo desses anos, nem mesmo conseguiu completar isso. Ai... Eu tinha esperanças em você, mas agora parece que deve se preocupar primeiro em se proteger.

No coração de Vovó Wu, Tang Shishi era uma agente diligente, tentando conquistar o Príncipe Jing conforme as instruções do palácio imperial. Embora nunca tivesse repassado uma carta real ou fornecido informação útil — e até os remédios secretos da corte tivessem fracassado —, ela sempre se esforçara. Não era culpa sua não ter inteligência suficiente. Vovó Wu valorizava esse tipo de espiã dedicada, ainda que um tanto ingênua.

Ela não pensou muito ao escolher Tang Shishi. Mesmo com o fracasso, ela ainda estava viva — e essa peça não podia ser descartada. Ao ouvir as palavras de Vovó Wu, o olhar de Tang Shishi vacilou levemente. Ela perguntou em voz baixa:

— Vovó, o que aconteceu?

Vovó Wu balançou a cabeça. Tang Shishi já não era útil, então ela teria que buscar novas candidatas e até replanejar tudo. Enquanto pensava, respondeu casualmente:

— Não tem a ver com você. Espiões da Guarda Imperial interceptaram uma carta secreta do Príncipe Jing. Ele vai deixar a mansão no quinto mês. Será uma viagem longa, por uma grande distância, o que é uma oportunidade de ouro. Mas isso não diz respeito a você. O mais importante agora é se proteger e fazer com que o Príncipe Jing perca a desconfiança o quanto antes. Esse será seu maior mérito.

As pupilas de Tang Shishi se contraíram de repente. Vovó Wu havia chamado aquilo de "uma oportunidade de ouro". Que oportunidade poderia haver numa situação como essa?

Naturalmente, era uma oportunidade para assassinar Zhao Chengjun.


A mão de Tang Shishi, escondida dentro da manga, começou a tremer incontrolavelmente.

Capítulo 63 – Assassinato

Dujuan estava apenas perambulando por ali e, quando se virou, percebeu que Tang Shishi havia desaparecido. Achando estranho, correu rapidamente para procurá-la:

— Senhorita?

Dujuan procurou Tang Shishi por um bom tempo, mas não conseguiu encontrá-la. Já estava gritando por dentro e prestes a chamar alguém, quando, ao se virar, viu Tang Shishi parada silenciosamente na trilha atrás das árvores, sem que se soubesse no que ela estava pensando.

Dujuan soltou um longo suspiro de alívio. Ao se aproximar correndo, reclamou:

— Senhorita, por que não diz nada quando fica parada aqui? Me deu um baita susto.

Enquanto falava, ela notou a expressão de Tang Shishi e seus passos diminuíram de repente:

— Senhorita?

Tang Shishi mantinha os olhos baixos, o que impedia de ver sua expressão com clareza, mas, por algum motivo, transmitia uma inquietação incômoda. Dujuan se assustou e perguntou, aflita:

— Senhorita, o que houve? Alguém a incomodou no bosque?

Tang Shishi ergueu a cabeça e sorriu:

— Não é nada. Me distraí pensando em algumas coisas. Estou cansada de andar. Vamos voltar.

Apesar do sorriso, seu rosto estava muito pálido e não havia qualquer traço de alegria em seus olhos. Dujuan sentiu vagamente que algo estava errado, mas ao ouvir que Tang Shishi estava cansada, deixou de lado suas dúvidas imediatamente:

— Foi descuido meu. Senhorita, vamos voltar agora mesmo.

Dujuan achou que tivesse sido apenas impressão sua naquele dia. No entanto, depois que retornaram ao pátio, Tang Shishi permaneceu distraída por vários dias. Frequentemente, sentava-se e se perdia em devaneios. Às vezes, quando as criadas lhe dirigiam a palavra, ela nem respondia até metade da conversa. Quando se viravam, viam-na olhando fixamente para algum ponto, completamente absorta.

Dujuan sentia que algo estava muito errado. Suspeitou que alguém tivesse dito algo ofensivo à Tang Shishi e passou a investigar discretamente, mas não conseguiu descobrir quem havia falado com ela.

Quatro dias se passaram num piscar de olhos e, finalmente, chegou o Festival do Barco-Dragão. A corrida de barcos era realizada fora da cidade. Lu Yufei havia reservado assentos com antecedência. Dujuan estava preocupada que Tang Shishi adoecesse reprimindo-se tanto, por isso insistiu para que ela saísse um pouco para se distrair. Tang Shishi, a princípio, não queria ir, mas não conseguiu resistir às constantes súplicas de Dujuan. Assim, acabou informando a Lu Yufei sobre o passeio e, no quinto dia, saiu com todos para assistir à corrida.

Tang Shishi ainda estava oficialmente de castigo, mas como já havia saído algumas vezes e nem Wangye nem Shizi se importaram, ninguém mais ousava comentar. Lu Yufei também não disse nada após receber o recado. Já que todos iriam sair mesmo, no máximo, era só acrescentar mais um assento, o que não faria diferença.

O Festival do Barco-Dragão era no quinto dia do quinto mês. Tang Shishi trocou de roupa para algo mais festivo e foi até o segundo portão para embarcar na carruagem. Como não era aceita por nenhum dos mestres e ainda era uma serva de nome, naturalmente não poderia levar nenhuma criada consigo. Ao entrar na carruagem, descobriu que estava no mesmo veículo que Feng Qian.

Tang Shishi acenou com a cabeça para Feng Qian e chegou até a cumprimentá-la. Feng Qian, que já estava sentada, notou o desânimo de Tang Shishi e perguntou, curiosa:

— Irmã Tang, o que houve? Por que está com essa expressão tão abatida?

Tang Shishi sorriu levemente e respondeu:

— Nada não. Dormi tarde ontem e acordei sem muita energia hoje.

— Ah... — respondeu Feng Qian, abraçando o braço de Tang Shishi com carinho e fazendo bico — Então era isso. Achei que a Irmã Tang estivesse com alguma preocupação.

Nesse momento, a carruagem começou a se mover. Tang Shishi sorriu enquanto afastava gentilmente a mão de Feng Qian:

— Estamos em movimento e a estrada é irregular. Irmã Feng, sente-se direito.

Feng Qian voltou ao seu assento e sorriu docemente:

— Obrigada pela preocupação, Irmã Tang.

Se fosse em outra ocasião, Tang Shishi acompanharia Feng Qian no teatrinho de afeto entre “irmãs” até o fim, só para ver quem conseguia enjoar mais a outra. Mas hoje ela realmente não tinha ânimo para lidar com Feng Qian. Então afastou-a com um gesto e se recostou na carruagem, mergulhada em pensamentos.

Quatro dias atrás, ela havia se encontrado com a Vovó Wu no jardim. A velha não tinha intenção de esconder que Jing Wang sairia da cidade no quinto mês e que pretendiam aproveitar essa oportunidade para emboscá-lo. Desde então, Tang Shishi não tivera mais paz. Era como se duas vozes duelassem dentro dela. Uma dizia que ela devia se proteger primeiro. Zhao Chengjun sairia da mansão por motivos oficiais e não seria afetado por ela de forma alguma. Isso inclusive estava previsto na trama. No desenrolar da história, Zhao Chengjun não morria, o que mostrava que ele escaparia dessa emboscada.

Aquilo não tinha nada a ver com Tang Shishi. Ela mal conseguia se proteger, o que poderia fazer ao se meter nos assuntos entre Jing Wang e a Imperatriz Viúva? Essa era a decisão mais racional. Tang Shishi nem deveria ter hesitado. Mas a outra voz continuava zunindo em seu ouvido.

Se ela havia decidido se tornar uma futura funcionária do palácio, então proteger Zhao Chengjun significava proteger a si mesma. Se não soubesse de nada, era uma coisa, mas agora que sabia, como poderia continuar fingindo ignorância?

Essas duas vozes a deixaram inquieta por vários dias. Tang Shishi balançou a cabeça com força, tentando afastar os pensamentos. Hoje ela havia saído para relaxar, não para procurar encrenca. Ela era apenas uma criada, como poderia se preocupar com os assuntos dos grandes?

O local onde a corrida de barcos ocorria não ficava longe da cidade de Xiping, e o grupo chegou em menos de meia hora. Tang Shishi desceu da carruagem junto com os outros. Usava um chapéu com véu e olhou ao redor, sentindo uma decepção que não conseguiu disfarçar.

Afinal, Xiping era uma cidade interiorana, com poucos rios. Mesmo com aquele curso d’água preparado especialmente para as competições, ainda parecia muito inferior a Jinling ou Linqing. Linqing, em especial, era movimentada pelo comércio dos canais. O transporte fluvial e a prosperidade dos rios estavam num nível muito acima. Tang Shishi se lembrou da vastidão dos rios de Linqing, largos e infinitos. Restaurantes e casas de música se alinhavam nas margens. Quando começava o Festival do Barco-Dragão, as águas se enchiam de embarcações por dezenas de milhas — uma cena muito mais magnífica que os canais estreitos de hoje.

Tang Shishi desprezou o local com desdém, mas para os outros, era uma visão rara e impressionante. Lu Yufei mal desceu da carruagem e já começou a socializar. Parava a cada dois passos para cumprimentar alguém até que entrou no Pavilhão Wangjiang. Esse pavilhão ficava à beira do rio, com três andares, ocupava uma área grande e era bem imponente. Era o melhor lugar para apreciar o rio e assistir à corrida de barcos.

Naturalmente, Lu Yufei havia reservado o melhor ponto do pavilhão. Conduziu as mulheres até o andar mais alto, que estava reservado só para elas. Nesse momento, já havia gente na sala privativa. Ao ouvirem o barulho do lado de fora, levantaram-se para recebê-las.

— A Shizifei chegou. Nos fez esperar!

Na sala estavam membros da família Xi — família natal de Lu Yufei — e várias outras com as quais ela mantinha boas relações. Todas eram lideradas por Lu Yufei. Assim que ela apareceu, cercaram-na para conversar e rir.

Lu Yufei respondeu com um riso alto:

— Foi culpa minha. Não encontrava minha presilha de jade vermelha antes de sair hoje. Tive que trocar de adereço, o que atrasou todo mundo. Obrigada por me esperarem. Hoje, o que quiserem comer, será tudo por minha conta!

As damas riram com suas palavras. A Madame Xi abanou o leque e comentou, despreocupada:

— Depois que Shizifei se casou, seu estilo realmente mudou. Antes já era cheia de espírito, agora então está ainda mais impressionante. Pode reservar um salão para receber convidados como quiser.

Madame Lu também sorriu:

— Shizifei agora está à frente da Mansão Jing Wang, com milhares de teals passando por suas mãos. Está acostumada a lidar com coisas grandiosas. Como poderia se importar com míseras centenas?

Todas caíram na risada. Lu Yufei segurou a mão da Madame Lu e a de Xi Yunchu:

— Não me provoquem. Se continuarem me elogiando, quando a Wangfei entrar pela porta, vai acabar auditando minhas contas!

Xi Yunchu abaixou a cabeça com um leve sorriso. Madame Lu olhou para Lu Yufei e depois para Xi Yunchu, e então comentou com um sorriso:

— Foi falha minha, ando me achando demais. Agora a Mansão Jing Wang está prestes a receber uma nova pessoa. Deixo aqui algumas palavras em nome da Shizifei... Espero que a futura Wangfei cuide bem e tenha carinho por ela.

Xi Yunchu mordeu o lábio e repreendeu:

— As palavras da Madame Lu são muito impróprias. Se quer interceder pela Shizifei, então fale com Jing Wang. O que isso tem a ver comigo?

Madame Lu soltou uma gargalhada e piscou com malícia:

— Justamente por querer interceder com Jing Wang, vim procurar a senhorita Xi.

Essas palavras já tinham um tom bem leve. Felizmente, não havia mais ninguém no andar de cima, e as mulheres riram sem dar continuidade ao assunto. Afinal, Xi Yunchu ainda era uma jovem solteira. Suas bochechas ficaram coradas com as brincadeiras. Madame Xi abanava seu leque ao lado, como se não tivesse ouvido nada, concordando tacitamente.

Enquanto Lu Yufei e Xi Yunchu trocavam gentilezas, Tang Shishi se misturava discretamente ao grupo de criadas e apenas ouvia em silêncio. Ela conhecia como ninguém aquelas bajulações femininas. Pareciam todas íntimas, como se fossem da mesma família, mas na verdade havia distinções muito claras — entre quem tinha poder na família natal e quem era favorecida pela família do marido.

Ao ouvir todos adulando Lu Yufei, Tang Shishi achou tudo um tédio absoluto. Só ergueu os olhos com surpresa quando Xi Yunchu também foi envolvida.

Elas eram mesmo tão descaradas assim? Ousavam provocar Xi Yunchu e Jing Wang abertamente antes mesmo do casamento? Mais surpreendente ainda era que a família Xi não impedia.

Tang Shishi lançou um olhar discreto para Xi Yunchu, arqueou ligeiramente as sobrancelhas e voltou a abaixar os olhos. Parece que Lu Yufei ainda não sabe que o assunto da Wangfei mudou de novo. Caso contrário, como teria coragem de bajular a família Xi dessa forma? Mas, considerando a relação entre Zhao Zixun e Lu Yufei, era compreensível que ela ainda estivesse no escuro.

Tang Shishi achava que estava sendo discreta, mas Xi Yunchu vinha prestando atenção nela e a notou imediatamente. Xi Yunchu bufou, encarou diretamente Tang Shishi e perguntou:

— Shizifei, essa não é a mulher mais próxima de Wangye? Ela ainda tem tarefas na mansão. Por que a trouxe para fora?

A sala privada caiu em um breve silêncio. Em seguida, Tang Shishi respondeu com serenidade:

— Senhorita Xi, agradeço por sua atenção, está me elogiando demais. Wangye é generoso e concedeu descanso a seus criados durante o Festival da Primavera. Além disso, já não estou mais servindo no estúdio externo.

As demais madames nem tinham notado a presença das criadas. Para elas, essas moças eram todas inferiores, nascidas para carregar seus sapatos. Por que prestariam atenção nelas? Mas, ao ser mencionada por Xi Yunchu, todos os olhares se voltaram para Tang Shishi.

E bastou um olhar para todos ficarem surpresos. Quem era aquela mulher tão bela e graciosa? Madame Lu analisou Tang Shishi de cima a baixo e depois de baixo para cima, sem conseguir encontrar um único defeito.

Madame Lu ficou muito impressionada. Primeiro, sentiu-se aliviada por aquela mulher não ter sido aceita em sua própria família. Em seguida, preocupou-se: Ela era tão bonita... Mesmo que ainda estivesse vestida como criada, mais cedo ou mais tarde seria aceita. Será que representaria uma ameaça para Lu Yufei?

Lu Yufei, percebendo o silêncio repentino das madames, sorriu e tentou suavizar:

— Esta é Tang Shishi. Ela não é de Xiping, foi enviada do Palácio Imperial. Embora a senhorita Tang nunca diga nada, na verdade, é uma dama da segunda turma de Shentai, vinda da seleção nacional. Depois de entrar no palácio, derrotou filhas de muitos príncipes e ministros, e foi enviada pela Imperatriz Viúva como líder para servir na Mansão Jing Wang.

Ao ouvirem isso, as madames e mulheres casadas entenderam imediatamente a situação e passaram a ficar mais alertas. Uma mulher tão talentosa e bonita, respaldada pela corte imperial, era exatamente o tipo que uma esposa legítima detestava encontrar. E o pior: não sabiam se ela servia Jing Wang ou o Shizi.

As madames lançaram olhares discretos para Xi Yunchu e trocaram expressões sugestivas entre si. Considerando a postura imponente da família Xi, era quase certo que fosse Jing Wang.

O olhar de Xi Yunchu para Tang Shishi estava longe de ser amigável. Ela já conhecia Tang Shishi havia um bom tempo. No ano anterior, ao saber que o palácio enviaria um grupo de beldades para Jing Wang, Xi Yunchu já ficou indignada. E quando conheceu essas beldades, sua irritação atingiu o ápice.

Entre todas, a mais destacada era justamente Tang Shishi. A intuição feminina é sempre estranha, porém certeira. Assim que viu Tang Shishi, Xi Yunchu teve certeza de que aquela mulher não era boa coisa e, inevitavelmente, se tornaria sua maior ameaça. As outras nove beldades não eram ruins, mas nenhuma provocou nela uma sensação tão intensa de crise como Tang Shishi.

Para piorar, os fatos seguintes confirmaram todos os seus receios. Tang Shishi permaneceu firme na Mansão Jing Wang, depois foi servir no estúdio, e até mesmo na última viagem à vila na montanha, esteve sempre ao lado de Jing Wang.

Como Xi Yunchu não se preocuparia? Madame Xi sempre a consolava dizendo que havia diferença entre esposa e concubina. Ela era a esposa legítima, não precisava se importar com uma mulher que só servia na cama. Depois de entrar na mansão, Tang Shishi não teria escolha a não ser recuar. Mas Xi Yunchu simplesmente não conseguia engolir aquilo. Esperava há anos para se casar com Jing Wang, desde a juventude até a fase adulta, e só agora estava vendo uma esperança concreta. Quem era Tang Shishi para enfiar a mão no que era dela?

Incomodada, Xi Yunchu naturalmente não usou um tom amistoso. Ela ergueu a voz, em um tom nem muito leve nem muito pesado:

— Então foi por gentileza de Wangye. Ele realmente é bondoso com seus criados. Não veio ao Festival do Barco-Dragão, mas deixou você sair para um passeio na primavera. É bom que retribua essa bondade e não esqueça qual é o seu lugar.

Xi Yunchu parecia estar elogiando, mas na verdade, estava ironizando Tang Shishi, lembrando-a de sua posição inferior.

Madame Lu havia decidido não se meter nas disputas internas da mansão, mas não pôde deixar de franzir a testa ao ouvir aquilo. Xi Yunchu nem estava noiva ainda e já estava usando o prestígio de Wangfei? Se minha filha se metesse assim nos assuntos do marido antes do casamento, eu teria vergonha de sair de casa por seis meses. E a Madame Xi, como mãe, não se importava?

Madame Lu lançou um olhar discreto para Madame Xi e viu que ela apenas abanava o leque em forma de lua, encarando Tang Shishi com superioridade, sem a menor intenção de repreender a filha. Madame Lu entendeu tudo. Madame Xi não via problema algum no comportamento da filha. Pelo contrário, devia achar que ela estava certíssima, fortalecendo o prestígio da família Xi. A raposa da casa do marido deve ser esmagada logo de cara.

Além de Madame Lu, as outras madames também permaneceram em silêncio. Não disseram nada em voz alta, mas balançaram a cabeça por dentro. Afinal de contas, Zhao Chengjun de fato teve um contrato de noivado com Xi Yunwan, mas em primeiro lugar, era com a irmã mais velha, e segundo, o casamento nem chegou a se concretizar. Como Madame Xi podia agir como se já fosse sogra? Agora até queria controlar os criados de Jing Wang? Para falar a verdade, mesmo depois de casados, Jing Wang talvez não permitisse que Xi Yunchu tocasse em seus subordinados.

Contudo, Xi Yunchu estava em alta e os rumores diziam que ela logo se casaria com Jing Wang. Quem estaria tão desocupado a ponto de se preocupar com a filha dos outros? Todas permaneceram calmas, algumas olhando para a paisagem, outras para as unhas, mas nenhuma observou diretamente a cena, muito menos falou em defesa de Tang Shishi.

A sala ficou em silêncio absoluto. Tang Shishi abaixou a cabeça, escondeu o olhar e disse com calma:

— Sim. Obrigada pelos conselhos, Senhorita Xi. Lembrarei bem do que disse hoje.

Assim que Tang Shishi respondeu, Lu Yufei temeu que Xi Yunchu começasse outra discussão — e talvez não houvesse fim. Rapidamente, sorriu e tentou amenizar a situação:

— Por que dizer coisas tão sérias num dia tão bonito? Olhem! Os barcos-dragão já estão na água. Vai começar!

As madames responderam imediatamente e afastaram Xi Yunchu. Criou-se uma animação forçada na sala privada. As mulheres e jovens se reuniram junto à sacada para observar os barcos-dragão. As criadas seguiram suas respectivas senhoras, e logo a plataforma de observação estava completamente cheia. Tang Shishi ficou bem ao fundo e, quando percebeu que ninguém estava prestando atenção nela, saiu discretamente.

Ao descer um andar, foi parada por Feng Qian:

— Irmã Tang, espere!

Tang Shishi fingiu não ouvir e continuou caminhando. Feng Qian correu alguns passos e a alcançou por trás:

— Irmã Tang, por que anda tão rápido?

Tang Shishi revirou os olhos por dentro. Essa praga é mesmo incansável. Não podia sentir mais desprezo por ela, mas ao se virar, imediatamente assumiu uma expressão de surpresa e pesar:

— Irmã Feng? É você? Estava muito barulho lá fora, não ouvi sua voz. Você me seguiu por muito tempo? Seu corpo é frágil, e correr ou pular demais pode ser perigoso. Por que não cuida melhor de si mesma?

A expressão de Feng Qian permaneceu inalterada, e ela ainda segurava a mão de Tang Shishi com um sorriso:

— Estou preocupada que a Irmã Tang fique triste, então vim fazer companhia. Irmã, você não vai se importar com o que a Segunda Senhorita Xi disse mais cedo, vai?

Tang Shishi sorriu com desdém:

— A Segunda Senhorita Xi gentilmente me advertiu. Fez isso para o meu bem. Por que eu me importaria? Irmã Feng, você está sendo atenciosa demais. Está prestando atenção em coisas que eu nem reparei. Isso não é bom… quem é atento demais vive pouco.

Mesmo com toda a educação e autocontrole cultivados desde pequena, Feng Qian não conseguiu se conter naquele momento. Tang Shishi era realmente sem escrúpulos, jogando praga de vida curta em todo mundo como se fosse normal.

O sorriso de Feng Qian congelou por um instante, mas logo voltou ao normal. Ela disse com carinho:

— Irmã Tang, hoje é o Festival do Barco-Dragão, dia de reunião familiar. A Shizifei e as outras estão se divertindo no andar de cima. Vamos procurar um lugar tranquilo para conversar?

Naturalmente, Tang Shishi não queria ir, mas estava presa a Feng Qian e não conseguiu se livrar dela por enquanto. Assim, acabou concordando. As duas encontraram um canto sossegado e se sentaram uma de frente para a outra.

Feng Qian serviu pessoalmente uma xícara de chá para Tang Shishi e disse:

— Irmã Tang, eu realmente queria defender você há pouco, mas infelizmente minha posição é humilde e meu peso é pequeno. Não consigo falar por você. A Segunda Senhorita Xi falou como se fosse a dona da casa e te repreendeu, mas esquece que ainda é uma moça solteira. Com que direito ela pode criticar você? Wangye ama tanto você que não tem coragem de te castigar, nem de te deixar de castigo por muito tempo. Por que ela te trata mal?

Esse tipo de discurso só servia para ser ouvido — se alguém levasse a sério, caía direto na armadilha. Tang Shishi pegou a xícara, tomou um gole devagar e respondeu:

— A Segunda Senhorita Xi é a joia dos pais e foi mimada desde pequena. No futuro, será protegida por Jing Wang, então é natural que seja mimada. Já você, com o corpo fraco e sem apoio dentro da mansão, não pode se dar ao luxo de falar mal da futura Wangfei.

Tang Shishi sentia que Feng Qian era sincera ao dizer que queria defendê-la. Mas, na verdade, Tang Shishi não ligava. E o que ela ligava? Agora todos aceitavam tacitamente que Xi Yunchu se casaria como Wangfei, mas Zhao Chengjun não prometera nada. Será que isso era mesmo uma boa notícia?

Além do mais, Tang Shishi já havia mudado seu objetivo de vida — queria ser uma funcionária imperial da corte. Ela e a Wangfei eram de esferas completamente diferentes. Zhao Chengjun prometera isso pessoalmente. Então por que Tang Shishi deveria ter medo dela?

Tang Shishi dizia que não se importava, mas Feng Qian não acreditava. Achava que Tang Shishi só estava tentando parecer alegre, e continuava falando sem parar, tentando aliviar a ansiedade da outra. Tang Shishi apenas respondia com um “Hum, hum”, mas sua mente já voava para longe.

As duas estavam sentadas no segundo andar. Da posição delas, podiam ver que uma jovem de vestido verde estava sendo humilhada e teve água jogada nela no salão do primeiro andar. O salão abaixo explodia em gargalhadas, enquanto a moça ficava parada, atônita. Depois que todos se afastaram, ela ficou tão indignada que chorou, mas não pôde fazer nada. Após um tempo, levou sua criada e saiu.

Ao sair, cobriu o rosto com um lenço, claramente envergonhada. Tang Shishi percebeu que aquela jovem devia vir de uma família comum, ou então sua posição dentro da casa não era boa — ao ponto de nem ter levado roupas reservas. Só tinha aquele traje para se apresentar em sociedade, e sem opção de troca, teve que voltar para casa cabisbaixa.

Tang Shishi testemunhou, por acaso, uma cena da vida comum. Suspirou por um momento, mas não levou aquilo a sério. Cada um tem sua própria vida. Basta observar, não vale a pena se envolver.

Feng Qian ainda segurava sua mão, tagarelando sem parar. Tang Shishi já havia tomado uma xícara inteira de chá e Feng Qian continuava falando. Tang Shishi não aguentou mais e afastou a mão dela:

— Vou ao toalete. Irmã Feng, espere um pouco por mim. Eu volto logo.

Temendo que Feng Qian insistisse em acompanhá-la, Tang Shishi se apressou. Felizmente, dessa vez, Feng Qian não a seguiu. Tang Shishi desceu as escadas, desviou cuidadosamente de Feng Qian e caminhou até um lugar isolado.

Dizer que ia ao toalete era só um pretexto — o que ela queria mesmo era aproveitar para fugir. Feng Qian era realmente insuportável. O Pavilhão Wangjiang era um local de lazer para oficiais e nobres, cercado por flores exóticas e plantas raras. Tang Shishi encontrou um canto vazio, sentou-se atrás de um salgueiro e ficou olhando para a água, absorta em seus pensamentos.

Enquanto lidava com seu tédio, de repente ouviu uma voz familiar do outro lado:

— Que bom, não tem ninguém aqui. O que você quer relatar?

Tang Shishi piscou, voltando rapidamente à realidade. Essa voz... era de Zhao Zixun?

Ela estava sentada atrás do salgueiro, completamente fora da linha de visão. Se ninguém olhasse diretamente, não perceberia sua presença. Como o lugar parecia calmo e silencioso, Zhao Zixun presumiu que não havia ninguém por perto.

Tang Shishi se inclinou contra o corrimão, sem ousar se mover. As outras duas pessoas falavam em voz baixa. Suas vozes atravessavam o lago de forma intermitente:

— ...Shizi, é melhor você voltar à mansão o quanto antes. Segundo Xiao Wu, Wangye partirá em breve.

— O quê, hoje? — Zhao Zixun parecia muito surpreso. — Hoje é o Festival do Barco-Dragão. Por que meu pai não espera o festival passar?

— Wangye investigou os assuntos de Suzhou e encontrou algo estranho na Cidade Heishui. A fronteira está em perigo, e Wangye não tem tempo a perder. Precisa partir o quanto antes.

Lu Yufei estava no andar de cima assistindo aos barcos, e Zhao Zixun também estava presente no banquete dos convidados homens. Zhao Chengjun nunca gostou desse tipo de evento, então Zhao Zixun o representava. Ele sabia que Zhao Chengjun estava ocupado ultimamente, mas não imaginava que ele partiria tão cedo.

Não só Zhao Zixun ficou surpreso — Tang Shishi também ficou chocada. Depois que Zhao Zixun e seus homens se afastaram, Tang Shishi saiu de trás do salgueiro. Subia as escadas erguendo a barra da saia enquanto tentava convencer a si mesma.

Cada um só se importa com seus próprios assuntos, ninguém liga para os problemas dos outros. Basta que eu cuide de mim, não devo me meter no que não me diz respeito. Originalmente, Zhao Chengjun não sofreria nenhum acidente. Se eu me precipitasse, não estaria me jogando na armadilha?

Talvez... Zhao Chengjun estivesse esperando por esse momento. O objetivo dela era tornar-se funcionária da corte. Servir Zhao Chengjun ou a Imperatriz Viúva Yao não fazia diferença. Se eu não me mover agora e algo acontecer com Jing Wang, ainda posso voltar para a Imperatriz Viúva Yao. Mas se agir agora... estarei cortando minha rota de fuga.

Avô Wu havia contado sobre o assassinato apenas para Tang Shishi — uma estranha. Se isso viesse à tona, ela seria a única suspeita. Tang Shishi carregava o destino de toda a família Tang. Se algo me acontecer, quantas pessoas morreriam junto?


O céu ribombou com trovões pesados, e uma rajada de vento soprou do chão, fazendo as saias de Tang Shishi esvoaçarem. De repente, ela disparou correndo como uma louca.


Capítulo 64 – Prostituta

Aquela rajada de vento viera de forma abrupta e impetuosa. Tang Shishi segurava a barra da saia e corria o mais rápido que podia. As pontas de sua longa saia esvoaçavam ao vento, parecendo uma borboleta sob uma tempestade de verão, prestes a ser derrubada a qualquer momento.

Tang Shishi não se importava se seria vista por Feng Qian ou se levantaria suspeitas. Nem sequer pensava no que faria em seguida. Viera na carruagem da mansão, e agora Lu Yufei ainda assistia às corridas de barco no andar de cima. Ela era apenas uma mulher frágil e sozinha — como poderia voltar à cidade por conta própria?

Cambaleando, Tang Shishi chegou ao local de estacionamento e se apoiou em uma árvore, ofegante. À frente estava a estrada pública. No entanto, ela não podia simplesmente sair andando ou procurar pela carruagem da mansão. Em primeiro lugar, não teria como explicar sua saída. Em segundo, entre os cocheiros havia alguém de Granny Wu.

Se eu topar com alguém por acaso, como vou me justificar? Enquanto estava nesse impasse, viu uma carruagem se aproximando pela estrada de cascalho. Através da cortina balançando, pôde ver vagamente uma jovem vestida de verde-escuro.

Vestido verde… e voltando para casa no meio do evento… Tang Shishi se lembrou de repente e teve um estalo. Era a moça que havia sido molhada no Pavilhão Wangjiang!

Imediatamente, ela correu e acenou para a carruagem:

— Moça, por favor, espere! Preciso falar com você!

O cocheiro gritou assustado com o cavalo ao ver alguém correndo para o meio da estrada. A carruagem deu um solavanco. A jovem de verde já estava de mau humor e, ao ser sacudida dentro da carruagem, ficou ainda mais irritada. Levantou a cortina com impaciência:

— O que foi agora?

— Moça, alguém está bloqueando o caminho à frente.

A jovem arregalou os olhos, surpresa, e olhou adiante. Tang Shishi retirou o distintivo da cintura e disse:

— Eu sou da Mansão Jing Wang. Desculpe incomodar, mas preciso urgentemente voltar à cidade. Posso acompanhá-la em sua carruagem?

A jovem de verde ficou completamente atônita ao ouvir as palavras “Mansão Jing Wang”. Sua criada, parecendo inexperiente, entrou em pânico:

— Moça, o que fazemos?

Tang Shishi sabia que nenhuma das três — nem a senhora, nem as criadas — tinha ideia do que fazer. Precisaria ser firme para que aceitassem ajudá-la. Guardando o distintivo, ela prosseguiu:

— A corrida de barcos nem começou, e a senhorita já está voltando. Presumo que tenha sofrido algum tipo de humilhação no banquete. Eu não tenho muitos talentos, mas, felizmente, posso falar diante de Wangye. Se puder me levar de volta à cidade, serei imensamente grata e retribuirei no futuro.

A jovem, ao ver os modos refinados e a aparência estonteante de Tang Shishi, já havia acreditado nela em oitenta por cento. Ao ouvir que vinha da Mansão Jing Wang, não hesitou. Rapidamente afastou a cortina e disse:

— Entendo. Gugu, por favor, entre.

Ela confundira Tang Shishi com uma das gugus da administração da mansão, e Tang Shishi não se preocupou em corrigir.

Ela fez uma reverência, ergueu a saia e entrou na carruagem com rapidez:

— Senhorita, muito obrigada. Como devo chamá-la?

— Meu sobrenome é Qiao, e me chamo Si. Gugu pode me chamar de Senhorita Qiao Si.

Qiao? Tang Shishi não lembrava de nenhum oficial importante com esse sobrenome. Pelo visto, sua suposição estava correta — a jovem vinha mesmo de uma família comum. Por isso havia sido humilhada pelas filhas das famílias oficiais. Tang Shishi apenas sorriu, não perguntou mais nada e disse:

— Então é a Senhorita Qiao Si. Muito prazer. Meu sobrenome é Tang. A senhorita pode me chamar de Shishi.

— Eu não ouso! — Qiao Si acenou apressadamente, tímida, e encolheu-se para o lado. — Tang Gugu, está com pressa para voltar à cidade. É algo muito urgente?

— Não diria que é importante, mas é urgente. — Tang Shishi olhou pela janelinha da carruagem, a preocupação evidente no rosto. — Senhorita Qiao Si, será que podemos acelerar? Estou mesmo com pressa.

De longe, Qiao Si já achara Tang Shishi linda. Agora, sentada frente a frente, podia ver claramente seus traços, cílios, pescoço e pulsos, e quase ficou hipnotizada. Ao ouvir o pedido, foi como se despertasse de um sonho:

— Tio Ma, apresse-se! Não atrase os assuntos da Gugu!

A carruagem da família Qiao era incomparável à da mansão. O espaço já era apertado, e com três pessoas dentro, seus joelhos se tocavam a todo momento. Qiao Si e sua criada se encolheram num canto, cuidadosas para não esbarrar em Tang Shishi. Era como se estivessem diante de uma divindade.

Durante o caminho, Qiao Si parecia em transe. Céus! Era essa a Mansão Jing Wang? Só uma simples gugu já era tão bela — então como seria o próprio Wangye?

Ela sempre invejara as jovens das famílias oficiais, mas agora achava que as moças das famílias Xu, Zhao e até mesmo Lu não passavam de fogo-fátuo. Comparadas a essa mulher à sua frente, todas aquelas que se vangloriavam de sua beleza eram apenas lenha podre.

A beleza verdadeira — aquela que rivaliza com o sol e a lua — era esta. As outras? Ilusões apagadas.

Tang Shishi percebeu o olhar disfarçado de Qiao Si. Já estava acostumada com olhares. E, como não havia maldade ali, deixou estar. O cocheiro, após receber a ordem, acelerou o passo e a cidade de Xiping se aproximava rapidamente. Talvez por estar ansiosa demais, Tang Shishi começou a sentir-se cada vez mais quente e inquieta.

Levou a mão ao rosto — sua pele estava em brasa. Será que corri demais, suei, peguei vento e agora estou gripada?

Ao vê-la tocar o rosto, Qiao Si perguntou gentilmente:

— Tang Gugu, está se sentindo mal?

— Não é nada. Só estou ansiosa demais.

Do lado de fora, o cocheiro ouviu e comentou:

— Gugu, o portão da cidade já está à frente, mas pelo tempo, acho que vai chover.

Assim que terminou de falar, o céu ribombou e a chuva começou a cair. Gotas pesadas se transformaram rapidamente em um verdadeiro dilúvio.

— Que chuva forte — resmungou o cocheiro, desviando o caminho. — Pelo jeito das nuvens, vai durar bastante. Sorte que a Senhorita Si saiu cedo, senão ia ficar presa no Pavilhão Wangjiang.

Qiao Si não gostava de lembrar do que acontecera mais cedo, mas vendo a chuva lá fora, teve de admitir que o cocheiro tinha razão. Ele então se dirigiu à Mansão Jing Wang, rindo:

— Esse velho já rodou a cidade inteira, mas nunca chegou perto de um portão de mansão oficial. Nunca pensei que hoje veria a Mansão Jing Wang com meus próprios olhos. Isso é inacreditável!

Qiao Si corou e o repreendeu:

— Tio Ma, pare com isso! A Gugu está aqui!

Era evidente que aquela família era muito unida. Mas Tang Shishi já não conseguia pensar em nada — sua mente estava enevoada. A forte chuva envolveu a rua numa névoa branca, como um rio celestial despencando do céu.

O cocheiro parou a carruagem diante do muro da mansão e perguntou:

— Tang Gugu, não entendo nada dos aposentos da mansão. Onde a senhorita quer descer?

Tang Shishi não sabia onde estava, nem de onde tirou tanta força. De repente, saltou da carruagem e correu direto sob a chuva, sem hesitar:

— Aqui está ótimo. Muito obrigada. Enviarei um presente depois para agradecer!

Os três dentro da carruagem ficaram chocados. Qiao Si gritou:

— Gugu, está chovendo! Por que saiu assim? Espere um momento, vou comprar um guarda-chuva do outro lado da rua!

— Não precisa!

Tang Shishi já havia corrido para longe. Seu corpo esguio desaparecia sob a chuva, como uma pétala lançada ao mar — sumindo em um piscar de olhos.

A chuva encharcava seu rosto. A impulsividade cedia, e a razão voltava. Tang Shishi achava que estava louca. Estava fazendo algo que nem ela mesma conseguia entender.

Obviamente, ela era egoísta, gostava de conforto e odiava trabalho, era gananciosa por vaidade e não possuía nenhuma virtude digna de louvor. Desprezava as mulheres que se entregavam desesperadamente ao amor, e mesmo assim, era ávida por obter vantagens dos homens. Sempre acreditou que essa era a única maneira de uma mulher sobreviver neste mundo onde os homens eram superiores e o patriarcado imperava acima de tudo.

Usava-os, confundia-os, manipulava-os, mas jamais os amava. Passar noites sem dormir, viver desconfiada e com ciúmes, ou até se sacrificar por um homem — tudo isso era, para ela, a mais pura tolice.

Mas agora, ela estava fazendo exatamente o que mais desprezava.

Tang Shishi bateu no portão da entrada, e apesar das expressões de choque de todos, correu em direção ao estúdio sob a forte chuva. Sabia que, se tivesse sorte, ainda o encontraria lá.

Tang Shishi enfrentou a chuva e empurrou o portão do pátio externo do estúdio. Estava completamente encharcada, com a água escorrendo por seu cabelo. Ao ver o pátio vazio, seu coração afundou.

Ela havia chegado tarde. Ele já tinha partido.

Tang Shishi permaneceu parada no portão por um longo tempo. O vento soprava através do salão, e ela só conseguia sentir frio. Segurou-se na coluna do corredor ao lado, sentindo-se tonta. Encostou a testa no pilar e, em meio à vertigem, ouviu vagamente o som de uma porta se abrindo.

Tang Shishi se virou e viu a porta do estúdio sendo empurrada. Um homem estava ali, do outro lado da tempestade, segurando um guarda-chuva.

— O que está fazendo aqui?

Tang Shishi o encarou, atônita. Achava que havia ficado tempo demais na chuva, que a água havia invadido seu cérebro. Porque... ela estava vendo Zhao Chengjun.

Aquilo era inacreditável. A imagem atravessava a cortina de chuva, parava diante dela e estendia a mão até sua testa. O toque era quente e seco. Tang Shishi podia até sentir os calos da palma dele.

De repente, estremeceu. Não era uma ilusão.

Era mesmo Zhao Chengjun.

Assustada, Tang Shishi recuou instintivamente e quase caiu dos degraus. Zhao Chengjun segurou seu braço. Por causa disso, o guarda-chuva inclinou-se, e ambos acabaram sendo atingidos pela chuva. Ele a puxou de volta, firmou seu corpo e suspirou, impotente:

— Tudo bem não saber distinguir o certo do errado. Mas nem cuidar de si mesma consegue?

Tang Shishi piscou levemente ao encará-lo. Uma gota d’água caiu de seus cílios. Finalmente recobrou a consciência e murmurou, com a voz rouca e baixa:

— Você ainda não partiu?

Zhao Chengjun ergueu as sobrancelhas, surpreso. Ao olhar suas roupas, entendeu mais ou menos o que estava acontecendo. Tirou o manto e cobriu o corpo dela:

— Ainda não. Vamos entrar primeiro, depois conversamos. Você não pode ficar na chuva assim.

Zhao Chengjun segurou o guarda-chuva e deu dois passos. Ao perceber que ela não o seguia, voltou para puxá-la. Os dois atravessaram juntos a chuva torrencial até o salão principal. Ao entrar, Zhao Chengjun ficou parado à porta com o guarda-chuva. Ignorando a água em seu próprio corpo, disse:

— Troque de roupa primeiro. Vou pedir para trazerem chá de gengibre.

Tang Shishi segurava o manto — completamente largo para ela — com as duas mãos. A água ainda escorria por seu cabelo, mas ela não se mexia. Continuava olhando fixamente para Zhao Chengjun.

— Por que você não partiu? Se ainda está aqui, por que não há ninguém no pátio...?

Estava claro que ela não descansaria enquanto não tivesse uma resposta. Zhao Chengjun pegou um pano seco da estante e o colocou sobre a cabeça dela. Disse:

— Está chovendo hoje. Não é apropriado marchar sob esse tempo, então a expedição foi adiada. Quanto aos servos do pátio, mandei todos se retirarem.

Ele começou a enxugar, pouco a pouco, a água dos cabelos dela. A voz calma, nem rápida nem lenta, como um leopardo à espreita, aproximando-se lentamente de sua presa:

— E você? O que está fazendo aqui, em vez de assistir às corridas no Pavilhão Wangjiang?

A mente turva de Tang Shishi finalmente clareou. Ela baixou os cílios, lançando uma sombra cinzenta suave sobre a pele. Ficou em silêncio por um longo tempo e sussurrou:

— Nada.

Após dizer isso, soltou o manto de Zhao Chengjun e se virou para sair. Ele abaixou os olhos, a observou profundamente, mas a deixou ir. Inesperadamente, após dois passos, o corpo de Tang Shishi vacilou e caiu suavemente ao chão.

Foi uma queda repentina. Zhao Chengjun se assustou e correu para ampará-la. Antes, só havia tocado sua testa, mas agora, ao abraçá-la por completo, percebeu que seu corpo estava absurdamente quente.

Seu rosto escureceu imediatamente, e ele perguntou, com voz firme:

— O que há com você?

Tang Shishi também ficou surpresa. Tentou afastar a mão de Zhao Chengjun, mas percebeu que não tinha forças. Seu corpo parecia uma pena em chamas — flutuando, quente, à beira de cair.

Isso não está certo. Mesmo sem experiência, ela sabia que aquela não era uma simples febre por causa da chuva. Estava fraca, com falta de ar — e então, de repente, se lembrou de algo.

— Feng Qian... aquele chá... — murmurou, com a voz apressada e fraca. — Foi ela. Ela colocou algo naquele chá!

No Pavilhão Wangjiang.

Feng Qian estava de pé sob o beiral do telhado, com as mãos unidas, olhando em silêncio para o aguaceiro sem fim.

— Onde ela está?

Atrás dela, um homem de baixa estatura, aparência desprezível e o rosto coberto de cicatrizes respondeu:

— Também não sei. Segui seus comandos e fui atrás dela, mas assim que saiu do Pavilhão Wangjiang, ela desapareceu num piscar de olhos. Procurei em todo lugar, em todos os cantos, até revirei os arbustos... e nada.

Quando terminou, resmungou:

— Senhorita Feng, fiz tudo como você pediu. A senhorita não vai me enganar, vai?

— Inútil! — Feng Qian estava furiosa. Embora sempre tivesse sido fraca, e apesar da expressão delicada, inesperadamente seu rosto mudou drasticamente. O peito dela subia e descia violentamente, e ela cuspiu:

— Você é um inútil que não serve pra nada. Perde uma mulher que foi dopada e ainda tem a ousadia de me culpar?

O homem ficou envergonhado com a repreensão. Esfregou o rosto e disse:

— O que eu poderia fazer? Está chovendo, e quanto mais a chuva aumenta, mais difícil fica encontrá-la.

Feng Qian respirou fundo. Quando seu fôlego se acalmou, a senhorita Feng, fraca e inteligente, voltou ao controle. Pensou por um momento e falou com convicção:

— Ela foi drogada, não pode fugir. O Pavilhão Wangjiang está cheio hoje. Se ela não está lá fora, deve estar em algum quarto particular de um homem. Aproveite essa chuva, vá rápido, saia da cidade de Xiping com o dinheiro imediatamente. Não volte tão cedo. Depois disso, nós dois seremos completos estranhos. E, claro, é melhor você não aparecer na minha frente novamente.

O homem relutou. Ele tinha feito muito esforço só para tocar em uma mulher bonita e experimentar como era uma mulher do Wangye. Agora, sem nada ganhar, era mandado fugir da própria cidade. Ele estava bastante insatisfeito.

Lançou um olhar ganancioso para a cintura fina de Feng Qian, que mal estava coberta. Ela percebeu o olhar e desviou, com nojo:

— Tem coragem? Quer morrer? Eu sou uma nobre da mansão Jing Wang e uma das confiáveis da Imperatriz Viúva. Não olhe para mim com esses olhos nojentos. Acredite ou não, basta eu gritar, e hoje será seu fim trágico. Cai fora daqui!

Feng Qian de repente ficou violenta. O homem se assustou e saiu correndo:

— Entendi. Que azar ter um destino tão curto e tão feroz...

Feng Qian ficou furiosa e tossia sem parar. Apertou o lenço com tanta força que mal conseguia conter a tosse. Lentamente abaixou a mão e viu algumas gotas de sangue coagulado no lenço.

As pupilas de Feng Qian se contraíram, e seus dedos tremiam. Ela segurou o lenço com firmeza e, por tanta força, os nós dos dedos ficaram com uma coloração anormal azul-esverdeada.

— Tang Shishi... — pronunciou, palavra por palavra. Sua voz fraca continha uma crueldade infinita. — Uma donzela de jade que toca na droga enlouquece igual a uma prostituta lasciva. Não acredito que você consiga aguentar. Quero ver quem vai conseguir te salvar desta vez.



Capítulo 65 Chuva Forte

Tang Shishi falou em um tom baixo e fraco, e Zhao Chengjun não conseguiu ouvir claramente. Ele franziu a testa e perguntou:

— Quem é? O que colocaram?

Mas Tang Shishi já não conseguia responder. Fechou os olhos e desmaiou. Zhao Chengjun percebeu que seu estado não estava bom, então a pegou no colo e a colocou rapidamente na cama do quarto lateral.

Com cuidado, Zhao Chengjun encostou o pescoço dela no travesseiro e levantou as mangas para checar o pulso. Quando ele chegou à fronteira, quase morreu de doença e precisou de um ano para se recuperar. Desde então, aprendeu um pouco de farmacologia básica.

Zhao Chengjun escutava atentamente, mas Tang Shishi estava inquieta. As roupas ainda estavam molhadas e ela não se sentia confortável deitada. Mexia-se de um lado para o outro, tentando se livrar do aperto dele.

Ele não conseguia se concentrar por causa da perturbação e teve que segurar os braços dela, dizendo suavemente:

— Não cause problemas.

Mas Tang Shishi não ouvia mais ninguém. Ela puxava as roupas e murmurava:

— Está molhado, tão desconfortável...

Zhao Chengjun temia que ela pegasse um resfriado por ficar com as roupas molhadas por muito tempo, então segurou seus pulsos e disse:

— Não se mexa, eu faço isso.

Tang Shishi vestia hoje um vestido longo moiré de quatro lados na cor jade, com botões que se enrolavam até o pescoço. Zhao Chengjun tentou alcançar o botão do colarinho, mas parou por um instante ao encontrar a lapela.

Se fosse um homem, não haveria problema em ajudar a trocar as roupas ou curativos depois de alguém desmaiar. Porém... Tang Shishi era mulher.

Homens e mulheres não podiam se tocar — isso violava a etiqueta.

Mas olhando para o estado dela, Zhao Chengjun suspirou, sem jeito. Tang Shishi já estava assim; que adianta se importar com etiqueta? O mais importante agora era salvá-la.

Ele tentou desabotoar o colarinho de Tang Shishi. Ela gostava de beleza, e até os botões eram chamativos. Não era um jeito que ele sabia lidar. Tentou por um tempo, mas não conseguia desfazer os botões. Enquanto isso, Tang Shishi continuava se mexendo. Zhao Chengjun só pôde segurar os ombros dela e se aproximar para examinar melhor o desenho dos botões do colarinho.

Naquele momento, Tang Shishi murmurou algumas palavras quase inaudíveis, com os lábios mal se movendo. A voz dela desapareceu rápido, como uma ilusão.

Ainda assim, Zhao Chengjun estava tão perto que ouviu por acaso. Suas pupilas se dilataram e ele olhou rapidamente para Tang Shishi.

Ela continuava inconsciente, com as bochechas coradas e as sobrancelhas levemente franzidas. Parecia muito diferente do normal. Zhao Chengjun finalmente entendeu que droga era aquela. Ele tinha pensado em venenos, mas nem notara algo tão evidente. Era claramente o repugnante afrodisíaco usado em casas de famílias ricas.

Provavelmente, ela fora dopada no Pavilhão Wangjiang, pelo que seu estado mostrava.

Zhao Chengjun ficou com sentimentos complexos por um tempo — medo, raiva, apreensão e uma gratidão enorme. Essa droga era forte e difícil de combater. Se ela tivesse continuado no Pavilhão Wangjiang, as consequências seriam inimagináveis. Mesmo sem saber, ela correu de volta à mansão, enfrentando a chuva só para encontrá-lo.

De certa forma, a decisão dela salvou sua vida.

Zhao Chengjun não resistiu e acariciou o queixo delicado dela, perguntando suavemente:

— Você passou por tudo isso, arriscou sua vida, só para dizer isso?

O que Tang Shishi havia dito, embora de forma vaga, foi exatamente:

— “Não vá, cuidado com a emboscada.”

Zhao Chengjun sabia que havia espiões infiltrados na mansão e que esses espiões estavam em contato secreto com ela. Na verdade, ele já tinha uma ideia clara de quem eram, e o motivo de ainda estarem lá era apenas para confundir a Imperatriz Viúva Yao, que estava a milhares de quilômetros de distância.

Ele precisava ir a Suzhou desta vez. Zhao Chengjun havia checado uma carta secreta e descoberto algo estranho na cidade de Heishui. Também percebeu que a carta fora adulterada por alguém. Ele tinha aliados entre os guardas imperiais, e esses métodos internos não o enganavam.

Porém, Zhao Chengjun jamais imaginou que Tang Shishi arriscaria a vida tão perigosamente só para avisá-lo. Por outro lado, isso ajudou ela a escapar do perigo real, provavelmente porque já estava tudo destinado.

Tang Shishi não ouvia sua voz. Zhao Chengjun olhou para ela por um longo tempo e sussurrou para si mesmo, sem saber a quem falava:

— Por quê?

Ela obviamente não sabia que estava sendo drogada. Voltou correndo na chuva, sem intenção alguma. Se não era por fama ou lucro, então por que ela fazia isso?

Por que voltou correndo? Por que queria avisá-lo? Como poderia ela ignorar o perigo enorme de salvá-lo, sendo tão prática e fria? Como explicaria essa atitude no futuro?

Pensou mil vezes: se Zhao Chengjun morresse, Zhao Zixun herdaria o trono. Assim, ninguém atrapalharia Zhao Zixun. Isso era claramente bom para Tang Shishi. Por que ela se daria ao trabalho de salvá-lo?

O que, afinal, ela via nele?

Zhao Chengjun suspirou fundo e disse:

— Deixa pra lá. Vou deixar você ir agora e a gente discute isso quando eu voltar. Pelo esquema de hoje, o melhor é primeiro desintoxicar.

Depois de muito tentar, Zhao Chengjun finalmente conseguiu desabotoar o colarinho de Tang Shishi. Ele liderava o exército e manejava o pincel, mas nunca sentira um alívio tão grande quanto agora. Respirou fundo e comentou, resignado:

— Um botão já é tão difícil, você realmente sabe causar problemas.

Os dois ficaram muito próximos por causa desse gesto. Tang Shishi parecia estar dividida entre gelo e fogo, o corpo frio e quente ao mesmo tempo. No meio daquela confusão, ela sentiu vagamente uma fonte de calor à sua frente. Instintivamente, Tang Shishi abraçou aquilo com força, fosse o que fosse.

Zhao Chengjun estava desabotoando o terceiro botão quando de repente foi abraçado por ela. Instintivamente, Zhao Chengjun ficou rígido. Quis se mover, mas o pescoço foi circundado por Tang Shishi. Suas bochechas repousaram naturalmente no ombro de Zhao Chengjun.

— Mãe, está tão frio...

Zhao Chengjun ficou ao mesmo tempo irritado e achando graça. Por fim, a ergueu com um suspiro e disse:

— Eu não sou sua mãe, para com isso, larga...

O corpo de Tang Shishi era tão mole. Sua cintura era como um galho de salgueiro, tão macia que parecia não ter ossos. Zhao Chengjun a envolveu nos braços, desabotoou suas roupas com uma mão e aproveitou para tirar o vestido por cima. Depois de muito esforço para tirar o vestido externo, Zhao Chengjun já estava exausto e suando por todo o corpo.

Com uma mão, ele jogou as roupas dela numa prateleira e pensou, cheio de desânimo, que aquilo era muito mais cansativo do que liderar o exército em treino de artes marciais.

Depois de tirar a roupa por cima, as peças internas estavam coladas no corpo de Tang Shishi, deixando grande parte do pescoço e dos braços dela expostos. Ela encolheu-se por causa do ar frio no quarto e abraçou Zhao Chengjun com mais força. Desde que entraram, ele vinha suportando o assédio dela. Agora, com aqueles braços de jade envolvendo sua cintura, Zhao Chengjun teve que usar toda sua força de vontade para se conter e não rasgar aquela camada fina e frágil de roupas.

Zhao Chengjun fechou a mão em punho, os nós dos dedos ficaram tensos e mais tensos, até que finalmente conseguiu se conter, segurou o ombro dela e a afastou:

— Vou relevar seu delírio e não vou brigar com você. Deite direitinho, vou mandar alguém ver seu pulso.

Zhao Chengjun colocou Tang Shishi de volta na cama e se levantou rapidamente. Ele havia se superestimado demais — se ficasse mais tempo ali, algo poderia acontecer. Zhao Chengjun ainda não havia dado dois passos quando Tang Shishi, meio acordada na cama, viu que ele ia sair e instintivamente se levantou, abraçando-o forte pelas costas:

— Não vá, tenho medo.

O braço de Tang Shishi envolveu a cintura de Zhao Chengjun, agarrando-o com força. Ele parou tenso no lugar. Nessa posição, podia sentir claramente dois “pães” extremamente macios em suas costas. Nenhum homem resistiria a esse tipo de tentação. Zhao Chengjun segurou o pulso dela, virou-se e olhou firme para ela:

— Quem eu sou?

Tang Shishi abriu os olhos inocentemente, ainda com a vista embaçada. Ela estava molhada pela chuva durante todo o caminho, o que havia suprimido o efeito da droga e permitido que ela chegasse segura até o gabinete. Contudo, o efeito rebote da droga suprimida era muito mais letal que o inicial.

Tang Shishi não sabia onde estava nem o que estava fazendo. Tudo o que sabia era que reconhecia aquela pessoa à sua frente e que ela era confiável.

Ela tentou mexer os braços, mas seus pulsos foram segurados com firmeza. Ele apertava tanto que qualquer movimento causava dor. Tang Shishi começou a chorar, sentindo-se injustiçada:

— Você me machucou.

Zhao Chengjun olhou para a mão dela e soltou-a com rigidez. Tang Shishi recuperou a liberdade e abraçou os ombros dele com alegria:

— Eu te conheço. Seu nome é Jing Wang.

— Diga meu nome.

Tang Shishi piscou e, depois de pensar bastante, perguntou hesitante:

— Zhao Chengjun?

O coração de Zhao Chengjun finalmente se acalmou. Pensou consigo que Tang Shishi se entregara a ele voluntariamente. Ele também lhe dera uma chance, mas ela não estava segura.

Ela não podia culpá-lo.

— Fique boa, deite. Tire o grampo do cabelo.

Tang Shishi ainda o olhava sem entender:

— Por quê?

Zhao Chengjun não resistiu e sorriu:

— Você vai entender logo.

Lá fora, havia chuva forte e trovões. O céu e a terra se uniam numa vasta névoa branca formada pela chuva. Liu Ji ficava de guarda do lado de fora, com a cabeça baixa, calmo e imóvel.

Com o tempo, a chuva foi diminuindo e o som das gotas caindo no beiral finalmente cessou. Zhao Chengjun vestiu sua roupa interna e suspirou, sem jeito, ao ver a marca de sangue em seu braço.

— Da próxima vez, vou cortar as unhas dela. E também mudar esse seu jeito sensível demais.

Zhao Chengjun se virou e viu que ela dormia tranquilamente atrás da cortina, parecendo bem comportada. Ele suspirou em segredo, pensando que seria bom se ela fosse assim o tempo todo.

Liu Ji esperava do lado de fora da porta. Quando viu Zhao Chengjun sair, não perguntou nada, apenas respeitosamente pediu ordens:

— Wangye, a chuva parou e as tropas estão prontas. Quer partir agora?

Zhao Chengjun olhou para o tempo. Apesar da relutância, respondeu:

— Antes cedo do que tarde. Passe a ordem para que eu lidere as tropas e partamos agora. Mande uma criada para trocar as roupas dela e chame um médico imperial para verificar seu pulso depois.

Liu Ji respondeu. Quis perguntar, meio hesitante, se deveria preparar uma sopa para evitar gravidez. Mas pensou que Wangye ainda não tinha filhos, então guardou para si.

De qualquer forma, Wangye não disse nada, então ela não teria que beber.

Zhao Chengjun não percebeu a pausa sutil de Liu Ji. Vestiu um manto carmesim enquanto andava e explicou:

— Cuide bem dela. Não conte nada para ninguém e espere eu voltar para organizar tudo.

— Sim, senhor.

Tang Shishi se mexia muito no sono. Parecia estar em um longo sonho, com fogo e chuva, lutando contra o frio às vezes e derretendo com o calor outras vezes. Depois, tudo se transformou em pura dor.

A dor era tão forte que Tang Shishi tentou se soltar várias vezes, mas não tinha para onde fugir. Depois, a dor cedeu, dando lugar a um formigamento tremulo, desconfortável e irritante. Ela foi torturada até chorar. No sonho, parecia implorar por misericórdia para alguém. Essa pessoa a consolava e prometia, mas não parava.

Tang Shishi estava tão furiosa em seu sonho. Sentia alguém se aproximando nos altos e baixos de sua consciência. De repente, abriu os olhos. A criada, que estava bem no meio de puxar a cortina da cama, assustou-se e agachou-se para cumprimentar Tang Shishi:

— Senhorita Tang, a senhorita acordou.

Tang Shishi apoiou-se lentamente e olhou para os móveis familiares, mas ao mesmo tempo estranhos, à sua frente, sem conseguir reagir por um bom tempo. Não fora dispensada por Zhao Chengjun? Por que estava aparecendo no gabinete?

Não estava certo, hoje era o Festival do Barco-Dragão. Ela deveria estar no Pavilhão Wangjiang! Foi então que Tang Shishi percebeu que suas roupas tinham mudado. Assustada, instintivamente cobriu o colo.

A criada notou sua ação e falou baixinho:

— Senhorita, a senhorita não acordou antes, por isso eu limpei seu corpo e troquei suas roupas internas. Senhorita, acha que as roupas não ficaram bem?

Tang Shishi ficou completamente atônita, seus olhos de damasco enormes. O brilho em seus olhos piscava, enquanto percebia que a situação mudava rapidamente.

O braço de Tang Shishi estava tão fraco que ela quase caiu na cama. A criada se assustou e apressadamente a amparou. Tang Shishi estava pálida, incapaz de acreditar no que havia feito.

Ela e Jing Wang? Isso, como poderia ser possível?

Os lábios de Tang Shishi tremiam levemente e ela perguntou:

— Onde está Wangye?

— Wangye liderou as tropas e partiu há meia hora.

Como esperado, era assim. Na última chance, Tang Shishi perguntou:

— Então, ele deixou alguma palavra?

A criada pensou por um instante e balançou a cabeça suavemente. Tang Shishi sentiu como se fosse atingida por água fria no rosto, até seus lábios ficaram pálidos. Ela baixou a cabeça e sorriu com amargura.

O que ela esperava que Zhao Chengjun deixasse? Lembrou vagamente do que aconteceu antes. Fora manipulada por Feng Qian e voltara para a mansão por puro acaso, ao invés de ser aproveitada por alguém lá fora. Tomara a iniciativa de se aproximar dele e, naturalmente, nenhum homem recusaria isso.

Zhao Chengjun provavelmente desprezava tal comportamento. Talvez achasse que ela agira de propósito.

Tang Shishi perdeu todas as forças e recostou-se no travesseiro, desapontada. Depois que o fôlego forte se dissipou, sentiu que todo o corpo doía, especialmente aquela parte, como se estivesse rasgada. Fechou os olhos, desanimada, pensando que até seu caminho para ser uma oficial feminina estava arruinado. Como criada, subir na cama do patrão sempre fora tabu.

Além disso, Zhao Chengjun era uma pessoa que estava tão cansada de ser usada por mulheres. Como ele reagiria ao voltar?

Tang Shishi não ousava imaginar. A criada a chamou várias vezes, mas Tang Shishi não respondeu. Do lado de fora da porta, Liu Ji ouviu o movimento, bateu e entrou, cumprimentando por trás da cortina:

— Senhorita Tang, a senhorita acordou?

Ainda a chamavam de senhorita, o que mostrava que ela não teria qualquer status afinal. Tang Shishi sorriu amargamente, esforçou-se para se animar, levantou-se apoiada na cama e cumprimentou:

— Liu Gonggong, perdoe-me...

Liu Ji e a criada ficaram chocados. A criada rapidamente a ajudou a levantar. Liu Ji tentou se desculpar por trás da cortina:

— Senhorita, não precisa. A senhorita não está sobrecarregando este velho, não é? A senhorita foi pega pela chuva no caminho. Antes de Wangye partir, ele me ordenou especialmente que lhe desse o decocto para afastar o frio. A senhorita deve tomar enquanto estiver quente.

A criada saiu e logo voltou com uma tigela de remédio. Tang Shishi olhou para a tigela do líquido negro com o coração iluminado.

Isso é uma sopa para evitar gravidez, certo? Sem dizer nada, Tang Shishi tomou o remédio e o despejou direto na boca. Liu Ji, vendo a pressa dela, temendo ser mal interpretado, acrescentou:

— Senhorita, não se preocupe. Este remédio é para febre tifoide, não fará mal ao seu corpo.

Ao ouvir isso, Tang Shishi teve ainda mais certeza: era mesmo a sopa para evitar gravidez. Liu Ji temia que ela não tomasse e até disse que era um remédio para doença.

Engraçado. Será que ela era tão tola assim?

A agilidade de Tang Shishi ao beber o remédio superava a imaginação de Liu Ji. Ele sentiu vagamente que a atitude dela não estava certa, mas não conseguiu perceber problemas e decidiu deixar pra lá, dizendo:

— Senhorita, os servos do lado de fora já foram avisados. Não precisa se preocupar em ser vista por ninguém quando voltar. Quer ir para o quarto agora ou esperar um pouco?

Até o trajeto estava organizado, mostrando o quanto Jing Wang não queria vê-la e nem que as pessoas soubessem. Quanto mais Tang Shishi pensava nisso, mais triste ficava. Com essa atitude, ela ainda poderia ficar com essa cara sem vergonha? Decidida, levantou-se imediatamente:

— Vou voltar agora.

Tang Shishi voltou para o pátio Jianjia com um manto enrolado. Dujuan ficou chocada ao vê-la com o cabelo solto e as roupas trocadas, mas Tang Shishi se recusou a dizer qualquer coisa. Estava pálida e com aparência extremamente cansada.

— Preparem água, quero tomar banho.

Todos haviam procurado por muito tempo no Pavilhão Wangjiang, mas ainda não encontraram Tang Shishi. Lu Yufei perguntou calmamente:

— Já verificaram todos os cantos? Ainda não encontraram onde ela está?

As criadas balançaram a cabeça com pesar. Feng Qian ficou ao lado com o rosto triste, enxugando as lágrimas:

— Foi tudo minha culpa. Se eu tivesse ficado de olho na irmã Tang, isso não teria acontecido.

O semblante de Lu Yufei estava péssimo, nada parecido com o bom humor de antes. Esse festival tinha sido realmente azarado. Choveu durante a corrida dos barcos-dragão. Foi difícil esperar até a chuva parar, mas Tang Shishi não aparecia.

Quando Lu Yufei ouviu a notícia, sentiu uma pontada no coração. Havia muitos oficiais influentes no Pavilhão Wangjiang naquele dia, uma mistura de bons e maus, além de muitos homens desconhecidos por perto. Isso não era bom para quem desaparecia com a aparência de Tang Shishi.

Quanto mais pensava, mais irritada ficava. Se fosse uma criada comum, não seria tão grave sumir — no máximo, seria entregue como favor a alguém. Mas o problema era que Tang Shishi era criada de Zhao Chengjun.

Tang Shishi tinha sumido, como Lu Yufei poderia assumir essa responsabilidade?

Enquanto Lu Yufei se preocupava, um jovem criado chegou e entregou uma carta, dizendo:

— Shizifei, Wangye partiu para a expedição hoje e Shizi voltou assim que a chuva parou. Shizi me mandou avisar que Shizifei pode voltar para a mansão sozinha. Não demore demais.

O rosto de Lu Yufei ficou sombrio. Com muitas criadas por perto, ela se conteve relutante:

— Sim, eu sei. Já que Shizi partiu, não podemos atrasar mais. Vamos agora.

— Shizifei, e a senhorita Tang...?

— Primeiro resolvam o urgente. Como não encontraram a senhorita Tang no Pavilhão Wangjiang, então voltem para a cidade e procurem por ela devagar. Não podemos atrasar a saída de Wangye por causa dela. Vamos.

Todos os servos concordaram em uníssono. Os olhos de Feng Qian ainda estavam úmidos quando ela seguiu o grupo, triste. Lu Yufei saiu do prédio com a arrogância de uma Shizifei, pensando que talvez não alcançassem Jing Wang se voltassem agora. A marcha para a guerra duraria pelo menos um ano e meio ou mais. Quando Jing Wang voltasse, meio ano depois, como ele ainda poderia se lembrar de Tang Shishi?


Nesse caso, o desaparecimento de Tang Shishi não seria considerado um grande problema. Lu Yufei suspirou aliviada. Ao pensar que a praga não apareceria mais na mansão, seu humor melhorou — até ser abandonada por Zhao Zixun não era nada.

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