Capítulo 71 a 75


 

Capítulo 71 – Desprezível


Depois que Lu Heng terminou de falar, ele observou a expressão de Wang Yanqing por um momento.

No início, Lu Heng havia capturado Wang Yanqing para negociar com Fu Tingzhou. Mas depois descobriu que ela havia perdido a memória e, movido por intenções nada nobres, fingiu ser seu Segundo Irmão.

Wang Yanqing era brilhante em detectar mentiras, então, para enganá-la, Lu Heng precisou primeiro enganar a si mesmo. Ele imaginou que havia uma irmã mais nova criada em sua casa e, aos poucos, foi preenchendo os detalhes dessa relação em sua imaginação. Aos poucos, Lu Heng ficou completamente imerso em suas próprias mentiras, como se de fato fosse irmão de Wang Yanqing.

Porém, uma farsa sempre será uma farsa. Quanto mais elaborada, mais vergonhosa se tornava ao ser desmascarada. Lu Heng não pensava no desfecho. Capturar Wang Yanqing era apenas um meio de se vingar de Fu Tingzhou. A reação de Wang Yanqing ao descobrir a verdade não estava nos seus cálculos. Contudo, durante o Festival de Shangsi, Wang Yanqing havia escondido Fu Tingzhou; no condado de Qixian, Fu Tingzhou a sequestrou; e não fazia muito tempo, os dois haviam confrontado um ao outro… O ciúmes crescente e o desconforto em Lu Heng o alertavam de que ele talvez já tivesse se envolvido mais do que deveria.

Seus sentimentos por Wang Yanqing ultrapassavam o fingimento e o uso estratégico. Mesmo se lembrando repetidamente disso, Wang Yanqing foi invadindo sua vida pouco a pouco. Depois de abrir uma exceção uma vez, vieram outras e mais outras. Ele se acostumou a ter alguém esperando por ele quando voltava para casa, oferecendo um guarda-chuva quando chovia, sorrindo para ele, chamando suavemente de “Segundo Irmão”.

Seria melhor se ela não me chamasse de Segundo Irmão, mas de outra coisa…

Ele não queria ver Wang Yanqing se aproximando de Fu Tingzhou, tampouco suportava imaginar que ela voltaria para o lado dele. Quando olhava para Wang Yanqing, esses pensamentos se aprofundavam. Lu Heng era um homem jovem, saudável e cheio de vigor, e logo percebeu que nutria sentimentos por Wang Yanqing — os mais primitivos e intensos sentimentos de amor e desejo que um homem sente por uma mulher.

Já se passavam quase duzentos anos desde o estabelecimento da Dinastia Ming, e várias gerações de imperadores haviam ocupado o trono. No entanto, o sangue de ferro do Imperador Hongwu havia se fundido no DNA da família Zhu, sendo transmitido de geração em geração. O mesmo valia para o sistema de oficiais civis e militares criado por ele, e para os Guardas Imperiais, uma força exclusiva da dinastia, que ainda seguia sob a rígida filosofia da sobrevivência do mais forte.

A Dinastia Ming era opressiva e feroz, rígida e poderosa. Lu Heng crescera em uma família de Guardas Imperiais, que conhecia de perto a escuridão da monarquia. Desde cedo, entendeu que era preciso decidir com cautela, mas agir com rapidez. Quem não atacava primeiro estava fadado a ser ovelha. Lu Heng era naturalmente desconfiado e cauteloso, mas, uma vez decidido, agia com determinação.

Ele era solteiro. Wang Yanqing também. Então, seriam um casal. E quanto a Fu Tingzhou… pouco importava sua opinião. Enquanto Wang Yanqing ainda estivesse sem memória, ele precisava agilizar tudo. Só esperava não ser tão azarado a ponto de Wang Yanqing recuperar a memória um dia antes da noite de núpcias.

Os assuntos da família Lu eram todos decididos por Lu Heng. Desde que ele gostasse, bastava escrever uma carta para sua mãe informando. Ela nem precisaria se preocupar com o banquete de casamento. A única questão que ele não conseguia controlar era Wang Yanqing. Afinal, no passado, ela tinha sentimentos profundos por Fu Tingzhou. Quando Lu Heng a testou em tom de brincadeira, ela demonstrou forte resistência à ideia de permanecer na família Lu.

Lu Heng realmente não entendia o que havia em Fu Tingzhou que merecesse tanta lealdade. Mesmo sem memória, ela ainda parecia fiel a ele, de forma instintiva. Lu Heng observou atentamente a reação de Wang Yanqing. Ela abaixou os olhos, tornando impossível ver seu olhar. Depois de uma pausa, disse:

— Segundo Irmão, isso é uma questão para a vida toda. Você não pode brincar com algo assim.

Lu Heng a encarou com firmeza e respondeu:

— Parece que estou brincando?

Sua presença era extremamente intensa, e mesmo com os olhos abaixados, Wang Yanqing sentia o olhar dele sobre si, invadindo-a completamente. Por um momento, ela ficou sem saber como reagir. Antes que conseguisse organizar os pensamentos, falou, quase por impulso:

— Porém… o Marquês de Zhenyuan vai se casar com uma jovem da Mansão do Marquês de Yongping. O Primeiro-Assistente Zhang, o Marquês de Wuding, e outros ministros têm seus próprios filhos. A relação entre os oficiais civis e militares é complexa. Como comandante dos Guardas Imperiais, casar-se não é algo simples.

Havia um grande abismo entre os oficiais civis e os militares. Embora desprezassem uns aos outros, casavam-se entre si para fortalecer alianças. Fu Tingzhou estava prestes a se casar com a sobrinha do Marquês de Wuding, e a neta do Primeiro-Assistente Zhang havia se casado com o herdeiro de outro alto oficial. Isso mostrava claramente como funcionava a teia de alianças.

Lu Heng era considerado uma força de equilíbrio entre esses dois grupos. Se se inclinasse para um dos lados, causaria um grande rearranjo na corte. Ela sabia que muitos na corte estavam de olho no posto de Senhora Lu. Casar-se traria inúmeras vantagens. Será que alguém tão racional como Lu Heng estaria disposto a abrir mão de tudo isso?

Agora, ele não se importava com essas coisas, mas e no futuro? Quando visse Fu Tingzhou e outros sendo ajudados por suas esposas influentes, com damas bem relacionadas prosperando no palco social, enquanto ele estivesse sozinho e tivesse que se virar em tudo… será que não se sentiria ressentido?

Wang Yanqing não ousava apostar no coração de um homem. Em vez de se verem com repulsa no futuro, preferia nem dar esse passo, e manter uma lembrança decente um do outro.

O tom de Wang Yanqing parecia uma recusa, mas Lu Heng soltou um suspiro de alívio ao ouvi-la. Era um bom sinal que ela estivesse considerando as dificuldades objetivas, em vez de rejeitar diretamente. Lu Heng só temia que ela não estivesse disposta. Desde que não dissesse “não”, ele poderia resolver qualquer problema.

Lu Heng perguntou:

— Qing Qing, por que você acha que a maioria das concubinas desta dinastia vem do povo comum, e tão poucas filhas de altos oficiais são escolhidas?

Wang Yanqing sabia que isso era uma regra criada pelo Imperador Hongwu:

— Para evitar que o harém interfira na política.

— Não completamente — respondeu Lu Heng. — O Imperador Hongwu era… alguém de opiniões firmes. Em sua visão, apenas a família Zhu tinha o direito de escolher, e os outros não tinham o direito de escolher os Zhu. Oficiais, duques, marqueses… todos estavam proibidos de selecionar. Assim, apenas mulheres inteligentes, belas e gentis conseguiam subir. Cada imperador podia escolher o tipo que mais gostasse. Do ponto de vista de Hongwu, como eles já eram os supremos, que sentido fazia escolher uma esposa só pela aparência?

Depois de dizer isso, Lu Heng tossiu de leve. Sabia que era meio vulgar dizer “dormir com uma mulher” na frente de uma jovem solteira, mas no fim, era esse o ponto. Enquanto ele não se envergonhasse, quem se envergonhava era o outro. Lu Heng olhou para Wang Yanqing com naturalidade e concluiu:

— Quando jovem, acompanhei a Mansão do Príncipe Xing e estudei com atenção os preceitos deixados por Hongwu. Acredito que suas palavras são um padrão. Extremamente razoáveis.

Lu Heng sabia que não era uma boa pessoa, mas ainda possuía certos princípios. Ele realmente se concentrava no poder, mas o que gostava era da jornada até o topo — não do prestígio, riqueza ou autoridade em si. Ele corria pelos corredores dos Guardas Imperiais, sempre pensando em como se proteger, como armar contra os outros. Tudo isso para viver com mais liberdade, sem depender de ninguém.

Foi raro encontrar alguém com quem pudesse relaxar. Por que deveria abrir mão dessa mulher única por alguns “benefícios” superficiais?

Havia muitas jovens nobres na capital, mas apenas Wang Yanqing despertava nele o desejo de vencer, de possuir, de arriscar-se por um casamento. Agora que finalmente tinha alguém a quem pertencer, o que estaria fazendo ao se casar com uma mulher que não amava, só para ter o apoio do pai ou irmão dela? Dormir com ela apenas para gerar filhos? Mesmo que Lu Heng não tivesse limites, isso era algo que ele não faria.

Se ele conseguiu manter-se solteiro por tanto tempo para ter uma vida mais confortável, então também poderia superar todos os obstáculos por alguém que amasse. E, aliás, os obstáculos que preocupavam Wang Yanqing… não eram nada.

Desde os doze anos, ninguém na família Lu tomava decisões por ele — e sua esposa também não deixaria ninguém ditar suas escolhas. Quanto ao imperador, Lu Heng não se preocupava. Se se casasse com Wang Yanqing, isso equivaleria a abrir mão do poder da família da esposa, não se alinhar com nenhuma facção, e ainda ofender para sempre as famílias de Fu Tingzhou e Guo Xun. No futuro, só poderia contar com o imperador.

E justamente por isso, o imperador o usaria com mais confiança. E Lu Heng não precisaria se preocupar com sogros idiotas o arrastando para o fundo do poço.

Se houvesse algo complicado no momento… seria apenas a própria morte de Lu Heng. Isso, sim, era difícil de resolver.

Se uma mentira era contada, inúmeras outras teriam que ser criadas para sustentá-la. Lu Heng já havia passado do ponto sem retorno. Ele não podia contar a verdade para Wang Yanqing. O que ele diria? Que, na verdade, ele era Lu Heng, não seu irmão, mas o homem que a enganou desde o início? Que fingiu ser um bom irmão próximo, quando na realidade, só a viu pela primeira vez naquele dia?

Talvez Wang Yanqing o esfaqueasse sem hesitar e corresse direto de volta para os braços de Fu Tingzhou. Pensando bem, Lu Heng decidiu que o melhor era continuar com a desfaçatez até o fim. Já era tarde demais para voltar atrás, então lidaria com a questão da amnésia aos poucos.

As palavras de Lu Heng haviam chegado a um ponto em que o significado não podia ser mais evidente. Wang Yanqing ficou com o semblante frio ao ouvir aquilo — dormir com uma mulher?

Ele queria mantê-la ao seu lado, mas só por cobiça por sua aparência e seu corpo, e não queria deixá-la casar com outro homem? Em resumo, era apenas possessividade.

No entanto, Wang Yanqing não conseguia definir exatamente o que ela própria sentia. Era órfã e, graças à família Lu, fazia até sentido que se casasse com o irmão adotivo ao atingir a idade certa. Desde que acordou, passou a maior parte do tempo ao lado de Lu Heng. Sabia o quanto ele era inteligente, forte, competente — e, o que era raro, cuidadoso com ela. Tanto como irmão quanto como homem, ele era perfeito. Sentia-se segura e à vontade com ele e, em seu íntimo, achava que seria bom viver assim para sempre.

Mas quando Lu Heng trouxe novamente à tona o assunto do casamento, Wang Yanqing hesitou. Não rejeitava a ideia de viver com o Segundo Irmão, mas sentia que algo estava errado, como se uma decisão dessas não devesse ser tomada tão rapidamente.

Lu Heng percebeu que Wang Yanqing estava hesitando. Não queria ouvir uma recusa, então a interrompeu antes que ela dissesse algo:

— Qing Qing, não considere fatores externos. Só precisa pensar se você está disposta ou não.

Os olhos de Lu Heng estavam firmes, o tom era calmo, e ele parecia seguro da vitória. Inexplicavelmente, Wang Yanqing sentiu pena do Segundo Irmão. Baixou os olhos e disse:

— Eu não sei.

Lu Heng xingou em silêncio. Por que fui fazer essa pergunta? Agora recebo um "não sei"... Ainda assim, manteve o sorriso e perguntou suavemente:

— Qing Qing, você tem alguém de quem gosta agora?

Wang Yanqing abaixou a cabeça e não respondeu. Lu Heng estendeu a mão e ergueu seu queixo, não permitindo que ela se escondesse. Perguntou novamente:

— Qing Qing, você tem alguém de quem gosta?

Wang Yanqing foi forçada a levantar o rosto. Olhou para ele com olhos arregalados, pupilas como as de um cervo, e balançou a cabeça de maneira confusa e inocente. Lu Heng suspirou aliviado em silêncio, pensando que, felizmente, ela balançou a cabeça — se ela tivesse dito um nome, com certeza mandaria um Guarda Imperial assassinar esse homem.

Lu Heng perguntou novamente:

— Tem algo na família Lu de que você não goste?

Dessa vez, Wang Yanqing balançou a cabeça com mais firmeza ainda. Lu Heng então disse:

— Então está decidido. Você não tem alguém de quem goste, e não odeia viver com a família Lu. Isso significa que está disposta. De qualquer forma, o luto ainda vai durar bastante tempo. Você pode pensar com calma e, quando tiver certeza, venha me procurar. O resto eu resolvo, você não precisa se preocupar com nada.

Lu Heng fez uma pausa e então acrescentou:

— Mas espero que, enquanto estiver pensando, me coloque em primeiro lugar. Assim evitamos novos mal-entendidos caso algum homem tente te enganar novamente.

Ao ouvir isso, Wang Yanqing se apressou em explicar:

— Segundo Irmão, eu não queria ir com o Marquês de Zhenyuan hoje. Eu só queria testar se o que ele disse era verdade.

— Oh? — Lu Heng perguntou lentamente. — E conseguiu testar?

— Ele mentiu para mim. — Wang Yanqing afirmou com firmeza, o rosto frio. — Um homem que nem sequer tem coragem de dizer a verdade é simplesmente desprezível. De agora em diante, não importa o que ele diga, eu não vou acreditar.

Wang Yanqing estava se referindo a Fu Tingzhou, mas Lu Heng ficou em silêncio. Após um momento, perguntou de forma casual:

— E se ele dobrar os esforços para tentar se redimir?

— Aí é problema dele. De qualquer forma, eu não confio mais em alguém tão desprezível.

As palavras de Wang Yanqing foram firmes e decididas. Isso mostrava que era o que ela realmente pensava. Lu Heng sorriu, mas seus olhos ficaram silenciosos.

Wang Yanqing aplicou o remédio em Lu Heng e refez os curativos. Durante esse tempo, os dois permaneceram em silêncio. Wang Yanqing o observou discretamente e percebeu que ele estava absorto em pensamentos, com uma expressão distante. Era a primeira vez que alguém a pedia em casamento pessoalmente — inicialmente, sentiu-se envergonhada. Mas ao ver Lu Heng distraído, seu ânimo se apagou. Silenciosamente, guardou a caixa de remédios, fechou-a, e então se lembrou de algo. Hesitante, perguntou:

— Segundo Irmão, eu fui impulsiva hoje. O Marquês de Zhenyuan está bem?

Lu Heng estava justamente pensando no que faria quando ela descobrisse a verdade, e ao ouvir o nome de Fu Tingzhou, seu olhar mudou na hora. Ele estreitou os olhos e perguntou:

— Você ainda está pensando nele?

Wang Yanqing respondeu:

— Afinal de contas, fui eu quem o feriu. E se algo acontecer...

— Ele está bem. — Lu Heng cortou friamente. — E mesmo que não estivesse, mereceu. Por que você está com pena dele?

Wang Yanqing ainda assim suspirou. Não se arrependia de tê-lo esfaqueado e estava disposta a arcar com todas as consequências. Mas temia que Lu Heng fosse envolvido. Afinal, Fu Tingzhou era um marquês. Se a família Fu aproveitasse a situação para acusá-lo, o Segundo Irmão ficaria em meio a uma tempestade — não seria um problema?

Lu Heng percebeu claramente que Wang Yanqing estava preocupada com outro homem. Era ofensivamente óbvio. De repente, estendeu o braço e puxou Wang Yanqing para seus braços. Ela foi arrastada sem aviso, e com medo de acertar o ferimento dele, tentou se esquivar:

— Segundo Irmão!

Ouvir esse título naquele momento foi como jogar lenha na fogueira. O braço direito de Lu Heng acabara de ser enfaixado, e as mangas ainda estavam soltas. Seu braço envolvia a cintura de Wang Yanqing, e sua mão a cobria com facilidade. Quando ela se mexeu um pouco, os dedos dele apertaram com perigo:

— Não se mexa.

Sentindo o perigo, Wang Yanqing parou, rígida. Ela estava encostada no peito de Lu Heng, e ele podia envolvê-la por completo com apenas um braço. As roupas de verão eram finas, e Lu Heng podia sentir claramente a cintura esguia e macia sob sua mão, o perfume fresco de seu corpo, e as curvas tensas e levemente trêmulas ao seu lado.

Lu Heng deslizou a mão pela cintura de Wang Yanqing, e Wang Yanqing especialmente sentiu que, dessa vez, era diferente das anteriores. Com a voz tensa, ela disse:

— Segundo Irmão?

Lu Heng apertou a cintura dela como punição e disse:

— Não gosto que pense em outro homem quando está ao meu lado.

Wang Yanqing se sentiu profundamente injustiçada:

— Eu não pensei, Segundo Irmão...

Antes que ela terminasse de falar, Lu Heng a beliscou de novo:

— Como foi que me chamou?

Wang Yanqing achou aquilo simplesmente irracional. Ela sempre o chamara de Segundo Irmão, qual era o problema? Ela apertou os lábios e disse:

— O Segundo Irmão está acostumado a agir como comandante. É por isso que está implicando comigo de propósito? Eu perguntei sobre o Marquês de Zhenyuan porque estava com medo de causar problemas para você, quis apenas te lembrar. Por que ainda está me culpando?

— Você tem coragem, hein. Se atreve a me provocar agora?

— Eu só estou dizendo a verdade. Se você cometeu uma injustiça, as pessoas não podem nem buscar justiça?

Lu Heng assentiu lentamente:

— Muito bem, então eu vou te mostrar o preço da justiça.

Ele segurou o queixo de Wang Yanqing e, de repente, mordeu seus lábios. A intenção inicial era assustá-la, mas ao tocar naquela cereja suave como jade, Lu Heng não teve mais vontade de soltá-la. Seus braços a apertaram cada vez mais, tentando saquear o brilho escondido no fundo do coração dela. Wang Yanqing foi forçada a se inclinar para trás e acabou caindo no colo de Lu Heng. Ao ver a mão dele descendo aos poucos, Wang Yanqing, apressada, mordeu o lábio dele. Enquanto Lu Heng relaxava por reflexo, ela rapidamente se soltou, apoiou as mãos no peito dele e disse:

— Irmão, seu braço ainda está ferido.

Lu Heng não tinha planejado cruzar essa linha, mas ouvir ela o chamar de Segundo Irmão o irritava tanto que parecia impossível dissipar o ressentimento sem agir — mesmo que esse Segundo Irmão tivesse sido um título que ele próprio aceitara. Agora, Wang Yanqing estava deitada sob ele, chamando-o de irmão, sem fôlego. Seus olhos estavam úmidos e brilhantes, cheios de nervosismo, e a raiva inexplicável no coração de Lu Heng dissipou-se de repente.

Ele se inclinou e mordeu de leve o lábio inferior dela:

— Não tem problema se doer.

Ao ver que a cintura de Wang Yanqing se retesou novamente, Lu Heng deu uma risada baixa, encostou a testa na dela e perguntou:

— Ainda está se sentindo injustiçada?

Wang Yanqing balançou a cabeça rapidamente, os olhos e os gestos cheios de pânico. Lu Heng suspirou com certo pesar e disse:

— Então vou te deixar ir por agora. Só dessa vez.

Lu Heng lutava para resistir ao impulso de permanecer ali e lidar com o desejo crescente. Há pouco, ele pensava que, agora, já era tarde demais para qualquer coisa — uma vez que ela fosse dele, mesmo que recuperasse a memória, não teria como partir. Mas esse tipo de vitória era vazia, e o fraco senso de moralidade que ainda lhe restava lembrava que ele não podia fazer isso.

No fim, ele conseguiu se conter com muito esforço. Quando abaixou os olhos, viu Wang Yanqing deitada em seu colo, olhando para ele em segredo pelo canto dos olhos, com os lábios ainda vermelhos. Lu Heng pensou consigo mesmo que ela realmente não fazia ideia do perigo que era um ser humano — especialmente um homem. Ele acariciou o pescoço de Wang Yanqing com os dedos, deslizando lentamente pela pele frágil:

— E então? Ainda acha que estava certa?

Wang Yanqing teve a ousadia de perguntar:

— E onde foi que eu errei?

Lu Heng pensou por um momento e inventou algo:

— Você já concordou em considerar seriamente se tornar a Senhora Lu pelos próximos dois anos. Ainda me chama de Segundo Irmão... e se as crianças ouvirem isso no futuro e entenderem tudo errado?

O rosto de Wang Yanqing ficou imediatamente vermelho como sangue, e ela o fulminou com o olhar. De onde ele tirou essa ideia de crianças?! Wang Yanqing, de propósito, tentou provocá-lo:

— Então não posso te chamar de Comandante, certo?

— Tem que haver outro jeito, pense de novo.

Wang Yanqing franziu o cenho, tentando pensar em como mais poderia chamá-lo. Não podia dizer Segundo Irmão, ele não queria ser chamado pelo título oficial, e chamá-lo pelo nome era impensável. Será que ele quer que eu o chame de "Irmão Heng"? Isso era piegas demais. Wang Yanqing tinha quase certeza de que Lu Heng queria exatamente isso. Só de imaginar falar assim na frente de Ling Xi e os outros, seu couro cabeludo formigava de vergonha. Ela mordeu o lábio, segurou o braço que não estava ferido de Lu Heng e o sacudiu levemente:

— Irmão...

Seus olhos estavam úmidos, sua voz um pouco rouca, e ela parecia extremamente frágil. O coração de Lu Heng amoleceu sem que percebesse. Tanto faz, ele pensou. Embora ainda não conseguisse se separar completamente de Fu Tingzhou, ao menos já não era mais apenas o substituto dele. Lu Heng suspirou e cedeu:

— Tá bom, você que sabe.

Wang Yanqing finalmente pôde respirar aliviada e rapidamente se levantou do colo de Lu Heng. Depois de toda aquela agitação, seus cabelos estavam soltos e o coque pendia para trás da cabeça. Sua presilha de jade verde-esmeralda estava quase caindo — como uma begônia adormecida na primavera, provocando desejo e ternura. Wang Yanqing não percebera nada enquanto estava deitada, mas ao sentar-se sob a luz, viu um leve rastro de sangue no canto da boca de Lu Heng, que devia ter sido causado por ela. Sentiu tanta vergonha que não ousou permanecer mais ali. Saltou da cama apressadamente e disse:

— Está tarde, vou voltar agora. Irmão, cuide-se.

Ao terminar de falar, saiu correndo sem sequer olhar para trás.

A bela mulher era, de fato, linda, mas também muito tímida — fugiu como um coelhinho assustado, sem prestar atenção, deixando apenas um quarto cheio de sua fragrância. Lu Heng ficou olhando para as chamas tremulantes das velas por um bom tempo e suspirou baixinho.

Ele sabia que seu comportamento era desprezível, mas não largaria o que queria — fosse uma mulher, fosse um cargo.

Só lhe restava se tornar ainda mais desprezível.

Capítulo 72 – Promoção



No vigésimo oitavo dia do sexto mês, o Palácio de Weihui pegou fogo. Naquele momento, as chamas iluminaram metade do céu e podiam ser vistas da capital da província, a centenas de milhas de distância. Só ao amanhecer é que esse incêndio estranho foi finalmente controlado, restando apenas algumas chamas esparsas.

Essa noite poderia ser descrita como uma de perdas pesadas. Muitos soldados acompanhantes, eunucos, concubinas e damas da corte morreram no mar de fogo, além da perda incalculável de propriedades. No entanto, esse não foi o problema mais grave. O mais sério mesmo foi que o imperador quase morreu preso pelas chamas.

Assim que os oficiais em Henan ouviram a notícia, imediatamente sentiram que suas vidas estavam por um fio. O céu escureceu diante do Monarca Zhu de Weihui e ele quase desmaiou naquele instante.

Os funcionários locais tremiam, e os funcionários de Pequim que os acompanhavam também estavam desconfortáveis. O imperador havia sofrido uma catástrofe tão grande que o itinerário originalmente planejado, naturalmente, foi cancelado, e todos permaneceram no Palácio de Weihui. Depois que o imperador foi resgatado do fogo, o Primeiro-Ministro Zhang, Chen Yin, o Marquês de Wuding, o Duque Cheng e outros permaneceram de vigília a noite toda em frente ao palácio, mas o imperador ainda não havia aparecido no dia seguinte. A imperatriz Zhang jantou à portas fechadas e foi mandada de volta sem nem ver o rosto do imperador.

Quando os oficiais perceberam que o imperador demorava a aparecer, não puderam deixar de se sentir inquietos. Mesmo alguém tão prudente como Yan Wei não conseguiu conter a curiosidade e começou a buscar informações. Mas agora nem as concubinas tinham permissão para entrar — os únicos que podiam ver o imperador eram os eunucos e Lu Heng.

Sem falar dos eunucos, se Lu Heng conseguiu se infiltrar nesse grupo, não seria o caso de ele fazer uma autorreflexão?

Felizmente, o imperador não permitiu que as especulações externas durassem muito tempo. No terceiro dia após o incêndio, ele finalmente convocou os oficiais.

Durante esses três dias, as notícias de que Lu Heng havia resgatado o imperador se espalharam por todo o país. Os oficiais correram para enviar remédios a Lu Heng. O eunuco também foi muito prestativo e trouxe o melhor unguento contra queimaduras do Hospital Imperial.

Lu Heng recusou visitas e rejeitou qualquer um que tentasse sondar informações ou formar alianças. Exceto pelas verificações no palácio, ele passou o restante do tempo em seu pátio para “tratar os ferimentos”. Wang Yanqing viu os ferimentos com os próprios olhos naquela noite, ficou muito preocupada e insistiu em aplicar os remédios e enfaixá-lo.

Claro, isso era exatamente o que Lu Heng queria. Seu maior ferimento era no braço, mas outras partes do corpo também haviam sido atingidas por fagulhas, então, se quisesse aplicar o medicamento direito, precisaria tirar a roupa. Desde que Lu Heng conversara com Wang Yanqing, estava cada vez menos disposto a se conter. Ao tratar os ferimentos, não resistia em abraçá-la e acariciá-la. Estava sendo tratado com os melhores remédios e tinha uma bela mulher em seus braços para consolá-lo. Lu Heng estava de ótimo humor, e sua recuperação foi rápida. Quando foi ver o médico no terceiro dia, seus movimentos já não estavam mais limitados.

Lu Heng correu até o palácio provisório e, ao entrar, deu de cara com Fu Tingzhou. Lu Heng sorriu para ele e tomou a iniciativa de cumprimentá-lo com um leve aceno de cabeça:

— Marquês de Zhenyuan.

Seu tom era tranquilo, parecia muito humilde, mas ele permanecia parado diante do portão do palácio, sem dar passagem. O eunuco que os guiava ficou um pouco constrangido, e Fu Tingzhou, com frieza, recuou e disse com indiferença:

— Ah, é o Comandante Lu. Comandante, por favor.

Lu Heng não fez cerimônia e seguiu na frente, como se merecesse mesmo estar ali. Quando os dois pararam em frente ao portão, aguardando o anúncio do eunuco, Lu Heng lançou um olhar casual para Fu Tingzhou e perguntou com um tom aparentemente preocupado:

— As ações do Marquês de Zhenyuan parecem um pouco limitadas. O Marquês se feriu? Foi grave?

Fu Tingzhou soltou um leve grunhido e curvou os lábios, sem sorrir:

— Fui mordido por um cachorro raivoso, mas nada grave. Agradeço a preocupação, Comandante Lu.

— Que bom que não foi grave. — Lu Heng parecia não perceber a insinuação e sorriu despreocupadamente. — Marquês de Zhenyuan, deveria tomar mais cuidado da próxima vez. Se houver outra ocasião, talvez não tenha a mesma sorte. Afinal, o Marquês é uma estrela em ascensão. Se acabar ferido e não puder ir para o campo de batalha, será uma grande perda para a corte.

As palavras de Lu Heng atingiam diretamente os pontos sensíveis de Fu Tingzhou. Ele rangeu os dentes em silêncio e tentou se convencer a não se importar com vilões. Mas todos sabiam que Lu Heng estava ferido, e como ele mesmo tomou a iniciativa de perguntar, se Fu Tingzhou não respondesse, pareceria evasivo.

Engolindo o desconforto, Fu Tingzhou perguntou:

— O Comandante Lu esteve em repouso nesses dias, e achei inconveniente incomodá-lo. Como estão os ferimentos do Comandante?

O sorriso de Lu Heng se aprofundou. Com um leve brilho nos olhos, ele olhou diretamente para Fu Tingzhou:

— Nada sério. Mas a pessoa ao meu lado ficou preocupada e insistiu em cuidar da minha recuperação. Não tive coragem de contrariá-la, então precisei recusar visitas.

Fu Tingzhou ficou atônito por um momento e imediatamente entendeu a quem Lu Heng se referia com “a pessoa ao meu lado”. Sua raiva cresceu e seus ferimentos voltaram a arder. Lu Heng, esse desgraçado. Estava mesmo se perguntando por que Lu Heng havia perguntado sobre seus ferimentos — no fim, aquele fingimento todo era só para emboscá-lo com essa provocação.

Fu Tingzhou manteve os olhos à frente, sem querer olhar para Lu Heng, mas os músculos de seu corpo se retesaram e a dor no abdômen voltou a latejar. Lu Heng tinha passado a manhã abraçado com Wang Yanqing “em recuperação”, e agora, depois de atingir Fu Tingzhou em cheio, sentia-se renovado e satisfeito, de corpo e alma.

Deixe esse desgraçado sentir de novo a escolha de Qing Qing. E isso é só o começo. Fu Tingzhou tentou levar Qing Qing embora três vezes, e eu me lembro de cada uma. Quando essa turnê pelo sul acabar, vamos acertar todas essas contas.

O eunuco saiu do salão e viu o Mestre Lu e o Marquês de Zhenyuan parados à esquerda e à direita, ambos olhando para frente. O Mestre Lu tinha um sorriso contido nos olhos, enquanto o Marquês de Zhenyuan exibia um rosto frio e sério. Estavam separados apenas por meio braço de distância, e mesmo com as expressões controladas, parecia haver milhares de soldados entre eles, com vento, geada e espadas cortando o espaço entre os dois.

Assim que o eunuco entrou, um arrepio percorreu seu corpo com o cheiro de pólvora no ar. Ele sacudiu a cabeça para afastar devaneios e sorriu:

— Comandante Lu, Marquês de Zhenyuan, por favor, entrem.

Quando Lu Heng e Fu Tingzhou entraram, já havia pessoas esperando no interior. O Ministro Zhang virou-se e, ao vê-los, seu rosto se esfriou ligeiramente. Seu olhar parou em Lu Heng por um momento. Xia Wenjin mantinha o pescoço ereto, olhos fixos à frente, com uma postura rígida de quem trata de assuntos de governo e exército. Apenas Yan Wei sorriu e os cumprimentou:

— Comandante Lu, Marquês de Zhenyuan.

Lu Heng retribuiu o cumprimento. Uma vez lá dentro, não era mais possível falar à vontade. Ele permaneceu imóvel, olhos no chão, atento às rachaduras entre os ladrilhos. A barra de sua túnica de peixe voador não tremia nem um pouco. Pouco depois, ouviram-se passos do lado de fora, e o eunuco trouxe o Marquês de Wuding, o Duque Cheng e Chen Yin.

Várias figuras importantes já estavam presentes. Depois de mais um momento, uma figura entrou no salão. Todos se curvaram juntos. Lu Heng manteve os olhos baixos, mas observou tudo pelo canto do olho. O imperador havia trocado para roupas normais e se sentava em seu lugar. Parecia bem, embora pálido — deve ter se assustado bastante. Tao Zhongwen estava ao seu lado, era ele quem o havia acompanhado pouco antes.

Todos se sentiram aliviados ao ver que o imperador estava bem, sem ferimentos graves ou rosto desfigurado, como muitos haviam imaginado. Mas mal esse pensamento surgiu, já ficaram tensos de novo.

Alguém como o imperador, de coração forte e aparência refinada, foi aterrorizado por um incêndio. Quando se recuperar, será que sobrará alguma coisa para nós?

Lu Heng se sentia aliviado por ter saído para investigar o caso naquele momento. Não estava no palácio e só voltara no dia do incêndio. Por mais que tentassem achar culpados, ele estaria a salvo. Permaneceu sereno, apenas esperando. No fundo, ainda suspeitava de Tao Zhongwen. Ele dissera que um incêndio dos céus era inevitável — e naquela mesma noite, o fogo começou. Não era coincidência demais? Mas Tao Zhongwen apareceu hoje em boas condições e teve uma conversa particular com o imperador antes disso. Isso mostrava que ainda ocupava um lugar no coração do imperador.

O imperador não era tolo — se ousava usá-lo, era porque não havia problema. Se Lu Heng não foi incumbido de investigar, então foi o Departamento do Leste quem conduziu a apuração.

Talvez Tao Zhongwen fosse apenas realmente sortudo. Fingiu-se de misterioso, disse umas palavras ambíguas, e no fim… aquilo realmente aconteceu. Lu Heng não era estúpido. Não importava se o incêndio tinha ou não relação com o sacerdote taoísta — o imperador sequer respondeu. O que foi que eu fiz para despertar a desconfiança dele?

Nem mesmo Lu Heng sabia.

O imperador pigarreou e, finalmente, falou:

— Três dias atrás, tive um sonho.

Todos os ministros suspiraram aliviados ao ouvirem isso. Desde que o imperador os reunira ali, ele ainda não havia mencionado nada sobre seu sono, o que indicava que havia um mistério no sonho. E, de fato, o imperador continuou:

— No meu sonho, vi uma deusa descendo das nuvens em meio a uma luz gloriosa, montada em uma fênix vermelha. Ela disse que era Xuan Nu, e que havia descido à terra para conceder três volumes de escrituras celestiais. Também falou que havia, no céu, uma espada que fora roubada e obtida por um traidor. No entanto, como esse patife não era predestinado, não conseguiu revelar o verdadeiro poder da espada — e, felizmente, nenhuma catástrofe aconteceu. Agora, Xuan Nu recuperou a espada e a devolveu ao seu lugar legítimo no céu.

Xuan Nu (九天玄女) é uma deusa da mitologia chinesa antiga, muitas vezes retratada como uma entidade justa que auxilia heróis a erradicarem o mal.

Se o imperador não abrisse a boca, tudo bem. Mas uma vez que falava, levava o assunto diretamente ao nível dos deuses. Por um momento, todos ficaram em silêncio. O Conselheiro-Chefe, Zhang Jinggong, tentou dizer algo:

— Xuan Nu é a Deusa da Guerra. Receber um Bingfu dela é, de fato, uma bênção. Do que tratavam esses três volumes das escrituras celestiais?

Bingfu (兵符) eram símbolos utilizados na antiguidade para transmitir ordens militares ou mobilizar tropas.

— Tratavam das Três Casas e Cinco Intenções, do Esboço do Yin e Yang, e do Método Antigo de Adivinhação Chinesa. Não consigo lembrar do restante, apenas recordo um trecho sobre como romper formações militares.

Mesmo os poucos eruditos presentes pareciam confusos, sem entender exatamente o que o imperador pretendia. Tao Zhongwen, que estava de pé abaixo do trono, falou no momento certo:

— Xuan Nu é o espírito do céu e da terra, a essência do Yin e Yang. Os deuses possuem poder e formas ilimitadas — são os condutores de todas as verdades. Foi Xuan Nu quem ensinou ao Imperador Amarelo a Formação dos Cinco Elementos e o ajudou a conquistar a China. Agora, ela concedeu ao Imperador a Arte da Guerra em um sonho. Isso prova que Vossa Majestade cumpre a vontade celestial e recebe grande auxílio. Mas não entendo por que Xuan Nu mencionou que a espada foi obtida por um traidor?

O imperador não revelou quem teria confiscado os pertences de Xuan Nu. Limitou-se a descrever a aparência da espada. Ao ouvir isso, os servidores civis talvez não entendessem, mas o Marquês de Wuding, o Duque Cheng e Fu Tingzhou — que lidavam com armas há anos — já haviam compreendido.

A Espada Celestial... não era essa a que Tang Sai’er dizia ter recebido dos céus, naquela época?

Fu Tingzhou captou vagamente a intenção do imperador, mas não compreendia por que ele escolheu dar tamanha volta. O imperador insistia em dizer que os deuses lhe apareceram em sonhos e ainda fazia questão de compor a narrativa com detalhes. Por que envolver a Lótus Branca nisso?

Subitamente, um lampejo cruzou a mente de Fu Tingzhou, como se tivesse entendido algo, e ele olhou de lado. Lu Heng permanecia olhando para o chão, os cílios lançando sombras sobre os olhos, com uma expressão demasiadamente indiferente.

Fu Tingzhou parecia ter captado algo, mas antes que pudesse montar o quebra-cabeça, Tao Zhongwen franziu a testa e revelou a trama com um olhar de aparente surpresa:

— A pessoa na história de Xuan Nu… seria Tang Sai’er, a líder da Lótus Branca?

O imperador suspirou:

— Nem eu quis acreditar, mas os detalhes do sonho eram vívidos. Xuan Nu também disse que os itens foram retirados de uma caverna em Lingshan. Achei esse lugar muito estranho. Lu Heng.

Lu Heng deu um passo à frente, abaixou os olhos e uniu os punhos em saudação:

— Aqui estou.

— Leve uma equipe até esse lugar e veja se consegue encontrar a caverna mencionada por Xuan Nu.

— Sim.

Depois de uma longa história e uma boa dose de bajulação, o Conselheiro-Chefe já entendia o que o imperador queria fazer. O imperador falara tanto apenas para afirmar o seguinte: Xuan Nu ensinou a Arte da Guerra ao Imperador Amarelo, o soberano legítimo da China. Agora, o atual imperador teve o mesmo sonho — significando que os céus também o reconheciam como legítimo. Se os deuses aprovam, que direito têm os outros de reclamar?

Xuan Nu ensinou o método de romper formações, capaz de conter os soldados de papel usados por Tang Sai’er. Como o imperador ainda não podia “invocar” uma espada mágica, afirmou que a espada fora devolvida ao céu por Xuan Nu. Isso não apenas mostrava que a Lótus Branca era ilegítima, como também encerrava qualquer possibilidade de alguém explorar o desaparecimento de Tang Sai’er. Mais importante ainda: servia para validar o trono de Yongle e Jiajing.

Quanto ao motivo de ter escolhido a Lótus Branca… isso cabia a Lu Heng. Afinal, o imperador vivia cercado por eunucos e ficava no palácio o tempo todo. Como saberia da existência de uma caverna numa montanha qualquer?

Zhang Jinggong entendeu: Lu Heng havia recebido uma ordem militar em público para resolver o caso em três dias. O incêndio aconteceu justamente no terceiro dia. Ao perceber que nada fora anunciado, Zhang achou que a investigação havia fracassado. Mas, ao que parece… Lu Heng havia conseguido.

E ainda deu ao imperador a melhor saída possível.

Essa nova geração é mesmo assustadora.

Lu Heng aceitou a ordem sob o olhar de todos, cada um com seus próprios pensamentos, e recuou calmamente à sua posição. Com certeza encontraria a montanha, já que havia entregue a informação no dia anterior.

Depois de desmascarar Cheng Youhai e Tao Yiming, Lu Heng procurou as minas de ouro sem descanso e finalmente enviou seu relatório. O imperador, satisfeito, criou toda essa história para justificar a origem do “dinheiro dos céus”.

Por que o imperador esperou até hoje para reunir os oficiais? Parte foi o choque com o incêndio, mas outra parte foi aguardar que os assuntos por debaixo da mesa fossem resolvidos. O imperador não podia dizer que os oficiais da Mansão Weihui estavam envolvidos em sequestros e tráfico de pessoas — isso abalaria a autoridade do governo. Nem podia afirmar que colaboravam com a Lótus Branca — daria munição aos rebeldes. Depois de refletir, concluir que tudo veio de um sonho parecia a opção mais segura.

Quando Lu Heng fosse procurar o milagre de Xuan Nu, coincidentemente encontraria os desaparecidos. Assim, todos os crimes recairiam sobre a Lótus Branca. O imperador ganharia fama, fortuna, desmantelaria a retaguarda da seita e ainda reforçaria a imagem do governante da dinastia Ming. Um plano de múltiplos ganhos.

Quanto a se o povo acreditaria nisso ou não… o imperador confiava na inteligência dos seus súditos.

Torcendo a barba, Tao Zhongwen suspirou:

— Que sorte presenciar um milagre desses em vida. Xuan Nu costuma usar a Estrela de Vênus, com brincos de pérolas resplandecentes. Entrou no sonho de Sua Majestade para ensinar a Arte da Guerra e, logo depois, o palácio pegou fogo. Será que o incêndio foi causado pela Estrela de Vênus?

Lu Heng sinceramente o admirava — era mesmo um mestre da retórica. Tao Zhongwen ganhou o favor do imperador não só por sua ligação com o taoismo. Segundo ele, a Lótus Branca, as mágoas de certos envolvidos e até o fogo no palácio eram obra do destino.

Será que Cheng Youhai e Tao Yiming iriam reconhecer essa história se a ouvissem?

Todos sabiam que Tao Zhongwen estava inventando, mas essa era, de fato, uma explicação “razoável”. Do contrário, por que apenas o imperador foi queimado? Porque foi a iluminação de uma deusa — um fogo celestial.

Os presentes eram todos homens sagazes. Mesmo que tivessem entendido, acompanharam as palavras de Tao Zhongwen e passaram a bajular o imperador. O salão encheu-se de louvores, mas Lu Heng permaneceu em silêncio, falando apenas o necessário. Palavras cruciais eram valiosas; o resto era ruído — e, para isso, bastava pouco.

Nesse momento, a desvantagem de ter lido pouco se revelou. Generais militares não eram tão cultos quanto os funcionários civis, e não podiam ser comparados àqueles poucos grandes mestres que sabiam bajular citando os clássicos. O Marquês de Wuding e o Duque Cheng foram empurrados para o lado, segurando a frustração no peito, e não puderam evitar lançar um olhar de canto para Lu Heng.

Se o imperador cochilava, ele lhe oferecia um travesseiro. Se o imperador queria matar alguém, ele coincidentemente já estava afiando a faca. Lu Heng tinha mesmo sorte, não é?

No entanto, ter sorte uma vez podia ser acidente, mas conseguir se destacar sempre, mesmo em situações turbulentas, e ainda jogar lenha na fogueira — isso era habilidade.

O Marquês de Wuding suspirou em silêncio. Ele entendeu, com muita clareza, que estava velho. Quando liderou o exército para apoiar a Imperatriz Jiang, era jovem e cheio de vigor. Agora, havia se tornado aquele aristocrata antiquado que ele mesmo desprezava no passado. Precisava olhar por cima do ombro antes de qualquer ação, e já não podia mais mostrar a ousadia de um jovem.

O imperador se deliciava um pouco com elogios, se presenteava com ouro simbólico, mas depois de encontrar uma saída para a situação, começaria de verdade. O imperador acreditava na sabedoria e seguia princípios, mas de tolo não tinha nada. Seu coração era muito lúcido — como não saber que aquilo foi um desastre causado por mãos humanas?

Primeiro protegeria sua reputação. Depois, quando chegasse a hora certa, cobraria as contas.

Os velhos raposas presentes disputavam entre si com mesuras e palavras elegantes, mas ao verem o rosto do imperador, perceberam que ele estava prestes a explodir. Já esperavam por isso há muito tempo, então abaixaram os olhos, como monges antigos em meditação, imóveis no salão.

O imperador falou primeiro com os funcionários locais:

— Houve um incêndio no palácio, e os magistrados de Weihui e outros não estavam preparados para carregar água, o que causou uma catástrofe. Prendam todos os funcionários da Mansão Weihui e levem-nos para a prisão imperial para interrogatório.

Lu Heng deu um passo à frente para aceitar a ordem e respondeu sem a menor surpresa. Para o bem da reputação da corte, o imperador não podia dizer diretamente o que Cheng Youhai e os outros haviam feito, mas o incêndio, por si só, já bastava para condená-los várias vezes. Cheng Youhai foi levado para ser interrogado pelos Guardas Imperiais, e como seria condenado, isso agora dependia totalmente de Lu Heng.

Depois de repreender os magistrados e os funcionários civis, até o gabinete foi considerado negligente. Guo Xun e Chen Yin se retesaram juntos. Após lidar com os funcionários administrativos, agora era a vez deles.

Chen Yin suava frio. Os Guardas Imperiais eram o exército pessoal do imperador, e sua principal responsabilidade era proteger o soberano. O Marquês de Wuding, o Duque Cheng e os outros, no máximo, falharam em escoltar o imperador; já Chen Yin, o comandante dos Guardas Imperiais, havia falhado gravemente em seu dever.

Antes mesmo, Chen Yin já havia sido repreendido pelo imperador por não estar presente quando alguém foi reclamar de uma injustiça — quem diria que, depois disso, ainda haveria um incêndio? A raiva acumulada do imperador era fácil de imaginar. Que comandante dos Guardas Imperiais era esse, que havia perdido a confiança do imperador?

E, como era de se esperar, o imperador mirou diretamente em Chen Yin logo de início. Mesmo sendo responsável por mais de seis mil guardas de brocado, não conseguiu proteger o imperador — isso bastava para o imperador perder completamente a paciência com ele. O imperador explodiu de raiva e humilhou Chen Yin diante de todos os altos funcionários do governo e dos militares, inclusive na frente de seu próprio subordinado, Lu Heng. Chen Yin ficou extremamente envergonhado, mas não ousou retrucar.

Ele sabia que seu tempo como comandante havia chegado ao fim. O imperador era um homem nostálgico, e Chen Yin o seguia desde os tempos da Mansão do Príncipe Xing. Se não se defendesse e deixasse o imperador descarregar a raiva, talvez este, por consideração antiga, não o matasse. Mas se se mostrasse inconformado e discutisse, não seria apenas uma demissão — seria muito pior.

Sem falar que aquele garoto chamado Lu, parado atrás dele, estava só esperando que cometesse um erro.

O imperador tratava todos de forma igual — até o chefe auxiliar levou bronca, então como o Duque Cheng escaparia? Ele se lembrou do apoio do Marquês de Wuding à Imperatriz Jiang, então poupou Guo Xun, mas Fu Tingzhou, sobrinho e genro de Guo Xun, não teve a mesma sorte e foi repreendido em nome do tio.

Vendo que todos haviam sido chamados à atenção, apenas Lu Heng permanecia intocado.

O imperador, cansado de repreender, tomou um gole de chá. O salão mergulhou em um silêncio tenso, e todos os olhares se voltaram para Lu Heng.

Ele abaixou os olhos e esperou. Quando o imperador pousou a xícara, sua voz saiu mais suave:

— Lu Heng agiu com excelência ao me resgatar, e se feriu no incêndio, portanto, merece uma recompensa. Ouvi dizer que suas roupas queimaram no fogo, então lhe darei um traje de píton, um cinto de ouro, dez peças de brocado, e será promovido a Comandante-Chefe.

Comandante-Chefe!

Ao ouvirem essas últimas palavras, todos pensaram, com um torpor atônito: “Como esperado.” Já nem sabiam se deviam se surpreender ou não. Menos de meio ano após a última promoção, Lu Heng subia novamente — agora, de um comandante de segunda patente, para um cargo logo abaixo do Comandante dos Guardas Imperiais. Mas Chen Yin havia acabado de cair em desgraça, e Lu Heng, agora como Comandante-Chefe, era praticamente o comandante de fato dos Guardas Imperiais.

Embora Chen Yin ainda tivesse o título, todos os presentes sabiam que Lu Heng agora havia assumido oficialmente o comando.

Quando ouviu os primeiros prêmios, Lu Heng manteve-se calmo. O imperador era assim: se concedia poder, não dava muito dinheiro. Além disso, o imperador era rico como nenhum outro — ouro e prata eram apenas números para ele. Já a oferta de roupas era um sinal verdadeiro de intimidade.

Ao ouvir a martelada final, um leve sorriso apareceu nos lábios de Lu Heng — e desapareceu num instante. Ele ergueu a mão, se endireitou e agradeceu:

— Agradeço a bondade de Vossa Majestade. Não o envergonharei nem com a própria vida.

Ao sair do palácio, os eunucos começaram a bajular Lu Heng abertamente. Sorrindo, todos o cumprimentaram:

— Parabéns, Mestre Lu!

Lu Heng também retribuiu os cumprimentos com um sorriso. O sol brilhava sobre seu traje vermelho com padrão de peixe voador, e a luz dourada reluzia tanto que era difícil encarar diretamente.

Com apenas vinte e três anos, saindo da segunda patente para se tornar Comandante-Chefe, ele agora detinha o controle completo dos Guardas Imperiais. Qualquer um que visse essa trajetória só poderia se admirar.

Realmente, um sonho realizado para um jovem — cheio de resiliência e vigor.

**********************

Nota da autora:

Xuan Nu é o espírito do céu e da terra, a aura do Yin e do Yang, e a líder de todas as verdades. A divindade possui poder ilimitado em formas ilimitadas. Xuan Nu também é uma deusa ancestral e a líder de todas as verdades. —— “Anotações ao Antigo Clássico do Dragão e do Tigre”

Por isso, Xuan Nu costuma vestir a Estrela de Vênus, com brincos de pérolas brilhantes nas orelhas, reluzindo por todo o corpo, o que lhe permite prolongar a vida e escapar da morte. —— “Escritura do Taoísta Laozi”

Capítulo 73 — Chengtian

Lu Heng foi promovido a Comandante-Chefe. A primeira tarefa de um novo oficial ao assumir o cargo era receber a pesada responsabilidade de escoltar o imperador.

Chen Yin estava meio aposentado, e provavelmente encontraria uma desculpa para renunciar quando voltasse a Pequim. Agora, o verdadeiro responsável pela Guarda Imperial era Lu Heng, e se algo acontecesse no palácio, a responsabilidade seria dele. Isso não era pouca coisa — havia inúmeros pares de olhos, por toda parte, atentos a cada passo seu. Chen Yin havia caído por causa de um erro. Lu Heng não podia repeti-lo.

Lu Heng começou verificando os seis mil Guardas Imperiais e os dois mil Guardas de Honra. Estava ocupado demais se familiarizando com os homens e reorganizando as tarefas de patrulha para poder se distrair com eventos sociais. Quando finalmente conseguiu um momento livre, o céu já estava tomado por fênixs banhadas em fogo, e o sol poente derretia em ouro.

Outra equipe enviada por Lu Heng também retornou. Guo Tao voltou com um relatório. Seguindo as ordens do imperador, encontrou uma caverna em Lingshan onde mais de cem homens magros estavam aprisionados. Segundo os relatos, haviam mais de duzentos inicialmente, mas ao longo do tempo, muitos morreram de exaustão e doença. Seus corpos eram empilhados no fundo da mina, e agora menos da metade ainda estava viva.

Se as condições continuassem, nem esses sobreviveriam por muito tempo.

Guiados pelos mineiros, os Guardas Imperiais descobriram que aquilo era uma mina de ouro. Levaram todos os sobreviventes, lacraram a entrada e tomaram posse da mina. E assim, a “verdade veio à tona”. Descobriu-se que a seita Lótus Branca enganava homens jovens e fortes, levando-os à montanha com falsas promessas religiosas para trabalhar como escravos. Os deuses notaram que seu tesouro havia sido roubado, e então a Xuan Nu dos Nove Céus desceu para recuperar a espada sagrada e iluminou o imperador em sonho. O imperador enviou pessoas ao local indicado por Xuan Nu, e assim encontraram os prisioneiros.

Felizmente, Liu Shan e Liu Shoufu estavam vivos, mas Liu Shan, já idoso, havia perdido toda a força física após tanto tempo na mina escura, e precisava de ajuda até para caminhar. A mãe e a nora da família Liu foram escoltadas até sua casa pelos Guardas Imperiais e reencontraram pai e filho com lágrimas nos olhos. Os Liu se abraçaram, chorando. As outras famílias da Vila Hegu também estavam entre a alegria e a tristeza. Por um tempo, o choro foi generalizado.

Esse trágico caso foi, enfim, encerrado sob a culpa da seita Lótus Branca. Após receber a notícia, Lu Heng foi até o palácio relatar os resultados finais ao imperador. O imperador assentiu, fingiu repreender a Lótus Branca por um tempo e ordenou que todos os capitais de província divulgassem avisos sobre os crimes da seita, alertando o povo contra heresias. Também isentou a Vila Hegu de impostos por três anos e ordenou o enterro dos sacerdotes taoistas do Mosteiro Qingxu. Assim, o caso das injustiças na Patrulha do Sul foi oficialmente encerrado.

O imperador descansara o suficiente e ordenou a continuação da viagem na manhã seguinte. Depois de organizar os preparativos, Lu Heng finalmente voltou para casa já noite adentro. No céu, a lua brilhava rodeada de estrelas, e o palácio estava em silêncio. Enquanto muitos já dormiam, Lu Heng acabava de chegar.

Ao empurrar a porta, a primeira coisa que viu foi uma única lamparina acesa na janela, sua luz alaranjada cálida e serena, esperando silenciosamente seu retorno. A porta logo se abriu, e uma mulher de aparência etérea apareceu. Vestia uma saia “rosto de cavalo” azul-escura com estampa de bambus e crisântemos, um casaco branco de gola alta e uma blusa de algodão azul-arroxeada de gola redonda. Parecia uma flor envolta em névoa, um hibisco tocado pela chuva, e sorriu docemente para ele:

— Parabéns, irmão, pela promoção.

Aquela cena satisfez a vaidade de qualquer homem, unindo beleza e poder ao mesmo tempo. Toda a tensão e as tramas do dia pareciam se dissolver. Lu Heng caminhou até ela sorrindo e segurou sua mão delicada como neve:

— Por que ainda está acordada?

— Você ainda não trocou os curativos. Eu não consegui descansar. — Wang Yanqing entrou com ele na casa e continuou: — Além disso, um evento tão feliz como uma promoção precisa ser celebrado pessoalmente.

Hoje ao meio-dia, chegaram notícias da nova promoção de Lu Heng. Wang Yanqing já nem se surpreendia — estar ao lado dele dava a sensação de que ser promovido era algo trivial. Sentada na cama Arhat, ela comentou:

— Ouvi Ling Xi dizer que desta vez você foi promovido do segundo posto para Comandante-Chefe. Meu irmão tem apenas vinte e três anos e já ocupa uma posição tão alta. Isso é realmente o ápice da carreira.

A atenção de Lu Heng estava completamente voltada para as mãos suaves e delicadas dela. O corpo de Wang Yanqing era frio; suas mãos e pés continuavam gelados no inverno, e mesmo no verão sua pele era fresca e raramente suava. Tê-la nos braços era como segurar um pedaço de jade natural e perfumado — melhor que qualquer instrumento de resfriamento.

Lu Heng esfregou suavemente entre seus dedos e disse:

— Não exatamente. Falta-me, por exemplo, uma esposa de segundo posto para o comandante-chefe.

Wang Yanqing ficou paralisada, sem coragem de responder. Ter uma beleza dessas nos braços no meio da noite e não poder fazer nada era realmente um teste de consciência. Lu Heng brincou com os dedos dela por um tempo e, aos poucos, sua mente começou a divagar. Seus olhos subiram, e ele captou um vislumbre da pele alva sob a blusa de algodão. O pomo de adão moveu-se sutilmente, seus olhos escureceram, e ele perguntou:

— Qing Qing... já pensou sobre aquilo?

Wang Yanqing corou e murmurou:

— Só se passaram três dias...

Só três dias? — Lu Heng suspirou, com sinceridade. — Isso é... lamentável.

Ele nunca foi exatamente um homem moralista, mas depois da conversa sincera que tivera com Wang Yanqing dias atrás, por alguma razão se sentiu tomado por uma nobreza incomum. Chegou até a prometer que lhe daria tempo para pensar antes de avançar qualquer passo. Não se considerava um libertino... mas, naquele momento, começava a duvidar.

Até quando eu vou esperar só para ser decente? Se fosse qualquer outro momento, eu já a teria tomado nos braços.

Wang Yanqing percebeu que o olhar de Lu Heng se tornava cada vez mais invasivo. Sua pele parecia esquentar sob o peso de seus olhos — como se aquele olhar tivesse forma, capaz de atravessar o tecido e tocá-la diretamente. Tensa, levantou-se apressada:

— Irmão... está na hora de trocar seus curativos. Vou buscar a caixa de medicamentos.

Levantou-se rapidamente. Lu Heng deixou que ela se afastasse, seus olhos a seguindo como sombra. Mesmo de costas, Wang Yanqing sentia seu olhar percorrendo cada centímetro de seu corpo. Naquele instante, lamentou profundamente ter escolhido uma blusa de algodão fina por ser mais leve e fresca — devia ter usado algo espesso e opaco.

Wang Yanqing tentou escapar daquela inspeção silenciosa, mas ao se levantar, acabou revelando ainda mais de sua silhueta esguia. Lu Heng, observando sem pressa, pensou que com uma cintura tão fina e pernas tão longas, seria um prazer indescritível tê-la em seus braços. Olhou-a por um tempo e comentou casualmente:

— A caixa de remédios está incompleta? Por que ainda não trouxe?

Sabendo que não poderia adiar por mais tempo, Wang Yanqing tomou coragem, virou-se e caminhou em direção a ele. Parou em frente à cama Arhat, enquanto Lu Heng permanecia sentado, observando-a com tranquilidade.

Wang Yanqing hesitou um momento, então disse:

— Irmão... está na hora de trocar os curativos.

Lu Heng assentiu, estendeu a mão e indicou para que ela mesma fizesse. Agiu como se estivesse autorizando, permitindo que ela prosseguisse à vontade. Wang Yanqing pensou consigo mesma que, afinal, não era como se fosse tirar toda a roupa dele, então relaxou e começou a desabotoar a parte do ombro da túnica de Lu Heng.

Naquele dia, Lu Heng usava uma túnica de gola redonda. Depois de desabotoar os botões ocultos e retirar uma das mangas, a parte superior de seu corpo ficou quase completamente exposta ao ar. Wang Yanqing estava prestes a desfazer o nó da bandagem quando, de repente, uma mão firme segurou sua cintura. Sem esperar, ela caiu no colo de Lu Heng.

Wang Yanqing tentou se levantar às pressas, mas ele a segurou pela cintura novamente. Lu Heng apertou a mão esquerda e pressionou sua cintura contra o próprio corpo, dizendo com indiferença:

— Continue.

Wang Yanqing ficou paralisada por um bom tempo antes de continuar a desatar a gaze com os dedos dormentes. A força e a audácia de algumas pessoas pareciam mesmo esculpidas nos ossos — mesmo sem camisa, ainda era como se ele estivesse se aproveitando dela.

Sentada no colo de Lu Heng, Wang Yanqing não ousava se mover, e aplicava o remédio em silêncio. Ele, por sua vez, segurava sua cintura fina com uma das mãos, enquanto tamborilava ritmicamente com os dedos sobre sua linha de cintura firme. Lu Heng pensava consigo mesmo que aquele tipo de algodão era realmente fresco e sedoso, muito confortável de usar colado ao corpo. Da próxima vez, vou comprar mais... mas com tecido transparente.

Ou melhor ainda, sem tecido algum.

Wang Yanqing tinha muita prática em trocar curativos e rapidamente aplicou a pomada e substituiu a gaze antiga por uma nova, que deixava a pele respirar. Depois de ajeitar tudo, esperou um instante, mas Lu Heng não reagiu. Wang Yanqing teve que lembrá-lo:

— Segundo Irmão, terminei.

Lu Heng suspirou suavemente. Aquela tinha sido a primeira vez que uma mulher tirava sua roupa — e no fim, nada aconteceu. Só vestiu de novo. Se essa história saísse, dariam gargalhadas. Lu Heng se repreendeu pelos pensamentos que teve, mas mesmo assim levantou os braços cooperativamente, permitindo que Wang Yanqing fechasse novamente os botões ao redor do pescoço.

Wang Yanqing temia que ele aproveitasse para provocar, mas Lu Heng, surpreendentemente, comportou-se com honestidade e a deixou sair de seu colo.

— Vamos partir amanhã. Vá dormir cedo — disse ele.

Wang Yanqing olhou surpresa para Lu Heng e apressou o passo em direção ao seu quarto. Antes de sair, porém, parou, hesitou por um momento e então se virou, dizendo:

— Irmão, você também deveria descansar cedo.

Os olhos de Lu Heng a acompanharam o tempo todo e, ao vê-la parar, o sorriso em seu olhar se aprofundou. Ele assentiu levemente, com as luzes refletindo nos olhos como estrelas ondulando na água:

— Está bem.

Depois da sucessão de incidentes na Mansão de Weihui, o grupo do imperador prosseguiu com a patrulha do sul. Lu Heng assumiu o comando das Guardas Imperiais e passou a dar atenção redobrada à segurança durante o trajeto. Felizmente, o restante da viagem transcorreu sem maiores sobressaltos, e chegaram a Anlu com tranquilidade.

Anlu era a terra natal do imperador, e ele tinha grande carinho por ela. No décimo ano do reinado Jiajing, ele havia promovido Anlu ao status de Mansão Chengtian. O condado onde a mansão se localizava passou a se chamar Zhongxiang — “reunião da auspiciosidade”. A Mansão Chengtian em Anlu, a Mansão Yingtian em Nanjing e a Mansão Shuntian em Pequim eram conhecidas como as três grandes mansões do império.

A cidade natal de Lu Heng também ficava ali.

Após a chegada do imperador à Mansão Chengtian, seu humor claramente melhorou. Os oficiais locais saíram da cidade para recepcioná-lo, e Lu Heng caminhava ao lado. O imperador estava tão nostálgico que não quis construir um palácio temporário — preferiu ficar na antiga residência do Monarca Xing. Antes do decreto imperial que o coroaria oficialmente, ele havia vivido ali como Monarca Xing por dois anos.

O imperador recebeu os oficiais em sua antiga casa, e a mansão agora também acolhia um antigo príncipe. Um pequeno palanquim parou em frente ao segundo portão da Mansão do Monarca Xing. Uma mulher graciosa, de pele clara e aparência refinada, ergueu a cortina do palanquim e desceu. Caminhou pelo interior da mansão com familiaridade e, após apenas dois passos, deu de cara com um grupo de pessoas.

Ao ver sua mãe se aproximando, Lu Heng foi até ela em dois passos:

— Mãe, eu disse que mandaria alguém buscá-la. Por que veio sozinha?

— O imperador finalmente voltou a Anlu, eu precisava vir rápido prestar meus respeitos. Você não está protegendo o imperador? O que está fazendo aqui fora? — respondeu a Senhora Fan.

Lu Heng apressou-se em ampará-la e disse:

— Vim recebê-la.

— Não preciso que me receba. Minha casa fica a poucos passos daqui. Estou acostumada a entrar e sair da Mansão do Monarca Xing, não preciso de escolta — disse ela, com a confiança de quem já estava habituada ao ambiente da corte. Logo seus olhos caíram sobre as roupas de Lu Heng e franziram ao notar algo diferente. — Por que está vestindo uma túnica com estampa de píton?

A túnica com estampa de píton era a mais alta honraria de vestimenta concedida, ficando apenas abaixo da túnica imperial com dragões, e normalmente reservada a eunucos com cargos muito elevados. Lu Heng, como guarda imperial, já havia recebido a túnica com estampa de peixe-voador. Era aceitável usar o peixe-voador em todas as estações, mas a estampa de píton ultrapassava os padrões.

— Alguns dias atrás, a mansão de Weihui pegou fogo e minhas roupas foram queimadas. O imperador me concedeu a túnica de píton e me promoveu. Agora sou o Comandante-Chefe — explicou Lu Heng.

A notícia do incêndio já havia chegado a Anlu, mas a promoção de Lu Heng era novidade para a Senhora Fan. Ela entendia bem o sistema das Guardas Imperiais e, justamente por isso, ficou surpresa.

A Senhora Fan olhou com espanto para o filho — agora uma cabeça mais alto que ela — e perguntou:

— Como assim tão rápido?

Na memória dela, não fazia muito tempo que recebera uma carta de Lu Heng dizendo que tinha sido promovido a comandante de terceira classe. Agora, de repente, ele já era Comandante-Chefe. A velocidade da ascensão parecia inventada.

Diante da mãe, Lu Heng fez o máximo para parecer honesto e inofensivo:

— É verdade. O imperador achou que eu fui eficiente no resgate e, somando aos casos anteriores, me promoveu.

As sobrancelhas da Senhora Fan se apertaram numa expressão preocupada. Mesmo achando que Lu Heng estava indo rápido demais — e temendo que isso não fosse bom —, ela não podia dizer isso diretamente. Aquele filho era esperto desde criança, como se toda a inteligência da família Lu tivesse se concentrado nele. Brilhava intensamente, a ponto de assustar.

Embora fosse sua mãe no papel, a Senhora Fan não se atrevia a repreendê-lo. Especialmente depois que Lu Heng entrou na Mansão do Monarca Xing como acompanhante do príncipe. A Princesa Jiang e o Príncipe Herdeiro gostavam muito dele, e a Senhora Fan passou a ser ainda mais contida — tudo era decidido por Lu Heng.

Lu Song, o pai, era mais rígido que a Senhora Fan, mas no máximo dizia a Lu Heng para não causar confusão e agir com cautela. Não podia oferecer mais que isso. Em contraste, o filho mais velho, Lu Wen — de talento comum mas caráter leal — era mais próximo da Senhora Fan.

Dessa vez, o imperador retornou à Mansão Chengtian para transferir um túmulo. A Senhora Fan, como antiga oficial da Mansão do Monarca Xing, obviamente precisava visitá-lo. Pelo caminho, seus olhos ficaram deslumbrados com a pompa da Guarda de Honra do imperador. A Senhora Fan percebeu, com pesar, que os tempos haviam mudado. Aquele jovem príncipe quieto e estudioso agora era o imperador soberano. E seu próprio filho — Lu Heng — também havia mudado.

Estavam imersos na riqueza e no poder imperial de Pequim. Já eram outras pessoas.

O coração da Senhora Fan apertou-se de tristeza. Lu Song havia morrido, e a Princesa Jiang também partira naquele ano. Eles estavam envelhecendo e definhando dia após dia, já não conseguiam acompanhar os passos dos filhos. Depois de um momento de reflexão, a Senhora Fan recobrou o ânimo e perguntou:

— E aquela irmã que você mencionou na carta?

*********************

Nota da autora:
Lu Heng: Não se preocupe. Vamos inventar essa história com muito cuidado.

Capítulo 74 – Residência Ancestral

Lu Heng soltou um leve suspiro. No começo, ele só teve um lampejo de inspiração e quis enganar uma irmãzinha para se divertir. Mas, com o tempo, o jogo foi crescendo demais. Acabou tendo que mentir para a Imperatriz Jiang, e agora precisava mentir para sua mãe e para toda a família. Lu Heng sentiu-se culpado por um instante, mas respondeu com o rosto sereno:

— Nisso, eu não fui filial. Peço seu perdão.

Quando Madame Fan ouviu isso, percebeu que a situação não era simples e sua expressão mudou levemente:

— O que houve?

— Eu queria cumprir o luto de três anos pelo pai, mas no ano passado conheci uma mulher muito adequada. O período de luto ainda não terminou, então não é apropriado tornar isso público. Por ora, a trouxe comigo sob o pretexto de ser minha irmã mais nova, pensando em fazer a cerimônia após o fim do luto.

Falar a verdade era impossível. O rosto de Madame Fan não escondia nada e, com apenas um encontro, Wang Yanqing perceberia os indícios. Lu Heng só pôde inventar mais uma história, aproveitando a diferença de informação entre Wang Yanqing e Madame Fan para orientar silenciosamente as duas partes a agirem da forma mais coerente possível.

Lu Heng sabia que isso não era o comportamento de um cavalheiro, mas isso não importava — ele não era um cavalheiro.

Madame Fan suspirou aliviada em segredo ao ouvir as palavras de Lu Heng. Primeiro o repreendeu, mas logo se alegrou:

— Esse menino… Achei que fosse algo sério. Há pouco tempo, sua cunhada e eu comentamos que não era certo você estar sozinho, mas achamos que era porque não queria, então não insistimos. Embora seja filial seguir o luto, há três formas de ser não filial, e a maior delas é não deixar descendência. Seu pai se preocupava com isso em vida. Se você se casar logo, ele ficará em paz ao saber disso.

Madame Fan não achava problemático que Lu Heng pensasse em casamento durante o período de luto. Obedecer ao luto era uma exigência da etiqueta, mas, aos olhos dos mais velhos, era muito mais prático ver os filhos casados e com netos do que sendo vegetarianos e chorando no túmulo.

O casamento de Lu Heng era uma preocupação silenciosa de Madame Fan há anos. Desde que ele tinha dezessete anos, ela já fazia planos para escolher-lhe uma esposa. Mas, na época, Lu Heng estava ocupado se preparando para o exame militar, depois foi lutar contra os Tártaros no Passo Lengci. Após obter méritos militares, dedicou-se ao trabalho na Guarda Imperial. Madame Fan e Lu Song mencionaram o casamento várias vezes, mas Lu Heng sempre recusava.

Naquele tempo, Madame Fan e Lu Song não imaginavam que Lu Heng teria uma carreira tão brilhante. E como o filho mais novo não demonstrava interesse em casamento, o casal ficava preocupado. Contudo, com o luto, quisessem ou não, Lu Heng teria que adiar o casamento por mais três anos.

Num piscar de olhos, Lu Heng já tinha vinte e três anos. Estar sem família nessa idade era algo completamente fora do comum entre seus pares. Numa família hereditária como a deles, assim que um filho nascia, seu futuro já era praticamente definido. No mais tardar, seria prometido a uma jovem de família equivalente e se casaria. Após os vinte, o filho podia continuar seus estudos. Mas Lu Heng nem sequer tinha uma mulher ao seu lado.

Madame Fan sabia que Lu Heng temia os perigos, mas, como mãe, não conseguia evitar o receio de que houvesse algum outro motivo.

Felizmente, ele era normal. Não havia se casado antes simplesmente porque não quis. Agora que finalmente mudara de ideia, como Madame Fan teria alguma objeção? Mal podia esperar para apressá-lo a planejar a cerimônia. Se Lu Song soubesse, também o instigaria a se casar o quanto antes.

Com uma enorme pedra tirada do coração, a curiosidade de Madame Fan tomou conta, e ela passou a fazer perguntas em sequência:

— De que família ela é? Qual é seu sobrenome, onde mora, quem são seu pai e irmão?

Com um leve sorriso nos lábios, Lu Heng revelou apenas as informações mais básicas:

— Seu sobrenome é Wang, chama-se Wang Yanqing, você pode chamá-la de Qing Qing. Ela é da prefeitura de Datong. Seu pai e avô morreram em combate. A conheci por acaso e a trouxe comigo. Foi negligência minha no ano passado, e por causa disso, ela foi cercada por inimigos políticos. Acabou batendo a cabeça e perdeu a memória. Sinto-me muito culpado. Peço que tenha consideração por mim e não pergunte sobre o passado quando a vir.

As palavras de Lu Heng foram tão comoventes que Madame Fan não pôde deixar de se comover. Seu pai e irmão haviam morrido, e mesmo que sua família tivesse posses, não poderiam ser herdadas por uma mulher. Parecia que a jovem não tinha com quem contar.

Madame Fan não se importava muito com a origem de Wang Yanqing. Lu Heng não quis se casar até os vinte e três, e agora finalmente se decidira. Não importava que ela fosse órfã — desde que fosse uma mulher, Madame Fan já ficava satisfeita.

Ela não se preocupou com o histórico familiar de Wang Yanqing e, ao invés disso, perguntou:

— Ela esqueceu tudo mesmo? É sério? Ainda pode ser curada?

Amnésia era uma condição rara. Madame Fan só ouvira falar em casos assim. Tentou imaginar como seria se acordasse e esquecesse metade da vida — talvez nem ousasse sair de casa. Uma moça sem família ou clã já sofria bastante, e ainda por cima sem memória...

Madame Fan ficou angustiada só de pensar.

Lu Heng respondeu:

— Já busquei muitos médicos renomados, mas todos disseram que esse quadro não tem cura. Só posso acompanhá-la com paciência e torcer para que ela se recupere aos poucos. Mãe, seu filho lhe pede uma coisa: trate Qing Qing como se fosse sua própria filha. Não diga nada, não pergunte de onde ela veio. Por favor, também passe isso ao meu irmão e à cunhada quando voltar. Vou levá-la para continuar o tratamento. Quando ela se recuperar, trarei presentes para compensar por não tê-los visitado antes.

Madame Fan sabia que Lu Heng sempre foi forte e decidido — quando ele implorava algo assim, era mesmo importante. Seu coração apertou, e ela concordou imediatamente:

— Está bem, vou lembrá-los, com certeza não a assustaremos. Você disse que ela está sozinha e sem memória, mas no dia a dia ela é…

Lu Heng entendeu a preocupação da mãe e logo respondeu:

— Ela só esqueceu o passado. Fora isso, é como qualquer outra pessoa. Todas as necessidades dela são organizadas por mim. Mãe e cunhada não precisam se preocupar.

Madame Fan soltou um suspiro aliviado. Era uma condição estranha e, embora a amnésia não fosse culpa da jovem, se ela nem conseguisse comer ou andar sozinha, as coisas seriam complicadas. Felizmente, Wang Yanqing não era incapaz. E, no fim das contas, na situação atual, quem quer que Lu Heng amasse teria que ser aceita.

A família Lu era uma família de Guardas Imperiais, mas os feitos de Lu Heng superavam em muito os dos antepassados da família. A soma dos cargos oficiais de todos os seus ancestrais não se comparava à posição de Lu Heng sozinho. Quem Lu Heng quisesse desposar, ele informaria respeitosamente à família e à mãe — mas não importava se Madame Fan aprovava ou não.

Madame Fan era guiada por Lu Heng desde que ele era criança, então, naturalmente, não iria contrariar o filho numa questão dessas. Ela respondeu prontamente:

— Não se preocupe, eu entendo. Não é fácil ser mulher nesse mundo. Ela é uma jovem sozinha, sem memória, como uma erva-daninha à deriva. Você precisa cuidar mais dela, procurar mais médicos e ajudá-la a recuperar a memória o quanto antes. Nos últimos dois anos, vieram alguns médicos bem conceituados à Mansão Chengtian. Ouvi dizer que são muito habilidosos. Por que não convido um deles para examiná-la?

As palavras de Lu Heng haviam tocado Madame Fan, que se sentia triste e comovida. Como poderia imaginar que tudo fora uma invenção para enganá-la? Lu Heng falava comoventes palavras, mas seu coração não se alterava. No fundo, ele torcia para que Wang Yanqing nunca recuperasse a memória — então por que procuraria tratamento?

Lu Heng sorriu levemente e disse:

— Agradeço pela bondade, mãe. Se me passar o nome, enviarei alguém para consultar.

Madame Fan não desconfiou de nada e imediatamente pediu à criada que entregasse a ele o nome e endereço do médico. Enquanto mãe e filho conversavam, já haviam chegado ao salão principal do palácio. Lu Heng encerrou o assunto no momento exato e ajudou Madame Fan a entrar.

Os homens de Lu Heng guardavam o salão principal por dentro e por fora, e os Guardas Imperiais se levantaram e prestaram continência assim que o viram. O eunuco que vigiava a porta do salão também desceu os degraus e o cumprimentou com um sorriso. Lu Heng fez um leve aceno, com uma expressão indiferente, como quem já está acostumado a grandes cerimônias. Para Madame Fan, testemunhar isso pessoalmente só aumentou sua admiração pela influência do filho.

O Departamento do Leste e os Guardas Imperiais sempre foram rivais. Mas agora, até os eunucos mais próximos do imperador tratavam Lu Heng com respeito.

Madame Fan suspirava, dividida entre a alegria e a preocupação.

Os oficiais que haviam solicitado audiência já tinham partido, e o imperador descansava no salão interior. Ao saber da chegada de Madame Fan, mandou imediatamente chamá-la.

O palácio já estava preparado para a vinda de Madame Fan. Ela havia sido ama de leite do imperador, então, diferente de quando recebia oficiais de fora, a imperatriz, a Concubina De e a Concubina Duan estavam presentes. Depois que Madame Fan cumprimentou o imperador, a imperatriz veio à frente com as concubinas e lhe prestou uma meia reverência.

Embora Madame Fan tenha tentado evitar a cortesia, a imperatriz Zhang ainda precisava manter as formalidades. As amas de leite eram uma tradição estabelecida na corte. Nenhuma imperatriz, concubina ou princesa alimentava seus filhos diretamente ao nascer — isso era considerado uma grande desonra. Desde o nascimento, era necessário contratar uma ama de leite.

Havia uma diferença fundamental entre uma ama de leite e uma ama comum. A ama comum era uma serva, enquanto a ama de leite era escolhida para educar o príncipe como herdeiro do império. Elas eram cuidadosamente selecionadas por aparência, conduta e origem familiar. Muitas vezes, o príncipe passava mais tempo com sua ama do que com a própria mãe, o que fazia com que sua posição no clã fosse extremamente respeitável.

A marca da amamentação era eterna — embora não se vissem há muitos anos, o imperador sentiu uma proximidade imediata ao ver Madame Fan, e apressou-se em mandar trazer uma cadeira para ela. Madame Fan recusou, mas acabou se acomodando e perguntou ao imperador sobre sua vida nos últimos anos.

Para o imperador, a imagem materna se dividia em duas partes: a parte forte e respeitável pertencia à imperatriz Jiang, enquanto a parte gentil e atenciosa era de Madame Fan. O imperador acabara de perder a mãe, e ouvir a voz suave de Madame Fan reacendeu uma ternura em seu peito.

O imperador disse:

— Tenho Lu Heng para me ajudar na capital, está tudo bem. Você vive na Mansão Chengtian, as montanhas são longas e os rios distantes, é muito solitário. Por que não volta para a capital?

Enquanto o imperador falava com Madame Fan, Lu Heng permanecia em silêncio atrás dela. Essas palavras não haviam sido combinadas antes, mas Lu Heng não se preocupava. Por mais próxima que fosse de Sua Majestade, Madame Fan saberia quem era seu verdadeiro filho.

Madame Fan balançou a cabeça e respondeu:

— Estou ficando velha, não consigo me acostumar com o clima do norte, é melhor continuar na minha terra natal. Aqui, olho todos os dias para a Mansão do Príncipe Xing, é como se você e a imperatriz Jiang ainda estivessem por perto, e isso me traz paz.

O imperador ficou comovido ao ouvir essas palavras e não insistiu mais. Apesar de parecer astuto e sagaz, era, na verdade, uma pessoa nostálgica. Compreendia perfeitamente o desejo de voltar para casa. A imperatriz Jiang havia se casado em Anlu, mas era originalmente da capital, e em seus últimos anos, não estranhou retornar a Pequim. Madame Fan, por outro lado, era nascida em Anlu, então não era surpresa que preferisse continuar ali.

As palavras de Madame Fan eram metade verdade, metade estratégia. Por um lado, de fato não queria deixar sua terra. Por outro, estava se precavendo contra desgraças.

De longe, o perfume é doce; de perto, o cheiro incomoda. Se permanecesse distante, o imperador manteria viva a memória feliz da infância, e Lu Heng poderia lutar com tranquilidade na capital. Madame Fan não queria pensar assim, mas se algo acontecesse com Lu Heng, sua distância da capital garantiria ao menos uma última raiz da família Lu.

Depois de trocar algumas palavras simples com o imperador, Madame Fan observou seu semblante e comentou, com certo alívio:

— O imperador está cada vez mais saudável, e seu rosto demonstra mais vigor do que quando foi para a capital. A imperatriz, lá do céu, certamente está em paz agora.

A saúde frágil do imperador sempre preocupou seus ministros mais próximos. Felizmente, embora a chama fosse fraca, continuava acesa. O imperador passou por vários perigos e, milagrosamente, sobreviveu a todos. Também ele sentia seu corpo mais forte, e respondeu com orgulho:

— O mestre celestial me instruiu bem, e tenho aprendido muito com o Taoísmo. E tenho Lu Heng. Desta vez, com o incêndio, foi graças a ele.

Lu Heng fez uma reverência, abaixou os olhos e disse:

— Foi apenas meu dever como oficial.

Madame Fan não sabia dos detalhes do incêndio, mas as poucas linhas da carta já haviam lhe causado susto. Ela suspirou:

— Muitas vezes, grandes infortúnios precedem grandes bênçãos. Depois dessa tribulação, tudo correrá bem daqui em diante.

O coração do imperador se acalmou ao ouvir isso. Ele conversou mais um pouco com Madame Fan, mas quando o céu começou a escurecer, ela pediu licença para se retirar. O imperador já havia recebido muitas pessoas naquele dia e estava exausto. Então, sem relutar, disse a Lu Heng:

— Faz muitos anos que você não volta para casa, hoje não precisa fazer a guarda. Vá para casa mais cedo.

Lu Heng nunca havia retornado à sua cidade natal desde que partira para a capital aos onze anos. O imperador voltou ao palácio de sua família para matar a saudade, e Lu Heng também queria conversar com os seus. O imperador tomou a iniciativa de lhe conceder férias, e Lu Heng agradeceu — mas, depois que saiu, não foi embora imediatamente. Em vez disso, mandou alguém acompanhar Madame Fan de volta para casa e foi pessoalmente inspecionar a segurança da Mansão do Monarca Xing.

Enquanto Lu Heng examinava tudo com atenção, alguém se aproximou silenciosamente por trás e sussurrou em seu ouvido:

— Comandante-chefe, os arranjos foram feitos.

Lu Heng havia sido promovido do terceiro para o segundo escalão, com aumento de título e salário, mas sua função permaneceu a mesma — ele ainda detinha o verdadeiro poder de comando do Sul de Fusi. Lu Heng assentiu levemente, conferiu o restante da programação e só deixou a residência depois que tudo estava meticulosamente organizado.

Lu Heng jamais permitiria que Wang Yanqing retornasse à casa ancestral dos Lu antes de preparar o terreno. Se sua mãe ou cunhada fizessem a pergunta errada, ele poderia ser desmascarado. A Mansão de Chengtian era espaçosa, então ele acomodou Wang Yanqing primeiro em um pátio limpo e, só depois de eliminar todas as pontas soltas, levaria ela para a casa da família.

Lu Heng era o braço direito do imperador e sempre fora extremamente meticuloso. Esse tipo de mudança de planos de última hora era comum, e Wang Yanqing não desconfiou de nada. Descansou tranquila no pátio e, ao anoitecer, Lu Heng veio buscá-la pessoalmente para partirem juntos.

Wang Yanqing estava um pouco nervosa, sem saber o motivo, e perguntou:

— Irmão, nós vamos ver a Tia agora?

Lu Heng a olhou de lado e respondeu com um sorriso:

— Você ainda está chamando ela de “Tia”?

Wang Yanqing corou, mordeu o lábio e não soube o que responder. Lu Heng apertou sua mão com firmeza e tomou a iniciativa de tranquilizá-la:

— Está tudo bem, não vou te forçar. Você pode chamá-la como quiser. Mãe ficou muito sentida ao saber que você perdeu a memória, e não tem conseguido dormir bem nos últimos dias. Afinal, a culpa é toda minha. Então, quando voltarmos mais tarde, não mencione o passado, para que ela não fique mais abalada.

Como Wang Yanqing poderia recusar? Ela assentiu imediatamente:

— Tá bom.

A Mansão do Monarca Xing ficava perto da casa ancestral dos Lu, e a carruagem chegou rapidamente. Lu Heng não avisou com antecedência que voltaria, então ninguém os recebeu na porta. Claro, isso foi proposital — ele evitou aglomeração e conduziu Wang Yanqing pessoalmente até o pátio onde morara antes dos onze anos:

— Pai te buscou depois que foi à capital, então não há um quarto seu aqui em Anlu. Eu passo o ano todo fora, minha cunhada é quem comanda a casa ancestral, e não seria bom criar problemas para ela. Por isso, vou ter que te incomodar para ficar comigo nesses dias.

Lu Heng sempre foi capaz de justificar seus caprichos com palavras bonitas. Wang Yanqing entendeu sua intenção cuidadosa e não achou errado.

Provavelmente porque... era Lu Heng.

Enquanto caminhavam, Wang Yanqing aproveitou para observar tudo ao redor discretamente. A casa ocupava uma área maior do que a de Lu Heng na capital, mas a decoração era bem mais simples — tudo ali carregava a rusticidade do passado. Wang Yanqing pensou nas seis gerações que haviam vivido naquele lugar. Lu Heng nasceu e cresceu ali, muito antes de ela conhecê-lo.

Um sentimento inexplicável brotou em seu peito. Ela segurou discretamente a manga de Lu Heng e perguntou, em voz baixa:

— Irmão... eu não me lembro nem da Tia, nem do Irmão Mais Velho...

Quando Lu Heng ouviu Wang Yanqing chamar Lu Wen de "Irmão Mais Velho", a ponta de sua sobrancelha se contraiu involuntariamente. Naquele instante, ele se sentiu extremamente grato por tê-la convencido a mudar o modo como o chamava. Se ela ainda me chamasse de “Segundo Irmão” agora, eu com certeza vomitaria.

Lu Heng sorriu gentilmente, mas segurou Wang Yanqing com mais firmeza com a outra mão:

— Tá tudo bem, você tem a mim. Você nem era próxima do Irmão Mais Velho antes, passava os dias me seguindo.

— Sério? — Wang Yanqing perguntou com genuína curiosidade. — Irmão, tirando você, com quem mais eu era próxima? Perdi minha memória, preciso saber com quem posso falar, senão vou causar mal-entendidos.

Lu Heng sorriu:

— Você não era próxima de mais ninguém. Só de mim.

Wang Yanqing arqueou as sobrancelhas, desconfiada:

— Mesmo?

— Sim — Lu Heng respondeu. — A diferença de idade entre você e o Irmão Mais Velho era muito grande. Quando você chegou, ele já estava para se casar. O que ele teria para conversar com você? Não havia outras meninas na nossa família, só você. Então você naturalmente me seguia.

Wang Yanqing pensou que Lu Heng era o caçula da família, e ainda assim tinha cinco anos a mais que ela. Em um instante, tudo fez sentido. Lu Heng percebeu a expressão de entendimento no rosto dela, colocou a mão em sua cintura e a apertou discretamente:

— O que é que você tá pensando, hein?

Lu Heng era muito hábil em suas ações, e como pegou Wang Yanqing de surpresa, ela quase soltou um grito. Se segurou com dificuldade e lançou um olhar amargurado para ele — mas não ousou reclamar.

Lu Heng, de fato, era cinco anos mais velho que ela... mas ela não disse que ele era velho.

Lu Heng respirou fundo, contendo sua mágoa, pensando que não havia pressa — eles resolveriam isso à noite. Ainda com um sorriso no rosto, começou a apresentar os membros da família Lu para Wang Yanqing:

— Nossa família é simples. Mãe, Madame Fan, tem um temperamento muito calmo e já não se envolve nos assuntos da casa; o Irmão Mais Velho, Lu Wen, se casou com a Senhora Chu, e eles têm um filho de três anos chamado Lu Zhan. A Cunhada Chu é filha de Wei Zhenfu, da Mansão de Chengtian, e tanto ela quanto meu irmão foram muito mimados desde pequenos. Hoje ela cuida de tudo na casa, mas é uma pessoa fácil de lidar.

Lu Heng resumiu a situação familiar, e Wang Yanqing rapidamente memorizou tudo. Repetiu para si mesma, em silêncio, e comentou, um pouco frustrada:

— Já estamos juntos há tantos dias e noites, e eu não conheço ninguém da sua família...

Lu Heng tocou suavemente a cabeça dela com um sorriso e disse:

— Não tem problema.

Eles também não te conhecem.

Capítulo 75 – Tongyan

Quando chegaram ao pátio de Lu Heng, os criados originais da família Lu já haviam sido completamente substituídos pela equipe de Lu Heng, tanto dentro quanto fora da residência. Assim, quando Wang Yanqing entrou, teve a impressão de que havia voltado para a capital.

Esse era o lugar onde Lu Heng morou antes dos onze anos de idade. Depois que chegou a notícia da sucessão do Monarca Xing, Lu Song escoltou o imperador às pressas para a capital, e a família Lu também se mudou. Somente após a morte de Lu Song foi que a Senhora Fan retornou à sua terra natal com o filho mais velho e a nora, deixando Lu Heng sozinho na capital.

Nos últimos anos, o cargo de Lu Heng subiu de forma estável, e a família Lu passou a viver com tranquilidade na Mansão Chengtian. Lu Wen recebeu um posto militar generoso, então não precisava cumprir missões perigosas, e mesmo assim, ninguém ousava desrespeitá-lo.

Mesmo que Lu Heng não estivesse em casa, a Senhora Chu mantinha o pátio do cunhado sempre limpo; os móveis brilhavam como se tivessem sido esfregados com frequência. Ainda assim, a casa passava longos períodos vazia, e havia um certo ar de desolação no ambiente.

Wang Yanqing olhou ao redor do cômodo e perguntou:

— Irmão, esses são os livros que você lia quando era pequeno?

Lu Heng lançou um olhar para a estante, assentiu e respondeu:

— São, sim. Essas coisas são de muitos anos atrás, devem estar empoeiradas. Cuidado para não se engasgar.

Wang Yanqing pegou um livro da beirada da estante. Não havia muita poeira, mas as páginas tinham um cheiro úmido inevitável. Não era de se espantar que Lu Heng reconhecesse imediatamente os livros de Liang Rong, pensou Wang Yanqing. Ele leu de tudo, de todos os lugares — uma variedade imensa de temas.

O Clássico Secreto do Imperador Amarelo, relatórios de autópsia, geografia de montanhas e rios, estratégias militares e até calendários astronômicos. Wang Yanqing folheou alguns livros, constatando que todos tinham sido de fato lidos, e que não estavam ali apenas para enfeite. Ela perguntou:

— Irmão, você é da Guarda Imperial. Por que estuda relatórios de autópsia?

— O nível dos legistas varia muito. Ao invés de perder tempo com erros deles, é melhor eu mesmo analisar as coisas. — Lu Heng aproximou-se e explicou: — Se quiser desvendar um crime, primeiro precisa entender como ele é cometido.

Resolver casos era um trabalho técnico, que exigia acumular experiência para perceber o que não fazia sentido. Lu Heng era jovem e não tinha vivido tanto, então compensava com leitura.

Wang Yanqing assentiu, apontou para os outros livros e perguntou:

— E esses? Também são para resolver casos?

— Nem todos. — disse Lu Heng. — O imperador leu muitos deles, então acabei aprendendo junto.

Lu Heng foi companheiro de estudos do imperador em sua juventude, e este sempre foi conhecido na linhagem imperial por sua dedicação aos livros. Na época, Yang Ting o escolheu como novo imperador justamente por isso. Mesmo agora, envolto em assuntos de Estado, o imperador ainda não abandonou os livros. Leu obras que nem os eruditos do gabinete conheciam, e muitos ministros veteranos não conseguiram vencê-lo nem nas cerimônias.

Aqueles que manuseiam cinábrio ficam tingidos de vermelho, os que lidam com tinta ficam manchados de preto. O imperador adorava estudar, e Lu Heng jamais deixava de acompanhar.

Wang Yanqing olhou para a estante lotada à sua frente e suspirou com sinceridade:

— Vocês realmente conquistaram muito juntos.

Não é à toa que a mãe de Meng quis se mudar três vezes — a influência das companhias é realmente imensa.

(Wang Yanqing se referia à história da mãe de Meng, contada no Clássico das Três Palavras 《三字经》, onde uma mãe muda de casa três vezes até encontrar um ambiente adequado para educar o filho, ao perceber como o meio influenciava seu comportamento.)

Ela havia andado bastante até então, mas ao parar, não pôde evitar sentir calor. Wang Yanqing devolveu o livro à estante e começou a abanar a gola com as mãos. Lu Heng olhou para suas mangas grossas e opacas e sorriu com malícia:

— Qing Qing, não está com calor?

Wang Yanqing estava usando algodão leve e simples nos últimos dias, mas recentemente trocara por um cetim bordado. Mesmo com um corpo naturalmente mais frio, não estava aguentando. Percebendo que suas intenções haviam sido desvendadas, seu rosto corou, mas ela manteve a pose:

— Não está quente.

Lu Heng sorriu de leve e perguntou, sem pressa:

— Tem certeza? Anlu não é como a capital. O calor abafado dura mais. Não se deixe ter insolação à toa.

Wang Yanqing, na verdade, já se arrependia um pouco. A Mansão Chengtian era cheia de lagos, o clima era quente e úmido, e o cetim bordado era pesado e abafado. Estava usando várias camadas, por dentro e por fora — uma tortura nesse tempo. Algodão fino era de fato leve e arejado, mas sempre que Lu Heng a olhava, ela sentia que estava nua. Trocou para roupas mais grossas justamente para se proteger dele, mas se voltasse atrás agora, pareceria que estava fazendo charme.

Wang Yanqing se recusava a admitir, e Lu Heng também não a forçava. Esperou até que ela se refrescasse um pouco, então disse:

— Já está na hora da refeição. Não vamos deixar os mais velhos esperando. Vamos cumprimentar a mãe.

Wang Yanqing assentiu e seguiu Lu Heng até o salão principal. A Senhora Fan e a Senhora Chu já sabiam que Lu Heng tinha voltado. Ele mandou avisar que descansaria um pouco em seu pátio antes de vê-las. Sabendo disso, Lu Wen também saiu do trabalho mais cedo naquele dia. Estavam conversando quando ouviram alguém gritar lá fora: “O Segundo Mestre chegou”, e todos pararam imediatamente.

Todos na sala se levantaram, com exceção da Senhora Fan. Lu Heng parou junto à porta, esperou que Wang Yanqing o alcançasse e então abriu a cortina para entrar. Wang Yanqing estava um pouco nervosa, e Lu Heng percebeu, apertando sua mão discretamente.

Wang Yanqing respirou fundo e se lembrou que aquelas eram pessoas com quem havia convivido por anos — não havia motivo para ficar nervosa. Levantou a cabeça e reuniu coragem para olhar à frente.

Não havia muita gente na família Lu. Uma mulher de meia-idade, de aparência delicada e bonita, estava sentada à frente. Devia ser a mãe de Lu Heng, mas parecia ter pouco mais de quarenta anos. Seu rosto era ovalado, as sobrancelhas finas como folhas de salgueiro, a pele ainda firme e clara. Seus olhos se destacavam — internos levemente puxados, externos curvados, ligeiramente rosados, com brilho aquoso e um leve sorriso mesmo quando não sorria — transmitindo simpatia imediata.

Ao ver a Senhora Fan, Wang Yanqing entendeu de onde vinham os olhos de Lu Heng. Foi naquele instante que ela compreendeu o verdadeiro significado de beleza imbatível ao tempo. Mesmo com algumas rugas ao redor dos olhos, nada diminuía o poder daquele olhar encantador. Era evidente que ela tivera uma vida tranquila, de temperamento suave — as durezas da vida não marcavam seu rosto.

Sentado ao lado da Senhora Fan havia um casal. O homem era alto, de ombros largos, feições duras e austeras. Parecia mais militar do que o próprio Lu Heng, mas seus traços lembravam o irmão no nariz e nos lábios — era óbvio que se tratava de Lu Wen, o irmão mais velho. A mulher ao seu lado era pequena e delicada, com nariz e boca pequenos, e uma beleza serena e discreta — devia ser sua esposa, a Senhora Chu.

Atrás dela, uma ama segurava uma criança nos braços, com olhos redondos como uvas, que olhavam para eles com curiosidade. Não precisava perguntar: aquele era Lu Zhan, o sobrinho de Lu Heng.

Wang Yanqing memorizou cada um deles e seguiu Lu Heng para cumprimentá-los.

Enquanto Wang Yanqing observava a família Lu, a Senhora Fan e os outros também a examinavam. A Senhora Chu ouvira da sogra, naquela tarde, que Lu Heng trouxera uma mulher com ele — e que, como ainda estavam em luto pelo pai, não poderiam anunciar um casamento formal. Por isso, ele a havia trazido sob o título de irmã mais nova. A Senhora Fan também dissera que a moça sofrera um acidente na cabeça e havia perdido toda a memória, instruindo a nora a não tocar em assuntos delicados.

Não era segredo em Anlu que o Segundo Mestre da família Lu era excepcional. Todos sabiam que Lu Heng era poderoso na capital, e bastava mencionar o sobrenome “Lu” na Mansão Chengtian para que ninguém ousasse provocar. A Senhora Chu não conhecia bem o cunhado, mas sabia que ele nunca se casara, e sua mãe, interessada, havia pedido que sondasse a situação. A Senhora Chu chegou a conversar com a sogra, mas como o luto do sogro ainda não havia terminado, o assunto fora deixado de lado.

Inesperadamente, agora ouvira que Lu Heng tinha trazido uma mulher consigo.

Não havia dúvida no coração da Senhora Chu. Agora que via a pessoa real, ficou chocada e finalmente entendeu por que seu cunhado, que esperava há tantos anos, de repente quis se casar.

As mulheres da família Lu eram todas belas de pele clara típicas de Jingchu, mas essa senhorita Wang tinha um charme especial — alta, ossos finos, marcas nítidas no rosto e traços brilhantes. Em outra pessoa, poderia parecer um pouco sedutora demais, mas sua expressão era fria. A pele, branca como neve, parecia conter gelo em sua beleza, e, de repente, tornava-se chamativa sem ser desrespeitosa.

Ela era tão deslumbrante quanto pêssegos e ameixas, e tão fria quanto o gelo. A Senhora Chu percebeu que, antes de entrarem, Lu Heng segurara a mão de Wang Yanqing. Com uma aparência tão boa, junto do cuidado de Lu Heng, era provável que ela fosse a nora. Senhora Chu também era uma pessoa sensata e trataria o assunto do casamento de Lu Heng como se não tivesse acontecido, sem mencionar mais o assunto.

Quando a Senhora Fan ouviu o que Lu Heng disse hoje, já estava preparada para cuidar de uma nora com mentalidade infantil, mas não esperava que Wang Yanqing fosse tão charmosa e graciosa. Ela não conseguia distinguir Wang Yanqing de uma pessoa comum. Senhora Fan ficou radiante de alegria e completamente satisfeita com Wang Yanqing.

As duas partes se cumprimentaram e se sentaram uma a uma. O cargo oficial de Lu Heng era superior ao de Lu Wen, mas ele recusou a posição maior e levou Wang Yanqing para sentar à direita. Ao ver seus dois filhos e a nora sentados à mesa, um à esquerda e outro à direita, a Senhora Fan ficou muito satisfeita e disse alegremente:

— A família está finalmente toda reunida hoje, pena que seu pai não teve a chance de ver isso.

Assim que Lu Heng ouviu que ela estava prestes a revelar seus segredos, rapidamente mudou de assunto:

— Mãe, é um dia feliz, não se preocupe mais com o passado. Cheguei tarde hoje e seria desrespeitoso fazer a senhora, o irmão mais velho e a cunhada esperarem tanto tempo.

Como a Senhora Chu poderia aceitar essas palavras, ela logo respondeu:

— Estamos em casa o dia todo, não é nada esperar um pouco. O que importa é o que acontece diante do imperador.

Lu Wen também falou:

— Sim, ouvi que tudo na Guarda Imperial está sob seu controle agora, então seja mais cuidadoso nos negócios. Não há pressa para voltar para casa.

A Senhora Chu piscou, mas não continuou. Lu Heng estava acostumado a tramar com o imperador e os ministros do gabinete, então entendeu os pensamentos da cunhada de imediato. Ele sorriu e explicou:

— Há alguns dias, fui promovido a Comandante-Chefe da capital e estou temporariamente responsável pelos assuntos da Guarda Imperial.

A Senhora Chu soltou um leve chiado. Ele havia sido promovido de novo. A Senhora Chu jamais sonhara com uma promoção tão rápida.

Depois que Lu Heng abriu o tópico, Lu Wen naturalmente perguntou sobre os assuntos da Guarda Imperial, e Lu Heng mencionou também as mudanças de pessoal na capital durante esse período. O assunto mudou para o tribunal, e ninguém mais se importou com as palavras da Senhora Fan há pouco. Wang Yanqing percebeu que as pessoas da família Lu a tratavam com indiferença. Não perguntavam nem cutucavam, como se a conhecessem há muito tempo. Wang Yanqing respirou secretamente aliviada e se concentrou para ouvir as palavras de Lu Heng.

Quando os assuntos oficiais começaram, era difícil parar. Ao chegar a hora da refeição, o grupo se dirigiu à sala de jantar. Sentados, a Senhora Chu finalmente encontrou uma oportunidade para tirar Lu Zhan e disse:

— Você não parava de perguntar pelo Tio Segundo que estava na capital o dia todo? Ele voltou, corra para cumprimentar o Tio Segundo e a Tia.

Embora a identidade de Wang Yanqing fosse tacitamente entendida por todos, Lu Heng a considerava sua irmã mais nova, e claro que a Senhora Chu lhe dava essa face. Lu Zhan foi empurrado pela mãe e caminhou até Lu Heng e Wang Yanqing meio tonto. Ele tinha apenas três anos, não alcançava a mesa. Wang Yanqing ficou um pouco surpresa e confusa ao ver a criança se aproximar.

Por outro lado, Lu Heng sorriu, mas seus olhos estavam tensos. Crianças não têm uma lógica completa, e isso era uma variável que Lu Heng não conseguia controlar. Lu Zhan olhou para as duas pessoas à sua frente e então puxou a manga da ama:

— Por que ela é chamada de Tia? Não deveria ser Segunda Tia?

A mesa de jantar ficou silenciosa por um momento, e a Senhora Chu apressou-se a puxar o filho, dizendo com raiva:

— Não fale besteira.

Lu Heng pensou consigo mesmo que, se não fizesse nada errado, não temeria fantasmas batendo à sua porta. Quem fez coisas imorais como ele, sempre se preocupava e ficava inquieto. Ele sorriu suavemente para o sobrinho e disse:

— Ainda não chegou a hora, por isso você tem que chamá-la de Tia por enquanto.

De repente, todos na mesa entenderam, e uma risada amistosa ecoou por dentro e fora da sala. Wang Yanqing corou, envergonhada demais para olhar para cima de novo.

O que Lu Heng dissera foi vago. Wang Yanqing naturalmente achava que ainda era filha adotiva da família Lu, então precisava ser chamada de Tia, enquanto a Senhora Fan e os outros pensavam que Lu Heng ainda estava no período de luto, por isso usavam o título “Tia” para enganar os outros.

Ambos os lados achavam aquilo razoável. Vendo que Wang Yanqing estava tímida e não queria passar vergonha, a Senhora Fan anunciou que o jantar estava pronto. Lu Heng pegou um prato para Wang Yanqing e disse em voz baixa:

— Ele ainda é jovem e não se lembra de nada, então não leve para o lado pessoal.

Essa era outra frase que poderia ser interpretada de várias maneiras. Wang Yanqing pensou que Lu Zhan tinha três anos naquele ano e que ele devia ter acabado de fazer dois quando ela partiu para Pequim, então era normal que ele não se lembrasse dela.

Mas por que ele a esqueceu e lembrou de Lu Heng? Wang Yanqing começou a pensar em Lu Heng como oficial da capital. Devem existir pessoas dentro e fora da família Lu falando constantemente para Lu Zhan sobre seu excepcional Tio Segundo, enquanto Wang Yanqing, como mulher da casa interna, tinha sua presença muito mais discreta do que Lu Heng. Não era de se espantar que Lu Zhan lembrasse de Lu Heng, mas a esquecesse.

Wang Yanqing pensou numa explicação plausível, balançou a cabeça levemente e disse a Lu Heng:

— Eu entendo.

A mesa era pequena, e a interação entre os dois foi vista por todos. O sorriso no rosto da Senhora Fan ficou cada vez mais caloroso, e ela já pensava em dar nome aos netos no futuro. Lu Wen fingiu não perceber, e a Senhora Chu abaixou a cabeça para alimentar o filho, pensando consigo que aquela mulher gostava muito de Lu Heng.

Como esperado, Lu Heng não se esquivou. Na frente de todos na casa, sob observação direta ou disfarçada, ele calmamente serviu uma tigela de sopa de peixe para Wang Yanqing e disse à Senhora Fan:

— Mãe, quando saímos da capital, foi inconveniente trazermos muita bagagem. As roupas dela foram todas feitas lá, e não tinha nada adequado para o clima rigoroso daqui. Amanhã, vou precisar incomodar a senhora e a cunhada para encomendar algumas roupas para ela. Aproveito também para encomendar uns cachinhos dourados para o Zhan’er, que faz tempo que não o vejo.

Sempre que Lu Heng abria a boca, já se sabia que todas as despesas seriam cobertas por ele. A Senhora Chu ficou ligeiramente surpresa e apressou-se a dizer:

— Cunhado, você é muito educado, se a moça está precisando de roupas, é meu dever como cunhada. Não precisa de mais nada, o Lu Zhan já tem várias Trancas da Longevidade, ele nem consegue usar todas...

|| Trancas da Longevidade (长命锁) são uma tradição chinesa antiga, geralmente fechaduras ou pingentes metálicos usados por crianças para afastar o mal.

Lu Heng respondeu:

— Essas são minhas vontades para meu sobrinho. Se ele não conseguir usar todas, é só guardar. Pelo contrário, estive na capital por muito tempo e não pude cumprir minha obrigação filial. Graças ao meu irmão e à cunhada, alguém cuidou dos negócios da família e honrou minha mãe nesses anos. Qing Qing nunca esteve em Anlu, então ela não conhece nada daqui. Amanhã, cunhada, você também vai orientar a Qing Qing. Se minha mãe ou a cunhada gostarem de alguma coisa, comprem também e considerem como minhas desculpas.

Lu Heng era muito bom de conversa. Essas palavras pareciam presentes para a Senhora Chu e para Lu Zhan, mas na verdade eram para Lu Wen. Quando ele era jovem e forte, a posição na Guarda Imperial passou de Lu Wen para Lu Heng. Embora Lu Heng depois tenha ajudado Lu Wen a conseguir um cargo melhor, isso acabou virando um nó entre os irmãos. O dinheiro tinha perdido seu valor para Lu Heng, mas se ele podia usar ouro e prata para conquistar o irmão mais velho e garantir a estabilidade da família Lu, então isso valia a pena.

Lu Heng cuidava ao mesmo tempo de Wang Yanqing, da Senhora Fan, de Lu Wen e da Senhora Chu. Vendo que o marido não se opunha, a Senhora Chu sorriu e concordou. Ela olhou calmamente do outro lado da mesa, pensando que Lu Heng, um homem que comandava a Guarda Imperial e era temido por todos, dentro e fora, chamar Wang Yanqing de “Qing Qing” em público era realmente meloso.

E invejável.

Mais uma vez, Wang Yanqing sentiu as habilidades de fala excelentes de Lu Heng e ficou um pouco envergonhada. Embora Lu Heng não dissesse claramente, entre as linhas e nas entrelinhas, ele demonstrava desagrado pelas roupas de Wang Yanqing. Ela baixou o olhar e, bem, comparada a todos ali, ela realmente não estava vestida para a mesma estação.

Lu Heng encontrou uma desculpa decente para pedir que ela trocasse de roupa. Wang Yanqing podia escolher os tecidos sozinha e optar por peças frescas e não reveladoras. Ela pegou o peixe que ele levou à sua boca e aceitou silenciosamente sua gentileza.

A refeição foi agradável, e depois dela, Lu Heng levou Wang Yanqing para sair, e os outros, naturalmente, não hesitaram em deixá-los. O céu em Chu era alto e as águas largas. À noite, o vento soprava confortavelmente. Lu Heng segurou a mão de Wang Yanqing naturalmente, e ela, imersa na noite bela e tranquila, aceitou sem resistência.

À mesa, Lu Heng percebeu que o apetite de Wang Yanqing estava maior do que o habitual. Ela não devia estar desconfiada, mas por precaução, ele perguntou cautelosamente:

— Qing Qing, depois de voltar para casa tão de repente, você já está se acostumando?

Wang Yanqing assentiu:

— A Tia e a cunhada são muito gentis. Zhan’er também é muito fofo, não tem nada para me acostumar.

Lu Heng respirou secretamente aliviado e disse:

— Desde que você goste, está ótimo. Não precisa se estressar. Se realmente não consegue se lembrar do passado, não precisa forçar. Apenas finja que você, sua mãe e a cunhada acabaram de se conhecer e cultivem a relação de novo.

Wang Yanqing não duvidou dele e assentiu, emocionada:

— Está bem.

Lu Heng continuou:

— Amanhã vou acompanhar o imperador a Xianling, e pode ser que nos próximos dias eu não tenha tempo para te acompanhar. Aquele ladrão, Fu Tingzhou, ainda está de olho em você. Siga sua mãe e a cunhada nesses dias, não saia sozinha, entendeu?

Wang Yanqing assentiu e concordou.

Depois que Lu Heng resolveu o que mais o preocupava, seus pensamentos foram para Lu Zhan, de alguma forma. Ele perguntou:

— O que você acha do Lu Zhan?

Wang Yanqing achou a pergunta estranha:

— Bom. Ele não parece um irmão mais velho, mais uma cunhada. Ele parece frio e fofo, e vai ser uma criança esperta no futuro.

Lu Heng assentiu:

— Eu também acho. Com você aqui, nossos futuros filhos com certeza serão mais bonitos.

Wang Yanqing hesitou por um momento e respondeu, despreocupada:

— Você deve estar pensando longe demais.

Lu Heng sorriu levemente e disse:

— Essas são palavras de um sábio.

Wang Yanqing revirou os olhos por dentro. Que sábio ensinou ele a tirar vantagem de uma mulher assim? Ela perguntou de propósito:

— Qual sábio disse isso?

— Confúcio — respondeu Lu Heng calmamente. — “Tudo pode ser preparado antecipadamente, e se não for preparado, será abolido.” Errado eu estar agindo segundo as palavras de um sábio?

Wang Yanqing ficou em silêncio por um momento e disse sinceramente:

— Está certo.

Ela que estava errada. Esse homem sabia exatamente onde pisar para incomodar e ainda assim ela não devia discutir com Lu Heng.

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|| Nota do autor:
Lu Heng: Que dia emocionante!




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