Capítulo 76 — Conferimento
A Imperatriz Viúva Yao finalmente pareceu recobrar algum ânimo. Soltou a gaiola do pássaro, e as donzelas de ambos os lados vieram imediatamente para limpar suas unhas. Sem sequer olhar para trás, a Imperatriz Viúva ergueu levemente as pálpebras e perguntou:
— Ele não dizia que não queria se casar? Que dama tem tanto charme a ponto de fazer o Príncipe Jing mudar de ideia?
A expressão de Feng Momo mudou ligeiramente, tornando-se mais significativa. Ela se aproximou e sussurrou:
— Imperatriz Viúva, Vossa Alteza conhece essa pessoa. É Tang Shishi.
A Imperatriz Viúva Yao ergueu as sobrancelhas, visivelmente surpresa.
— Tang Shishi?
— É a mulher que Vossa Alteza escolheu na seleção do ano passado e enviou ao feudo do Príncipe Jing.
— Eu me lembro dela.
A Imperatriz Viúva Yao ergueu a mão, e Feng Momo se adiantou para segurá-la com cuidado, ajudando-a a se sentar. Depois de se acomodar, a Imperatriz Viúva olhou para suas unhas e comentou:
— Foram tantas mulheres belas selecionadas de todo o país, e ela foi a única realmente notável. Vestia as mesmas roupas que as demais, mas em meio à multidão, era um verdadeiro destaque. Tantas jovens filhas de altos oficiais serviram apenas para realçar seu brilho. Nestes anos todos, já vi inúmeras belezas, mas apenas duas me convenceram. Uma é ela. A outra foi a Consorte Imperial Gonglie.
Consorte Imperial Gonglie... Feng Momo ficou tensa ao ouvir esse nome e apressou-se em dizer:
— Niangniang, isso já é coisa do passado. Por que mencioná-la agora?
— Sim, faz muito tempo.
A Imperatriz Viúva Yao não estava satisfeita com suas unhas, por mais que olhasse. Deixou os dedos repousarem sobre o apoio do braço e comentou com frieza:
— A Consorte Imperial Guo Gonglie está morta há doze anos, e meu Ting’er já se foi há cinco. Daqueles amaldiçoados de então, restamos apenas eu e ele.
Feng Momo ajoelhou-se para massagear as pernas da Imperatriz Viúva e não se atreveu a responder. A Consorte Imperial Guo Gonglie e o Príncipe Jing eram feridas que a Imperatriz Viúva não conseguia superar. Quem os mencionasse, atrairia má sorte. Não era de se admirar que o coração da Imperatriz Viúva Yao nunca estivesse em paz. Quando ainda era imperatriz, não conseguiu superar a Consorte Gonglie. Depois de tanto esforço para se tornar Imperatriz Viúva, venceu — mas Zhao Chengting morreu jovem, deixando-a com o luto de enterrar o próprio filho. E Zhao Chengjun, que todos julgavam fadado à morte, sobreviveu... e se tornou um tigre indomável.
Como a Imperatriz Viúva poderia engolir esse amargo? Felizmente, ao longo dos anos, Zhao Chengjun continuava trabalhando arduamente... e sem filhos. Se ele tivesse gerado alguns filhos legítimos, a Imperatriz Viúva morreria de raiva.
Por outro lado, talvez fosse justamente essa ausência de herdeiros que permitiu à Imperatriz Viúva suportar a presença de Zhao Chengjun por tantos anos. Ele nem sequer tinha uma esposa legítima. Quanto ao filho adotivo, a Imperatriz Viúva nunca o levou a sério — afinal, ele não era sangue dos Zhao. Podia mudar de sobrenome, mas nunca de origem. Logo, não contava.
A Imperatriz Viúva Yao não queria que Zhao Chengjun tivesse descendentes. Se ele não tivesse esposa nem filhos, seria ótimo que permanecesse no Noroeste guardando as terras para Zhun’er. Mas, se tivesse um filho... a história seria outra.
— Lembro-me de que Sua Alteza, o Quarto Príncipe, não era um homem fácil de agradar. Sempre teve padrões altíssimos, e qualquer coisa abaixo disso não lhe servia. Por que agora decidiu tornar Tang Shishi sua Wangfei?
Feng Momo massageava suavemente as pernas da Imperatriz Viúva e respondeu com cuidado:
— Embora a origem de Tang Shishi não seja elevada, sua beleza é incomparável. Talvez, o Príncipe Jing também não tenha resistido ao encanto.
A Imperatriz Viúva Yao soltou uma risada ao ouvir isso:
— Ele? Se for mesmo isso, então Tang Shishi prestou um grande serviço. Mas, infelizmente, meu bom filho não é alguém que se deixa confundir pela beleza.
Quando o assunto envolvia o Príncipe Jing, Feng Momo não ousava expressar opinião. Mudou de abordagem e testou o humor da Imperatriz Viúva com cautela:
— Tenho algo em mente, mas não sei se seria inapropriado dizer...
— Fale — disse a Imperatriz Viúva, com ar cansado.
— O espião na mansão do Príncipe Jing informou que essa decisão repentina de torná-la Wangfei foi por causa de uma gravidez.
— Grávida?
A Imperatriz Viúva Yao ficou ligeiramente surpresa e, em seguida, entendeu:
— Ah... Agora faz sentido. Eu estava me perguntando por que ele pensaria em assuntos mundanos e ainda escolheria justamente a enviada por mim. Então é por causa da criança.
A Imperatriz Viúva achava que havia desvendado os segredos da Mansão Jing e sentia que havia vencido com facilidade. Recostou-se no apoio do trono em silêncio. Feng Momo não ousava interromper e continuou massageando suas pernas discretamente.
Passado um tempo, a Imperatriz Viúva perguntou, em tom pausado:
— Tang Shishi... é alguém confiável?
Feng Momo não ousava opinar sobre o Príncipe Jing, mas sobre Tang Shishi, ela estava segura. Respondeu com firmeza:
— Deveria ser confiável. Ela não é inteligente nem perspicaz. Fora o rosto bonito, não tem qualquer utilidade. Como ousaria trair Vossa Alteza? Com o devido respeito, mesmo que tivesse essa ousadia, não teria cérebro para isso. Suponho que tenha seduzido o Príncipe Jing com sua beleza. Afinal, homens sempre caem diante da beleza. Por sorte, Tang Shishi engravidou. O Príncipe Jing só deve tê-la tornado Wangfei por causa do herdeiro.
A Imperatriz Viúva Yao concordou, em parte, com as palavras de Feng Momo. Não esperava que Zhao Chengjun aceitasse Tang Shishi como Wangfei. Mesmo por causa do filho, acreditava que ele jamais abriria mão da posição da esposa legítima.
Porém, refletindo melhor, a Imperatriz Viúva ponderou que Zhao Chengjun nunca demonstrara interesse em ter filhos. Talvez agora estivesse ansioso por um primogênito. Pensando assim, ela passou a entender melhor. Embora tenha tramado para adiar o casamento de Zhao Chengjun e o tenha feito carregar a fama de trazer má sorte às esposas, isso não era sustentável. Afinal, ele era um príncipe feudal poderoso em plena vitalidade — não havia mais desculpas para continuar solteiro. Se mais algumas noivas morressem, quem ficaria mal vista seria ela.
Melhor seria deixá-lo se casar com Tang Shishi. A família dela não ajudava em nada. Ela era fútil e ingênua — fácil de manipular. A única preocupação seria se, ao dar à luz, Tang Shishi se tornasse ambiciosa.
A Imperatriz Viúva comentou com tranquilidade:
— Já faz um ano desde que você a viu pela última vez. Ela ainda não conhecia Zhao Chengjun, então era naturalmente leal a você. Agora, passado um ano... temo que seja difícil garantir que seu coração ainda pertença a nós.
Feng Momo franziu o cenho, mas ainda achava que Tang Shishi não trairia. Se fosse Zhou Shunhua ou Ren Yujun, ela até hesitaria. Mas Tang Shishi?
Impossível.
— Talvez Vossa Alteza esteja se preocupando demais. O espião relatou que, durante o último ano, Tang Shishi tem se esforçado muito na mansão, sempre tentando separar o Príncipe Jing do filho adotivo, e frequentemente defendendo suas colegas belas. Infelizmente, seu cérebro não colabora — errou mais do que acertou. A gravidez dela foi um acidente. A princípio, todos acharam que ela havia se envolvido com um homem de fora e quase provocaram um aborto. Quando a verdade veio à tona, o Príncipe Jing confinou Tang Shishi imediatamente. Foi tão rigoroso que os espiões nem conseguiram mais ter contato com ela. Mas o informante apurou que Tang Shishi realmente não queria ter o bebê, e chegou até a comprar remédio abortivo em segredo. Depois que foi descoberta, não teve escolha senão aceitar seu destino.
Ao ouvir que Tang Shishi havia conseguido o remédio por conta própria, a Imperatriz Viúva ficou muito mais tranquila. Se fosse ambiciosa, ao saber que estava grávida do herdeiro de Zhao Chengjun, ela teria feito de tudo para usá-lo como trampolim. Mas comprar remédio para abortar em segredo? Isso mostrava que ela realmente não queria se casar com ele. Sendo assim, essa peça ainda podia ser confiável.
A Imperatriz Viúva abriu um sorriso raro no rosto:
— Ela é leal, gentil e não esqueceu sua intenção original. Na verdade, é bastante útil. Venho me preocupando há anos com os assuntos do Príncipe Jing, temendo atrasar seu casamento e jamais poder ver Shizong no futuro. Inesperadamente, seu casamento já chegou. Quando nossa dinastia escolhe uma concubina imperial, não olhamos para os antecedentes familiares, e sim para o talento e a virtude. Tang Shishi tem origem honesta e pura. É ideal para ser Wangfei. Enviei pessoas a milhares de quilômetros de distância e, sem querer, consegui um casamento. Isso é uma ocasião alegre e deve ser recompensada.
Ao ouvir isso, Feng Momo soube que o assunto estava resolvido. Sentiu-se aliviada e logo parabenizou a Imperatriz Viúva Yao:
— Parabéns, Niangniang. Uma grande preocupação foi resolvida.
Não era verdade? A Imperatriz Viúva Yao não queria que Zhao Chengjun se casasse, mas, ao mesmo tempo, também não podia permitir que ele ficasse sem esposa. Naturalmente, era uma ocasião feliz encontrar alguém que não representasse ameaça e fosse inclinada à facção do palácio imperial para ocupar o posto de Wangfei.
A Imperatriz Viúva Yao sorriu sem dizer nada. Após refletir por um momento, disse:
— Esse casamento foi arranjado por mim, então deve ser tratado com todo o cuidado. Se eu souber que alguém está agindo com desprezo, má vontade ou desdém só porque Tang Shishi vem de uma família mercante, não vou perdoá-lo.
Feng Momo respondeu:
— Entendido. Avisarei o Superintendente de Rituais imediatamente e pedirei para revestirem o memorial de solicitação de título com seda vermelha.
— En.
A Imperatriz Viúva pensou mais um pouco e sentiu que conceder o casamento não era suficiente para demonstrar a benevolência de uma mãe. Então acrescentou:
— A família de Tang Shishi está em Linqing, o que torna inconveniente casá-la à distância. Embora ela não seja do Palácio Imperial, foi enviada por mim, e considero-me metade de sua família natal. Abra meu baú de joias e acrescente alguns dotes para ela.
Feng Momo ficou espantada ao ouvir que a Imperatriz Viúva estava disposta a adicionar dotes para Tang Shishi. A sorte dela era realmente imensa. Isso mostrava como a sorte de alguém não se pode prever antes da hora.
Feng Momo concordou respeitosamente. Ao mesmo tempo, já planejava que precisaria pressionar os eunucos da Supervisão de Assuntos Internos para que ficassem mais atentos ao preparar as roupas da futura Wangfei. As vestes e utensílios do casamento da Wangfei seriam todos concedidos pela Corte Imperial, o que refletiria diretamente a postura oficial. Esses itens cerimoniais seriam a face da Wangfei — e a face de Tang Shishi seria, por consequência, a face da própria Imperatriz Viúva.
A Imperatriz Viúva Yao não precisava se preocupar com esses detalhes. Bastava demonstrar sua atitude — o restante seria resolvido por seus subordinados. Depois de dar suas ordens, a Imperatriz Viúva deixou de lado o assunto de Tang Shishi e perguntou:
— Onde está Sua Majestade? O que está fazendo?
Ao ouvir isso, Feng Momo hesitou e respondeu com cautela:
— Sua Majestade está treinando com o exército de elite no lado oeste. Está se preparando para tempos difíceis durante a paz e dá atenção às artes marciais. Isso demonstra que ele é um monarca capaz de expandir territórios.
A Imperatriz Viúva Yao soltou um riso frio ao ouvir isso:
— Já agradeço por ele ao menos não ter que abrir novas fronteiras e apenas defender os alicerces deixados pelos antepassados, sem deixar que ninguém se aproveite de brechas. E ele ainda reluta em consumar o casamento com Pei’er?
Feng Momo ficou constrangida e respondeu:
— Sua Majestade ainda é jovem. Os jovens gostam de batalhas e ação, ainda não foram devidamente iluminados. Quando experimentar os encantos das mulheres, certamente entenderá.
Mas, ao dizer isso, Feng Momo não estava tão otimista por dentro. O sobrenome de Pei’er — mencionado pela Imperatriz Viúva — era Yao. Ela era filha da Princesa Nanyang e neta da Imperatriz Viúva. Para fortalecer sua família de sangue, a Imperatriz Viúva Yao casou sua filha mais velha, Princesa Nanyang, com seu sobrinho Yao Zhang. Depois que o Imperador Xiaozong morreu de doença, Zhao Zizhun, que tinha apenas oito anos, ascendeu ao trono. A Imperatriz Viúva Yao tornou-se avó-imperatriz.
Em teoria, ela havia alcançado o ápice do poder, e ninguém no mundo poderia contrariá-la. Ainda assim, permanecia inquieta. Tomou a filha da Princesa Nanyang, Yao Pei’er, e a levou ao palácio, prometendo-a como imperatriz de Zhao Zizhun, com o intuito de continuar fortalecendo a influência da família Yao.
Inicialmente, não era grande coisa casar com o próprio primo. Qual família influente não começava assim? O problema era que Yao Pei’er tinha seis anos a mais que Zhao Zizhun.
Como um menino de oito anos que se casava com uma prima de catorze poderia desenvolver qualquer relação homem-mulher? Depois que Yao Pei’er entrou no palácio, permaneceu casta, ainda virgem.
A princípio, todos achavam natural — Zhao Zizhun era muito jovem e entenderia com o tempo. No entanto, cinco anos depois, Yao Pei’er estava com dezoito anos, Zhao Zizhun já tinha idade para compreender… e ainda assim, não havia qualquer intimidade física entre eles.
A Imperatriz Viúva Yao, a Princesa Nanyang e toda a família Yao estavam em desespero. Mas esse tipo de questão não podia ser resolvida à força. Afinal, não poderiam simplesmente amarrar o Imperador à cama de Yao Pei’er, não é?
A Imperatriz tornou-se o maior constrangimento do palácio. Todos sabiam que ela estava lá há cinco anos, mas ninguém ousava comentar ou sequer tocar no assunto.
A Imperatriz Viúva Yao estava furiosa. Zhao Chengting morreu cedo, deixando para trás apenas um filho — Zhao Zizhun — que não era filho de esposa legítima, mas sim de uma jovem serva do palácio. A Imperatriz Viúva desprezava as origens de Zhao Zizhun e mal podia suportar o fato de o único herdeiro de seu filho ser de nascimento inferior.
Ainda assim, não teve escolha senão apoiá-lo ao trono. E imediatamente mandou matar a mãe biológica dele.
No harém imperial, jamais haveria imperatrizes viúvas tanto no leste quanto no oeste do palácio. Ela seria a única anciã remanescente.
A Imperatriz Viúva depositava todas as suas esperanças em Zhao Zizhun — mas ele só pensava em brigas de galo, cavalgadas, estudos excêntricos e treinamentos com os guardas imperiais, sem se dedicar a nenhum assunto sério.
Agora, Zhao Chengjun estava prestes a ter um herdeiro legítimo, e Zhao Zizhun ainda nem havia consumado seu casamento com Yao Pei’er.
A Imperatriz Viúva Yao bateu com força no braço do trono, com o rosto sério, e disse:
— Ele é jovem, sim, mas mesmo que tenha bom senso, o trono será alvo de cálculos e disputas. Mandem-no de volta do lado oeste. E se alguém se atrever a seduzir Sua Majestade para se divertir, será espancado até a morte!
Feng Momo respondeu apressadamente. A Imperatriz Viúva ficou furiosa por um tempo, depois se acalmou e disse:
— Chamem também a Imperatriz. São um casal jovem e de boa aparência. Preciso agir como casamenteira entre eles. É uma boa ocasião, já que o Tio de Sua Majestade, o Príncipe Jing, vai se casar. Chamem os dois. Quero conversar com eles.
— Sim.
Mansão do Príncipe Jing.
Desde que Zhao Chengjun retornou e deixou claro que aquela criança era seu herdeiro, o tratamento para Tang Shishi subiu como um foguete. Havia um fluxo constante de pessoas tentando agradá-la todos os dias, mas Liu Ji mantinha ordem rígida — apenas alguns rostos autorizados podiam entrar, o restante era barrado.
Zhao Chengjun não retornou a Suzhou, mas permaneceu na mansão, controlando as operações militares na fronteira à distância. Estava extremamente ocupado nos últimos dias, mas, ainda assim, fazia questão de arranjar tempo à noite para jantar com Tang Shishi.
O ambicioso sonho de Tang Shishi de se tornar imperatriz viúva mal durara alguns dias antes de ser esmagado pela realidade. Seu enjoo matinal estava muito severo, especialmente nos últimos dias, a ponto de ela quase vomitar tudo o que comia.
Zhao Chengjun foi acompanhá-la para a refeição da noite naquele dia, e a cozinha, sabendo que o Wangye também estava no pátio Jianjia, preparou um banquete especialmente farto. Zhao Chengjun pegou um pedaço de tofu para Tang Shishi e disse:
— Você anda sem apetite. Coma mais coisas fáceis de digerir e recupere sua saúde o quanto antes. Outras mulheres engordam durante a gravidez, e você, ao contrário, está mais magra do que antes de engravidar.
Tang Shishi olhou para a mesa repleta de pratos e realmente não teve vontade de comer. Ela cutucou o tofu com os hashis e comentou, num tom irônico:
— De acordo com o Wangye, você está me desprezando por não estar mais bonita? Ser mulher é difícil... tem que sofrer, engravidar, e depois ainda não pode nem engordar ou emagrecer demais durante a gestação.
Zhao Chengjun não pôde deixar de suspirar:
— Nunca disse isso. Não seja maldosa.
— Você acha que eu sou maldosa! — Tang Shishi se exaltou de repente. Ela falou rápido demais e, inadvertidamente, uma nova onda de náusea a tomou. Tang Shishi virou-se depressa para o lado e começou a vomitar. Zhao Chengjun largou os hashis, foi até ela e começou a acariciar-lhe as costas lentamente.
Tang Shishi mal havia comido durante o dia e agora estava vomitando bile amarela. Zhao Chengjun sentiu suas costas magras sob a palma da mão e seus olhos revelaram preocupação.
Tang Shishi praticamente não ingerira nada, e mesmo assim, expeliu tudo. Dujuan, já habituada à situação, segurou uma bacia e ajudou Tang Shishi a se limpar e enxaguar a boca. Quando terminou de vomitar todo o líquido, seu corpo inteiro ficou fraco, e ela tombou, sem forças, no divã de madeira.
Zhao Chengjun sentou-se ao lado dela e segurou-lhe a mão. Ao notar que seus dedos estavam frios, seu coração se apertou ainda mais. Zhao Chengjun disse:
— Coma só mais um pouco. Você quase não comeu nada hoje. Vou mandar a cozinha preparar o que quiser.
Tang Shishi pensou um pouco e balançou a cabeça fracamente. Zhao Chengjun insistiu:
— Você não pode continuar assim. Se seguir desse jeito, nem pense na criança... você mesma não vai aguentar. Seja boazinha, coma só mais um pouco.
Tang Shishi estava relutante e não queria se forçar. Então Zhao Chengjun mandou trazer uma tigela, pegou ele mesmo a colher e começou a alimentá-la, aos poucos. Tang Shishi só conseguia dar duas colheradas antes de precisar descansar, e Zhao Chengjun permanecia sentado ao seu lado, esperando pacientemente.
Ela comeu apenas metade da tigela, depois acenou várias vezes com as mãos, recusando-se a continuar.
Com um apetite tão pequeno, os criados dos dois lados estavam exaustos, suando em bicas. Zhao Chengjun pousou a tigela, pegou uma ameixa e colocou na boca de Tang Shishi:
— Você está comendo muito pouco. Depois, vou mandar a cozinha preparar mais algumas refeições. Você vai comer várias vezes ao dia para repor devagar.
Liu Ji respondeu ao lado e pensou, em silêncio, que já que Tang Shishi comia pouco em cada refeição, então faria várias ao longo do dia. A ideia do Wangye era boa, mas os que serviam é que sofreriam com isso.
Tang Shishi passou a comer cinco ou seis vezes por dia, e a cozinha não conseguia fazer mais nada. A mansão inteira estava sendo arrastada para seguir o ritmo dela.
De fato, não se podia julgar um homem pela aparência. Antes do casamento, não dava para imaginar — mas agora, ninguém esperaria que o Wangye se tornasse alguém tão protetor depois de ter esposa e filho.
Capítulo 77 — Salto
Ao meio-dia, o som das cigarras se fazia ouvir incessantemente, e a terra estava tão silenciosa e quente quanto um vaporizador. Lu Yufei se revirou na cama por muito tempo. Como não conseguia dormir, só lhe restava levantar-se. Ao ouvir os movimentos de Lu Yufei, a criada levantou a cortina e perguntou:
— Shizifei, aconteceu alguma coisa?
Lu Yufei vestia uma túnica verde solta, através da qual se podia ver a pele sob o tule. Ela se recostou no divã de madeira e abanava-se constantemente com um leque.
— O tempo está muito abafado. Estou toda suada e deitada é ainda pior.
Ao ver isso, a criada pendurou a cortina de contas e se aproximou para abanar Lu Yufei. Zhang Momo entrou pelo corredor. Assim que adentrou o cômodo e viu Lu Yufei acordada, comentou:
— Por que Shizifei está sentada aqui fora? Achei que já estivesse dormindo.
— Está quente demais para dormir — respondeu Lu Yufei.
Zhang Momo era a velha ama de leite de Lu Yufei. Criou-a desde a infância e depois a acompanhou até o casamento. Por isso, gozava de muito prestígio no pátio Yinian e não fazia muitas cerimônias diante de Lu Yufei. Imediatamente disse:
— Este ano o verão chegou tarde, e a onda de calor do outono está especialmente intensa. Ainda é meio-dia, e vai demorar para o calor passar. Se Shizifei estiver entediada, que tal pedir uns docinhos gelados na cozinha? Ontem mesmo o vilarejo mandou um lote de uvas como tributo. Vou pedir para a cozinha preparar e trazer para Shizifei?
Lu Yufei pensou que a tarde ainda seria longa, e que não teria como passar o tempo sem fazer nada. Agora que já não era mais a responsável pela mansão, passava os dias apenas comendo e bebendo.
Apesar de ser Shizifei, sobremesas geladas como essas eram consideradas petiscos extras e precisavam ser pagas à parte. Lu Yufei tinha dinheiro de sobra e não se importava com isso.
— Num dia tão quente, por que incomodar Momo a sair sozinha? Mande uma das criadas. Xiaoying, vá até meu baú de dote, pegue algumas moedas de prata e vá até a cozinha. Não precisa economizar. Tudo o que tiverem, mande picar em gelo triturado e traga de volta. Preço e tempo não são problema. Se fizerem em quantidade, ao voltar, distribuiremos com as outras criadas.
Xiaoying respondeu alegremente, entrou no quarto para pegar o dinheiro e saiu contente. Lu Yufei pedira que a criada fosse em vez de Zhang Momo como forma de demonstrar respeito. O rosto de Zhang Momo se iluminou instantaneamente. Ela puxou um banquinho, sentou-se aos pés de Lu Yufei e a acompanhou:
— É raro uma Shizifei com um status tão nobre ainda ter esse coração compassivo. A senhora nunca bateu nem xingou essas criadas, ainda as presenteia com frutas. Isso é realmente a reencarnação de uma boa pessoa. Servi-la é sorte acumulada de três gerações passadas.
— Isso não é nada — disse Lu Yufei, feliz com os elogios, mas mantendo a modéstia. — São apenas pequenos agrados, frutas, chá, vinho... Eu só consigo cuidar de quem está por perto. Quem realmente demonstra bondade são o Wangye e o Shizi.
Zhang Momo respondeu:
— Não diga isso. A senhora é uma mulher da mansão. Como poderia se comparar ao Wangye e ao Shizi? Olhando para toda a província de Xiping, qual madame de família nobre é tão compassiva quanto a senhora? Ou são bondosas demais e submissas, sem opinião própria, ou são obcecadas por dinheiro e perdem o respeito de todos. Só a senhora tem tanto graça quanto firmeza, doçura e autoridade, com um estilo verdadeiramente imperial.
Essas palavras tocavam o coração de Lu Yufei. Como seu relacionamento com o marido era frio e ela não era amada, elevar sua posição social tornara-se seu passatempo preferido. Ela abanou a mão e disse:
— Momo está me bajulando demais. Como posso ser tudo isso? Não diga essas coisas por aí, senão vão rir de mim.
— Rir do quê? Eu só disse a verdade — replicou Zhang Momo, alegremente. — Quem não sabe que a senhora tem habilidades? A senhora não imagina quantas pessoas a invejam aqui na província de Xiping. Pelo que sei, é muito melhor para um casal ter uma filha como você do que dez ou oito filhos. Agora, todo o prestígio da família Lu veio de Shizifei.
Enquanto Lu Yufei e Zhang Momo trocavam elogios, não perceberam que Xiaoying já havia voltado. Lu Yufei a viu parada do lado de fora com uma postura encolhida, interrompeu a conversa e perguntou:
— Por que voltou? Onde está o gelo triturado?
Xiaoying respondeu timidamente:
— A cozinha disse que estavam ocupados e não tinham tempo para aceitar outros pedidos. Pediram para Shizifei aguardar um pouco mais.
Lu Yufei franziu o cenho ao ouvir isso:
— Esse é o horário mais tranquilo do dia. Eu entendo se estiverem ocupados na hora das refeições, mas agora? O que estão fazendo?
— É por causa da senhorita Tang — respondeu Xiaoying. — Ela mal comeu ao meio-dia e agora está com fome. A cozinha está ocupada preparando comida para ela.
Tang Shishi estava grávida do futuro jovem mestre da mansão do Príncipe Jing e, de um dia para o outro, sua posição disparou. No entanto, como seu status ainda não havia sido oficializado, os criados não ousavam chamá-la por outro título e, por isso, usavam “senhorita Tang” por enquanto.
Lu Yufei franziu ainda mais o cenho, e Zhang Momo ficou sem palavras:
— A refeição do meio-dia mal terminou e já têm que reacender o fogo? Já vi muitas grávidas, mas nenhuma tão frágil quanto ela. Se continuar assim, como uma família comum conseguiria sustentar esse tipo de capricho?
Lu Yufei permaneceu em silêncio. Pois é... mulheres no mundo inteiro engravidam, mas Tang Shishi parecia especialmente exagerada. No entanto, ela não era uma mulher qualquer, e aquela não era uma casa qualquer.
O Príncipe Jing permitia que Tang Shishi fizesse o que bem entendesse e até autorizara a cozinha a atendê-la a qualquer hora do dia. Quem ousaria dizer algo? Lu Yufei pensou com rancor que aquela mulher era uma aproveitadora, como se a mansão toda tivesse engravidado com ela, tamanha a ostentação. Queria ver até quando o Príncipe Jing a suportaria. Ele sempre odiou gente problemática. Bastava esperar Tang Shishi extrapolar... queria só ver como terminaria.
Lu Yufei estava furiosa com Tang Shishi. Dias atrás, mandou chamar a Madame Xi para induzir um aborto nela. Quem imaginaria que a criança fosse do Príncipe Jing? Foi como cutucar a toca do tigre. A Madame Xi caiu em desgraça, e Lu Yufei perdeu o direito de cuidar da casa. Sem coragem de culpar o Príncipe Jing, passou a maldizer Tang Shishi sem parar.
Tang Shishi, essa prostituta ardilosa, fez tudo de propósito. Ela claramente sabia que estava grávida do herdeiro do Príncipe Jing, mas fingiu e atraiu Lu Yufei para uma armadilha. Sempre que se lembrava daquele dia, Lu Yufei ficava tão irritada que seus dentes doíam. Mas fazer o quê? Tang Shishi carregava o único herdeiro de Jing Wang.
Feng Qian e o médico imperial Song foram espancados até a morte, e o Shizi foi detido apenas por interceder. Todos os relacionados aos dois foram eliminados. Hoje em dia, de cima a baixo da mansão, quem mais teria coragem de ofender Tang Shishi?
Zhang Momo olhou em volta, mandou Xiaoying se retirar e se aproximou para falar com Lu Yufei:
— Shizifei, agora aquela pessoa está como o sol do meio-dia, talvez até nobre. Alguns dias atrás, a senhora a ofendeu sem querer... o que pretende fazer agora?
Lu Yufei deu um sorriso frio e disse com desdém:
— Momo, você realmente acha que estão bajulando ela? Não... é por causa da criança que ela carrega. Homens gostam de mulheres dignas e generosas. Tang Shishi só conseguiu subir porque usou o filho como escada. O Príncipe Jing só a segura agora por causa da criança. Quando nascer, ela pensa que ainda será importante?
Zhang Momo quis responder, mas hesitou. Seu olhar ficou complicado. Do ponto de vista de uma mulher, Lu Yufei jurava que Tang Shishi não teria futuro. O problema é que, geralmente, eram justamente essas que tinham uma vida melhor. Ou seja, só faziam isso porque eram favorecidas.
Pelo que Zhang Momo observara ao longo dos anos, a tolerância do Príncipe Jing com Tang Shishi não parecia ser só pelo filho. Ela refletiu e disse:
— Mas o Príncipe Jing falou dias atrás que vai torná-la Wangfei. Se for nomeada oficialmente, ela será sua sogra legítima. Shizifei, por que não aproveita que ainda há poucos bajuladores e tenta agradá-la?
Lu Yufei já havia sido educada com Tang Shishi, mas, com a interferência de Xi Yunchu, a relação entre ambas ficara cada vez mais delicada. Depois do episódio do aborto, as duas romperam de vez.
Dias atrás, Lu Yufei dissera que Tang Shishi deveria ser afogada no lago. E agora, do nada, iria se curvar diante dela? Quem conseguiria aceitar tamanha discrepância?
Lu Yufei não via Tang Shishi havia dias. Primeiro porque o Príncipe Jing proibira visitas e queria que ninguém a atrapalhasse na gestação, e segundo porque ela própria não conseguia engolir aquele orgulho ferido.
Incomodada, Lu Yufei respondeu com teimosia:
— Quem disse que ela é Wangfei? O Wangye só está mimando ela por diversão. E mesmo que esteja realmente cego a ponto de querer torná-la Wangfei, o tribunal imperial ainda não aprovou nada. O Wangye pode estar confuso, mas o tribunal não está. Como poderiam permitir que uma mulher que perdeu a virgindade antes do casamento e ainda por cima é de família de comerciantes se tornasse Wangfei?
Zhang Momo ficou atônita e rapidamente cobriu a boca de Lu Yufei.
— Shizifei, cuidado com o que diz! O Wangye já puniu muitas pessoas, e agora esse tipo de comentário é simplesmente proibido.
Zhang Momo estava tão assustada que começou a suar. Rapidamente levantou a cabeça, verificou que ninguém havia escutado, e soltou um suspiro de alívio. Lu Yufei também percebeu que havia cometido um erro, e uma camada de suor frio cobriu a palma de sua mão.
Zhao Chengjun proibia estritamente qualquer um de criticar Tang Shishi. Qualquer fofoca sobre ela, fosse dita ou apenas ouvida, resultava em trinta varadas e exílio para um bordel.
Felizmente, não havia ninguém por perto. Se alguém realmente tivesse escutado Lu Yufei dizendo que Tang Shishi havia perdido a virgindade antes do casamento e isso chegasse aos ouvidos do Príncipe Jing, Lu Yufei seria enviada imediatamente ao templo ancestral.
Zhang Momo ficou em silêncio por um tempo e, raramente, disse algumas palavras sinceras:
— Shizifei, a senhora cresceu com meu leite, então arrisco minha vida para dizer algumas verdades do coração. Não importa se o Wangye a trata com sinceridade ou não, nem se a corte imperial aceitará ou não conceder-lhe um título. Ela é uma pessoa do Wangye. Não importa o quão ruim seja a vida dela, não cabe à geração mais jovem insultá-la. A senhora e o Shizi são apenas filhos. Mesmo que ela seja naturalmente fraca, ainda mais agora que está grávida, mesmo que fosse apenas uma concubina sem nome e sem favor, como nora, a senhora ainda teria que se portar com respeito diante da concubina do Wangye. Se a senhora não consegue conviver com ela, é sinal de que não consegue nem conviver consigo mesma. Por que fazer isso? Não se preocupe com o que a corte imperial diz. Antes que o decreto chegue, vá logo admitir seu erro diante dela. Não feriu a raposa dela tempos atrás? Use isso como desculpa. Admita seu erro por causa da raposa e se renda. Assim, essa história termina por aqui.
Lu Yufei apertou os lábios, ainda se recusando a falar. Zhang Momo sabia que Lu Yufei era orgulhosa e arrogante, e que não poderia ser convencida do dia para a noite. Então, não insistiu mais, mas mudou o tom de voz e perguntou animadamente:
— Onde está Xiaoying? A cozinha preparou comida para a senhorita Tang há pouco. Já faz tempo, deve estar pronta. Mande Xiaoying ir perguntar de novo. Estou com uma vontade enorme de comer algo agora.
Zhang Momo dissera aquilo para aliviar o coração de Lu Yufei. No entanto, depois de um tempo, Xiaoying voltou e disse:
— As uvas acabaram. A senhorita Tang vomitou assim que comeu, mas as criadas não conseguiram convencê-la a parar. Após reportarem ao Wangye, ele mesmo voltou para comer com a jovem senhora. A senhorita Tang comeu uma uva — algo raro, já que tem tido pouco apetite —, então o Wangye mandou que levassem todas as uvas embora.
Assim que ouviu isso, o rosto de Lu Yufei escureceu. Zhang Momo coçou o nariz, sentindo-se derrotada e também constrangida. Lu Yufei estava completamente agitada e, ao ver que não havia ninguém no quarto, acabou soltando impropérios:
— Ela não consegue comer sozinha e o Wangye tem que vir acompanhá-la? Então ela come cinco ou seis vezes por dia e chama o Wangye todas as vezes. Ele ainda consegue fazer mais alguma coisa? Tão pretensiosa... Quero só ver até quando o Wangye vai aguentar.
Zhang Momo apressou-se em acalmá-la:
— Shizifei, acalme-se. O outono está seco. Cuidado com o excesso de fogo no coração.
Quanto mais Lu Yufei pensava, mais raiva sentia. Se Xi Yunchu ou outras jovens nobres fossem a Wangfei, Lu Yufei poderia aceitar. Mas ser pisada por alguém inferior a ela? Isso era intolerável. Lu Yufei zombou:
— Não acredito que todo mundo nesse mundo seja cego. Ela quer ser minha sogra? Nem sonhando! No máximo, pode ser uma concubina secundária. Se uma mulher como ela pode se tornar Wangfei, então é melhor que eu deixe de ser Shizifei. Irei pedir o divórcio ao Wangye imediatamente.
Zhang Momo também concordava com o que ela dizia:
— Shizifei, a senhora é uma pessoa nobre, não pode sair dizendo essas coisas de "divórcio". Se a senhora sair, em quem essa enorme mansão vai se apoiar? Também achei que aquela não tem boa aparência. Numa família comum, ao escolher uma nora, não querem uma que pareça uma raposa. Como ela poderia subir até a família imperial? Só está sendo arrogante por dois dias. Por favor, aguente um pouco mais.
Enquanto conversavam, uma criada correu do pátio externo. Vendo isso, Zhang Momo a repreendeu imediatamente:
— Não está vendo que a Shizifei está aqui dentro? Vai correndo assim por quê?
A criada fez uma reverência e falou apressadamente:
— Shizifei, é urgente! Chegaram pessoas do Palácio Imperial!
— O quê?! — Lu Yufei se levantou de súbito. — Quem são? Não é ano-novo nem festival. Por que o Palácio mandaria alguém até aqui?
— Vieram entregar as vestes da coroa de Wangfei para a senhorita Tang, junto com o livro de registros da família imperial — disse a criada. — Foi enviado por alguém próximo da própria Imperatriz Viúva. O cortejo foi grandioso, e agora a cidade inteira está comentando.
Lu Yufei trocou de roupa às pressas e correu para o pátio principal. No momento, o local estava cheio de gente, incluindo servos da mansão e também eunucos vestidos com os trajes cerimoniais do Palácio Imperial.
Ao ver Tongxiu em frente à porta, Lu Yufei se aproximou rapidamente e perguntou:
— Tongxiu Gugu, o Wangye e o enviado do Palácio estão lá dentro?
Ao ver Lu Yufei, Tongxiu assentiu com frieza:
— Shizifei, o Wangye está conversando com o oficial do Ministério dos Ritos. A Momo Feng sentiu saudade da Wangfei e foi até os fundos vê-la.
Lu Yufei agradeceu e correu para o pátio Jianjia. Caminhava apressada, ainda muito confusa.
O Príncipe Jing afinal não estava brincando. Ele realmente enviou um memorial solicitando a nomeação de Tang Shishi como sua Wangfei. Esses dois eram mesmo algo fora do comum: um teve coragem de pedir, e o outro, de aprovar. O mais assustador era que a Corte Imperial concordou.
Será que Lu Yufei estava louca... ou o mundo todo havia enlouquecido?
Lu Yufei correu até o pátio Jianjia. Assim que entrou, ficou completamente abalada. O pequeno pátio estava praticamente lotado de recompensas. As criadas tinham que procurar cuidadosamente por espaços livres entre os baús para poderem levar água ao quarto.
Lu Yufei sentiu que o mundo havia realmente perdido o juízo.
Dentro do quarto, uma criada anunciou a Tang Shishi:
— Wangfei, a Shizifei chegou.
Feng Momo visitava o feudo do Príncipe Jing pela segunda vez. Embora desta vez não houvesse beleza em jogo, ela trazia o decreto de casamento imperial e o edito de nomeação. Mesmo que o casamento fosse de fato, só seria oficialmente reconhecido após a cerimônia pelos oficiais feudais. Como Tang Shishi havia recebido o título da Corte, mesmo sem ter celebrado o casamento, ela já era a verdadeira Wangfei do Príncipe Jing.
Os criados, enfim, tinham uma designação unificada e passaram a chamá-la de “Jing Wangfei”.
Tang Shishi estava acostumada a ser chamada de “senhorita”, então, ao ouvir de repente “Wangfei”, precisou de um instante para perceber que era com ela. Só então acenou levemente com a cabeça e disse:
— Peça que a Shizifei entre.
Lu Yufei foi conduzida pela criada. Tang Shishi inicialmente pensou em levantar-se para recebê-la, mas no momento em que tentou se erguer, lembrou-se: agora ela era a Wangfei, e era Lu Yufei quem devia saudá-la. Não precisava levantar-se para ninguém. Tang Shishi então hesitou por um breve instante e recostou-se calmamente no travesseiro.
Pelo visto, o que ela precisava se acostumar não era apenas com o novo título, mas também com a mudança de identidade e de status.
Depois que entrou, Lu Yufei foi discretamente contida pela criada e, só então, percebeu que tinha que fazer uma reverência a Tang Shishi. Cambaleando, ela se curvou com uma expressão extremamente constrangida.
Tang Shishi enfim sentiu as vantagens de se casar. Pelo visto, Zhao Chengjun não era tão indesejável assim. Ao menos, ao se casar com ele, ela havia conseguido saltar de classe e geração em apenas uma noite. Antes, nem podia sonhar em ver Lu Yufei se curvando diante dela.
Tang Shishi franziu os lábios num sorriso, ignorando completamente o embaraço da outra, e disse com um sorriso gentil:
— É a Shizifei. Pode se levantar.
Capítulo 78 – Afeição
— Obrigada, Wangfei. — Lu Yufei levantou-se com rigidez. Seu rosto parecia não ser mais o seu, suas mãos pareciam estranhas, e todo o seu corpo estava tomado de desconforto.
Não fazia muito tempo, ela havia declarado com firmeza que, se Tang Shishi recebesse o título de Wangfei, pediria o divórcio. Agora, mal terminara de dizer isso e Tang Shishi já havia sido nomeada Wangfei.
Havia tantos baús de recompensas sendo trazidos que Tang Shishi era envolvida por uma dignidade imponente.
Lu Yufei estava morrendo de vergonha. Sua posição de Shizifei fora conquistada com muito esforço, e ela, claro, não pediria o divórcio por vontade própria. Felizmente, não havia testemunhas quando ela dissera aquilo — apenas Zhang Momo sabia. Assim, Lu Yufei fingiu que nunca havia proferido tais palavras, trocou de roupa e, obedientemente, se apresentou para prestar reverência a Tang Shishi.
Tang Shishi estava extremamente feliz. Sorriu com gentileza e disse:
— Shizifei, que visita rara. Já estava com saudades. Esta é a Momo Feng, pessoa de confiança da Imperatriz Viúva. Momo Feng, esta é a Shizifei da nossa família, que entrou pela porta no ano passado. Momo, por favor, oriente-a no futuro.
Feng Momo sorriu educadamente e recusou com gentileza. Proferiu as saudações formais, mas sua postura permaneceu firme, sem qualquer intenção de se levantar ou ceder o assento. Aos olhos de Feng Momo, apenas Zhao Chengjun merecia sua atenção na mansão do Príncipe Jing, e agora havia também Tang Shishi. Quanto ao filho adotivo, ele sequer era considerado um verdadeiro mestre da casa — e sua esposa, menos ainda.
Feng Momo lançou apenas um olhar superficial para Lu Yufei, depois voltou a conversar com Tang Shishi, como se Lu Yufei nem estivesse ali. Disse:
— A Imperatriz Viúva sente muito a sua falta, mas é uma pena que Jinling esteja a milhares de li de distância do domínio do Príncipe Jing. A Imperatriz Viúva não pode chamá-la ao palácio, então pediu que eu trouxesse o decreto imperial e preciosidades para ver como você está em seu nome. A Imperatriz Viúva ficou imensamente feliz ao saber que você e o Príncipe Jing estão bem casados e, pessoalmente, selecionou muitos tesouros do fundo do seu baú para acrescentar ao seu dote. Quando o Imperador e a Imperatriz souberam do casamento de Sua Alteza com a Wangfei, também enviaram muitos presentes — todos estão do lado de fora.
Os olhos de Lu Yufei se arregalaram ao ouvir que a Imperatriz Viúva não apenas permitiu que Tang Shishi se tornasse Wangfei, mas também acrescentou pessoalmente tesouros ao seu dote. Para altos oficiais da corte, receber um prêmio do palácio já seria motivo de orgulho ancestral e mereceria bênçãos para três gerações. No entanto, Tang Shishi acabara de receber de uma só vez baús e mais baús de recompensas — da Imperatriz Viúva, do Imperador e da Imperatriz.
Tang Shishi, por qual mérito?
Lu Yufei sentia indignação. As criadas e amas estavam chocadas, e até a própria Tang Shishi parecia lisonjeada. Ela admitia: sempre tivera ambições altas. Quando jovem, jurou se casar com o melhor homem e brilhar mais do que qualquer outra. Mas mesmo em seus devaneios mais ousados, seu maior sonho era um palanquim carregado por oito homens e um dote que se estendesse por dez li.
Nunca imaginou que, um dia, os três indivíduos mais respeitados do império — a Imperatriz Viúva, o Imperador e a Imperatriz — contribuiriam juntos para o seu dote.
Nem o casamento de uma princesa talvez tivesse tanta pompa. Para Tang Shishi, uma filha comum, sem conexões nem amizades influentes, aquilo era uma honra raríssima e de proporções colossais.
Tang Shishi disse:
— Eu não sou digna das recompensas concedidas pela Imperatriz Viúva. Como poderia merecer o favor das três figuras mais ilustres do império? Não sou digna de tamanha generosidade. Não ouso aceitá-la.
Feng Momo segurou a mão de Tang Shishi e respondeu:
— O que Wangfei está dizendo? Como os presentes da Imperatriz Viúva e de Sua Majestade poderiam ser devolvidos? Essas recompensas mostram que Wangfei possui méritos próprios. Pode aceitá-las de coração tranquilo.
Claro que Tang Shishi não era tola de rejeitar os presentes que vinham até ela. Mas ainda assim, precisava proferir algumas palavras educadas:
— Sou apenas uma mulher comum. Não tenho a instrução dos altos oficiais, nem posso proteger o país. Ainda assim, recebo tamanha generosidade da Imperatriz Viúva. Temo não estar à altura da benevolência imperial.
Lu Yufei estava à margem, ignorada. Quando surgiu a oportunidade, apressou-se a dizer:
— Agradecemos à benevolência de Sua Majestade. O Noroeste está tão distante de Jinling, mas ainda assim a Imperatriz Viúva e o Imperador se preocupam com os oficiais de mérito que guardam a fronteira. Com um monarca tão virtuoso, não é de se estranhar que meu pai trabalhe incansavelmente, dia e noite, dedicando-se a proteger a fronteira do Noroeste com firmeza.
Assim que terminou de falar, o quarto caiu num silêncio constrangedor. Os enviados do Palácio Imperial e os servos da mansão não responderam. Lu Yufei pretendia mostrar eloquência, mas não esperava que ninguém lhe desse atenção. Subitamente, sentiu-se extremamente envergonhada.
Tang Shishi teve que admitir: Lu Yufei realmente sabia escolher os piores momentos para tocar em assuntos delicados. O relacionamento entre a Imperatriz Viúva e o Príncipe Jing era tão constrangedor que todos evitavam comentar política. Falavam apenas de comidas, músicas, danças e diversões. Mas Lu Yufei teve que levantar aquele assunto abertamente.
Tang Shishi cobriu a boca com um lenço e virou-se de lado, tossindo levemente. Ao verem esse gesto, todos no cômodo se reanimaram de súbito e correram em direção a Tang Shishi, perguntando com preocupação:
— Wangfei, o que houve com a senhora?
— Senti um enjoo repentino — disse Tang Shishi, apertando os lábios com fraqueza e doçura. — Tem sido assim com frequência ultimamente. É sempre a mesma coisa, mas está tudo bem.
Esse era o tema em que Feng Momo mais se destacava. Imediatamente, tornou-se uma tagarela:
— Nos primeiros meses, é preciso aguentar mais. Enjoos e vômitos são normais. É só ter paciência. Se Wangfei achar difícil suportar, o ideal é comer comidas leves, em pequenas quantidades, várias vezes ao dia. Também deve separar os alimentos secos dos molhados. Coma a refeição primeiro e espere um pouco antes de tomar sopa, mingau ou caldos.
Tang Shishi não esperava que houvesse tanto a aprender sobre enjoos matinais. Olhou rapidamente para Dujuan e disse:
— Dujuan, Momo está ensinando uma receita secreta. Por que ainda não começou a anotar?
Só então Dujuan despertou e, às pressas, pegou algo para fazer anotações. Feng Momo ensinou vários truques e Tang Shishi os registrou um a um, dizendo com sinceridade:
— Momo sabe tantas coisas...
Essas palavras não eram bajulação. Tang Shishi realmente admirava a memória e o conhecimento do pessoal do Palácio Imperial. Talvez, se vivesse lá por mais tempo, acabasse absorvendo naturalmente essas habilidades imperiais. Até Zhao Chengjun conhecia muitos remédios tradicionais estranhos. Tang Shishi não conseguia identificar medicamentos abortivos, mas Zhao Chengjun os reconhecia à primeira vista. Ela não aceitava ser menos capaz.
Feng Momo sorriu:
— Wangfei ainda é jovem. Com o tempo, quando tiver mais filhos, irá compreender tudo isso naturalmente.
Todos riram, e Tang Shishi abaixou a cabeça, demonstrando exatamente o grau certo de timidez. Após essa interrupção, o clima constrangedor anterior foi completamente dissipado.
Todos falavam sobre cuidados na gravidez, e o ambiente se tornou harmonioso e alegre. No meio da multidão, Lu Yufei sentia-se completamente deslocada.
Ela não estava grávida e não tinha filhos. Lu Yufei não entendia nada do que era dito, e ninguém falava sobre os assuntos que lhe interessavam.
Parecia uma estranha entre eles, incapaz de participar das conversas sobre criação de filhos — e, ainda por cima, sua identidade era sutilmente excluída por aquele grupo.
Ela era Shizifei, esposa do filho adotivo do Príncipe Jing. Para aquelas momos do Palácio, que tinham olhos no topo da cabeça, Lu Yufei sequer era considerada parte da família imperial.
Ao perceber isso, Lu Yufei sentiu-se profundamente golpeada. Já Tang Shishi — que ela desprezava tanto — estava sentada no centro do salão, rodeada pelas momos imperiais, conversando, sorrindo e agindo com naturalidade, como se tivesse nascido para pertencer àquela classe.
Após um tempo, Feng Momo olhou atentamente para Tang Shishi e disse com um sorriso:
— Faz um ano que não a vejo. Wangfei está ainda mais elegante do que antes. Quando estava no Palácio Imperial, já era bela, mas era a beleza de um jade bruto. Agora, é como um jade lapidado — brilhando com esplendor de dentro para fora.
Desde que Feng Momo e sua comitiva entraram, os elogios fluíam como se não custassem nada, louvando Tang Shishi por todos os ângulos até deixá-la envergonhada.
Tang Shishi rapidamente disse:
— Momo, não diga mais. Se continuar me elogiando assim, vou acabar morrendo de vergonha.
Feng Momo sorriu, apontou para as criadas imperiais ao redor e disse:
— Wangfei, pergunte a essas meninas: estou exagerando ou dizendo a verdade? Costumam dizer que um bom cavalo merece uma boa sela e uma bela mulher merece um grande herói. Você já era uma beleza de primeira classe. Só depois que entrou na mansão do Príncipe Jing foi que pôde revelar de fato o brilho da Wangfei.
Depois de ouvir isso, as pessoas de ambos os lados começaram a responder uma após a outra — algumas elogiavam a beleza de Tang Shishi, outras exaltavam o casal ideal formado pelo Wangye e a Wangfei, e ainda havia aquelas que diziam que era um casamento predestinado a mil li de distância, unido por um fio invisível. Eram palavras bonitas e lisonjeiras, vindas de todos os lados.
Ao escutar tantos elogios, Lu Yufei sentiu algo ao mesmo tempo familiar e estranho, e seu coração ficou profundamente abalado.
A familiaridade vinha do fato de que, desde que se casara, sempre que saía como convidada, as outras madames a elogiavam exatamente daquele jeito. Já a estranheza vinha do fato de que, agora, a pessoa sendo bajulada era Tang Shishi.
Lu Yufei ficou atordoada ao ouvir os comentários ao redor. Por muito tempo, ela acreditou sinceramente que era especial — que sua família, seus amigos e as pessoas ao redor a louvavam por suas qualidades excepcionais. Ela desprezava Zhou Shunhua e Ren Yujun, e ainda mais Tang Shishi. Essa mulher, uma jarra vazia, linda mas sem talento nem virtudes, estava fadada a ser pisada por mim pelo resto da vida.
No entanto… Tang Shishi havia se tornado Wangfei.
Dessa vez, era Lu Yufei quem estava ali, em pé no canto, ouvindo todos elogiarem Tang Shishi com tanta graça e entusiasmo. Só então Lu Yufei finalmente compreendeu: no passado, todos a bajulavam não porque ela fosse excepcional ou brilhante, mas porque era apenas uma mulher comum. Na verdade, a pessoa que todos desejavam agradar sempre foi o Príncipe Jing.
Antes, Lu Yufei era a única mulher da família do Príncipe Jing, e os de fora que queriam se aproximar dele só podiam fazer isso bajulando-a. Agora que ele tinha uma Wangfei legítima, essas pessoas naturalmente se voltaram para Tang Shishi. Afinal, Lu Yufei era apenas da geração mais nova. Quem realmente podia influenciar o príncipe através de palavras ao pé do travesseiro — e até moldar sua atitude — era a Wangfei.
Pela primeira vez, Lu Yufei sentiu com clareza a diferença entre suas identidades.
De repente, ouviu-se o som apressado de passos do lado de fora. Um ruído nítido de contas se chocando surgiu na entrada. Zhao Chengjun apareceu por trás da cortina de contas de vidro e perguntou:
— O que está acontecendo? Do que estão falando? Por que tanto riso?
— Jing Wang chegou! — Todos se levantaram ao mesmo tempo para saudá-lo. Tang Shishi também se levantou, junto com Feng Momo, e fez uma reverência:
— Wangye.
Assim que entrou na sala, os olhos de Zhao Chengjun pousaram imediatamente em Tang Shishi. Ao ver seu movimento, franziu levemente a testa.
Durante todo esse tempo, ele nunca permitira que Tang Shishi se curvasse a ele. Mal podia esperar para caminhar por ela, quanto mais aceitar sua saudação. Zhao Chengjun ergueu a mão instintivamente, mas, por conta da presença dos enviados da Imperatriz Viúva, conteve o gesto e disse com indiferença:
— Momo, não precisa de tanta formalidade. Por favor, levante-se.
Feng Momo se levantou, e Tang Shishi ao lado também endireitou o corpo. Depois de algumas trocas de cortesia, Feng Momo perguntou:
— Alteza, os oficiais do Ministério dos Ritos ainda estão do lado de fora. Por que voltou?
Zhao Chengjun, claro, havia voltado para ver Tang Shishi.
Aquelas palavras oficiais dos homens do Ministério dos Ritos eram sempre as mesmas. Mas Tang Shishi… era diferente. Já fazia quase uma hora e meia sem que ela o procurasse. Será que estava enjoada, deprimida, sensível ou desconfiada? Além disso, os enviados da Imperatriz Viúva estavam ali hoje. Será que estavam a maltratando?
Zhao Chengjun não conseguiu ficar sentado. Largou os oficiais para Zhao Zixun e correu para o pátio interno. Olhou para Tang Shishi com calma e viu que seu rosto estava corado, sua expressão tranquila. Não parecia em nada com alguém injustiçada — pelo contrário, parecia até mais cheia de energia do que quando estava com ele.
O coração de Zhao Chengjun ficou dividido. Deveria ficar feliz… ou decepcionado?
Claro que ele não podia revelar o verdadeiro motivo de sua visita. Então inventou uma desculpa qualquer para responder a Feng Momo. Apesar da conversa cortês com ela, sua atenção estava completamente voltada para Tang Shishi. Percebeu que ela já estava em pé por tempo demais — praticamente o tempo de uma xícara de chá.
Zhao Chengjun franziu o cenho em silêncio. Essa velha momo fala demais. O chão é tão duro… e Tang Shishi ficou o tempo todo de pé. Será que não está cansada?
Feng Momo fez uma breve pausa no meio da conversa, e Zhao Chengjun disse com seriedade:
— Momo enfrentou uma longa jornada. Sou muito grato pela sua dedicação. Por favor, sente-se.
Feng Momo não esperava que o Príncipe Jing fosse tratá-la com tamanha cortesia. Seu rosto se iluminou e ela se sentou com alegria. Zhao Chengjun lançou um olhar significativo, e Liu Ji entendeu imediatamente: trouxe um banquinho acolchoado e o colocou atrás de Tang Shishi, servindo-a para que se sentasse.
Feng Momo continuou falando:
— … Obrigada, Alteza, Jing Wang. Agora mesmo eu estava brincando com a Wangfei, dizendo que Vossa Alteza conquistou grandes feitos militares para o país e para o povo. Contribuiu de inúmeras maneiras. O único defeito é que nunca se importou com os grandes assuntos da vida. A Imperatriz Viúva já estava preocupada há muito tempo, e por isso lhe concedeu pessoalmente algumas beldades para servi-lo. Mas, veja só, por um acaso desses… o casamento aconteceu.
Zhao Chengjun estava distraído, de olho em Tang Shishi. Quando viu que ela finalmente se sentou, sentiu um alívio interno. Só então voltou a prestar atenção na pergunta de Feng Momo e respondeu com um leve sorriso:
— Sim. Tenho que agradecer à Imperatriz Viúva por isso.
Desde que Zhao Chengjun apareceu, Tang Shishi ficou em segundo plano, tornando-se uma mera coadjuvante silenciosa. Os elogios à bondade da Imperatriz Viúva já haviam sido repetidos inúmeras vezes por Feng Momo. Tang Shishi já não se surpreendia mais — o que ela não esperava era a resposta de Zhao Chengjun.
Tang Shishi ficou surpresa e o olhou rapidamente. Feng Momo também pareceu espantada. Zhao Chengjun agradecendo à Imperatriz Viúva? Ora, o sol estava mesmo prestes a nascer no oeste.
Feng Momo lançou um olhar para o calmo Zhao Chengjun, depois olhou para a dócil Tang Shishi — como se, de repente, tivesse entendido tudo. Sorriu e disse propositalmente:
— Alteza está curioso para saber do que todos riam quando entrou no salão? Na verdade, estávamos falando sobre a Wangfei. Alteza, na sua opinião, Wangfei é mais bela agora ou quando chegou pela primeira vez ao domínio?
Tang Shishi não esperava que Feng Momo lançasse esse tipo de pergunta para Zhao Chengjun, e seu rosto corou na hora. Apressada, disse:
— Momo, era só uma brincadeira… Por que trazer isso à tona?
Feng Momo sorriu, encarando Zhao Chengjun:
— Alteza, o que tem a dizer?
Zhao Chengjun sorriu. Seus olhos se moveram sutilmente e pousaram sobre Tang Shishi. Ele realmente a observou com atenção. Tang Shishi ficou inquieta, lançou-lhe um olhar de advertência com seus olhos de damasco e murmurou baixinho, como se o repreendesse:
— Wangye…
Ela pensava que, ao baixar a voz, estaria controlando a ameaça — mas nem percebeu que estava rosnando como um gatinho de leite sem dentes.
(*Gatinho de leite – termo usado para descrever namoradas manhosas que precisam de atenção constante.)
Zhao Chengjun conteve o sorriso e disse:
— Não posso responder à pergunta da Momo. Se eu disser que ela está bonita agora, ela vai me culpar por não ter me importado com ela antes. Se eu disser que ela era mais bonita antes, vai ficar tão brava que nem vai querer comer. De qualquer forma, a culpa é sempre minha.
Feng Momo caiu na gargalhada ao ouvir a resposta. As criadas do palácio também cobriram a boca para esconder o riso. O rosto de Tang Shishi escureceu e ela protestou, irritada:
— Onde que eu faço isso?
Zhao Chengjun assentiu com uma expressão de quem estava muito bem-humorado e respondeu:
— Muito bem, você não faz.
O pessoal do palácio riu ainda mais. Tang Shishi ficou furiosa por um bom tempo, lançou a Zhao Chengjun um olhar feroz e virou o rosto, se recusando a encará-lo. Ao ver isso, Feng Momo comentou:
— Wangye e Wangfei têm sentimentos profundos um pelo outro. Assim, a Imperatriz Viúva pode ficar tranquila. Sua Majestade sempre teve um coração de mãe e, ao longo dos anos, preocupou-se com o bem-estar de Vossa Alteza, temendo que tratasse mal seu próprio corpo. Felizmente, há Wangfei para aliviar a preocupação da Imperatriz Viúva. De agora em diante, também peço que Wangfei cuide bem do Príncipe Jing, preserve sua saúde e dê à luz muitos príncipes e princesas junto de Sua Alteza. Isso será a maior forma de piedade filial para com a Imperatriz Viúva.
Depois de falar, Feng Momo não pôde deixar de olhar para a barriga de Tang Shishi. Esta se sentiu desconcertada com os olhares sugestivos ao seu redor, enquanto Zhao Chengjun se manteve perfeitamente tranquilo. Ele lançou um olhar para Tang Shishi, esboçou um sorriso e assentiu:
— Tomaremos emprestadas as palavras auspiciosas da Momo. Ela com certeza dará à luz.
O corpo inteiro de Tang Shishi quase explodiu. Como assim, "ela dará à luz"? Dar à luz era por acaso como plantar nabos? Zhao Chengjun falava como se fosse a coisa mais simples do mundo!
Lu Yufei, de pé ao lado, sentiu um profundo senso de exclusão. Zhao Chengjun, Tang Shishi e Feng Momo pareciam pertencer ao mesmo mundo, enquanto ela era apenas uma intrusa bêbada que, por engano, entrara nesse universo.
Lu Yufei pensava que, ao ver Tang Shishi recebendo tantas recompensas do palácio e sendo próxima de Feng Momo, o Príncipe Jing acabaria suspeitando dela. Mas, no fim, Zhao Chengjun não guardava nenhum ressentimento e ainda cuidava muito bem de Tang Shishi. Diante de todos, chegou a dizer que no futuro teriam mais filhos.
Que outra afirmação poderia ser mais poderosa que essa?
Nem as palavras mais doces, nem o ouro, prata ou joias se comparavam a essa simples frase do próprio marido: "teremos mais filhos no futuro."
Aquilo mostrava que Zhao Chengjun não se importava nem um pouco se o bebê na barriga de Tang Shishi era um menino ou uma menina. Ser menino seria ótimo, mas se não fosse, tudo bem — teriam outro.
Lu Yufei abaixou o rosto e, sem perceber, levou a mão até o próprio ventre, tomada por uma solidão profunda.
Feng Momo ficou bastante tocada pela demonstração de carinho. Em sua memória, Zhao Chengjun permanecia preso a duas imagens: a primeira, de onze anos atrás, quando ele e o irmão foram enviados às pressas para a fronteira, e o outrora glorioso Quarto Príncipe jazia entre a vida e a morte com uma febre alta. A segunda imagem era do ano passado, quando, por ordem da Imperatriz Viúva, ela foi levar beldades à fronteira e encontrou Zhao Chengjun, já adulto, em meio ao vento cortante no posto de retransmissão.
Nenhuma dessas lembranças estava associada a gentileza, ternura ou afeto. Quem poderia imaginar que o Príncipe Jing — sempre tão majestoso, frio e no comando de milhares de soldados — também era capaz de olhar para alguém com um sorriso?
No fundo de seu sorriso, Feng Momo carregava uma leve desconfiança. Olhou para o céu do lado de fora e disse:
— Está ficando tarde. Já incomodei por bastante tempo. Agora que as recompensas da Imperatriz Viúva e do Imperador foram entregues, e que Wangye e Wangfei as viram, não ouso mais atrapalhar o repouso de Wangfei para cuidar da gestação. Vou me retirar. Wangye, Wangfei, permaneçam.
As mulheres se levantaram todas ao mesmo tempo para acompanhar a saída de Feng Momo. A visita dela representava a própria Imperatriz Viúva. Ela permaneceria por um curto período na província de Xiping e retornaria à capital após o casamento. Zhao Chengjun já havia preparado uma residência para ela. Nesse momento, fez um gesto a Liu Ji e disse:
— Acompanhe Momo para fora.
Liu Ji respondeu prontamente. Quando Feng Momo se preparava para partir, Tang Shishi naturalmente teria que acompanhá-la até o portão. Como criada do palácio, não era apropriado que Feng Momo fosse escoltada por Zhao Chengjun. No entanto, ao ver que Tang Shishi sairia, ele ficou tão preocupado quanto se houvesse um tigre entre o salão e a porta de entrada, e por isso a seguiu.
Feng Momo e seu grupo chegaram ao portão. Ao ver as montanhas de baús empilhados do lado de fora, ela não pôde deixar de comentar:
— Alteza, Wangfei é a dona desta mansão e está registrada como Wangfei do Príncipe Jing nos registros da família imperial. Creio que não combina viver num pátio tão pequeno.
— Esta é apenas sua residência temporária antes do casamento — respondeu Zhao Chengjun sem sequer pensar. — Agora que o decreto foi entregue, já está na hora de ela se mudar para a residência principal.
Feng Momo havia perguntado apenas por formalidade. Ela novamente se despediu de Tang Shishi e Zhao Chengjun e partiu acompanhada por Liu Ji e os demais.
Depois que Feng Momo se foi, Zhao Chengjun mudou a expressão e disse com frieza:
— Está ficando tarde e Wangfei precisa repousar por causa da gravidez. Todos podem se retirar.
O que Lu Yufei poderia dizer? Apenas se retirou, sentindo-se culpada. Quando o grupo se dispersou, Tang Shishi não conseguiu conter-se e perguntou baixinho a Zhao Chengjun:
— Wangye, eu realmente tenho que me mudar?
Zhao Chengjun lançou-lhe um olhar suave, segurou sua mão e a guiou de volta para o quarto enquanto apoiava seu ombro:
— Caso contrário? Como poderia voltar atrás com minhas próprias palavras?
— Então… — Tang Shishi estava aflita — então vou me mudar para onde?
— Naturalmente para o pátio de Yan’an — respondeu Zhao Chengjun com um leve tom de riso na voz. — Nós somos casados. Ainda quer viver em dois lugares diferentes?
Capítulo 79 – Indulgente
As pupilas de Tang Shishi se dilataram ligeiramente. Instintivamente, ela quis refutar, mas por mais que pensasse, não conseguiu encontrar um motivo.
É mesmo… O edito de concessão e o registro no livro oficial da Corte Imperial já haviam sido entregues. Em termos de etiqueta, Tang Shishi era oficialmente a Princesa Consorte Jing. Como tal, era natural que vivesse com o marido.
A visão de mundo de Tang Shishi foi mais uma vez abalada. Ela havia passado de solteira para casada. Precisava se adaptar não apenas à mudança de título, mas também às mudanças na vida.
Ela não era mais uma pessoa sozinha, mas sim alguém permanentemente ligada a outra. Não importava onde estivesse, ou mesmo na morte, não poderia mais se separar de Zhao Chengjun.
Zhao Chengjun percebeu que Tang Shishi estava absorta. Sabia que ela não conseguiria se adaptar tão rápido, por isso não a pressionou. Apenas a conduziu calmamente de volta para dentro do quarto e disse:
— Deixe as coisas seguirem o fluxo. Acho que hoje é um ótimo dia para se mudar. Vou mandar as criadas levarem suas roupas para o pátio de Yan’an. Assim, você já não precisa voltar esta noite.
Tang Shishi se espantou novamente.
— Tão rápido assim?
— É uma questão de tempo, mais cedo ou mais tarde — respondeu Zhao Chengjun com naturalidade. — Eu já teria feito você se mudar para o meu pátio, se não fosse pelo receio de prejudicar sua reputação. Agora que o edito foi entregue, ninguém no mundo pode falar nada, e você também deve ocupar o lugar que lhe pertence.
Tang Shishi ficou um pouco atônita. Quando estiveram no campo de caça, também haviam dividido um espaço, mas suas tendas eram separadas — não estavam realmente vivendo no mesmo lugar. Agora, teria que dividir o mesmo quarto com Zhao Chengjun.
Zhao Chengjun notou que as costas de Tang Shishi estavam tensas e lançou-lhe um olhar direto:
— Está com medo agora? Não era você quem era toda corajosa quando fazia planos antes?
A atitude impetuosa de Tang Shishi foi enfraquecendo aos poucos. Ela realmente era ambiciosa, queria se tornar imperatriz viúva. Mas, quando as coisas aconteciam de verdade, percebia que não era nada simples. Isso sem falar de objetivos mais distantes — só de pensar em dormir no mesmo quarto que Zhao Chengjun, aquele fogo idealista que ardia dentro dela parecia ser apagado por uma mão invisível em um balde de água gelada, extinguindo-se sem deixar rastros.
Zhao Chengjun riu baixinho ao ver sua expressão, como se estivesse zombando dela.
Tang Shishi cerrou os dentes e disse com uma expressão indiferente:
— Então vamos logo. Não é nada demais.
— Que disposição admirável.
Zhao Chengjun imediatamente chamou Liu Ji e instruiu Tang Shishi:
— Vá apontando o que você quiser levar. Marque peça por peça, e depois levaremos tudo para o pátio de Yan’an.
Tang Shishi só queria manter as aparências, mas no fundo estava sendo forçada a encarar algo maior do que podia lidar. Ela apontava para os móveis, antiguidades e sofás com a mesma expressão de quem fazia um esforço absurdo. Por fim, Liu Ji cobriu o baú de mogno, colou uma etiqueta e sorriu:
— Wangfei, pode ir tranquila para o pátio de Yan’an. Comigo supervisionando, essas coisas não se perderão.
Zhao Chengjun lançou um olhar tranquilo para Tang Shishi:
— Vamos. Chegamos bem na hora da refeição, e a comida já está pronta no pátio de Yan’an.
Tang Shishi franziu o cenho, sentindo uma leve estranheza, mas antes que pudesse refletir, Zhao Chengjun já a envolvia pelos ombros, meio persuadindo, meio forçando, e a levou consigo.
Zhao Chengjun levou Tang Shishi ao pátio de Yan’an, o pátio principal. Tang Shishi saiu pelo portão do pátio Jianjia e olhou para trás, tomada por uma leve melancolia. Sabia que, a partir daquele momento, aquele pátio pequeno, apertado, mas caloroso e delicadamente arrumado, havia se tornado definitivamente coisa do passado.
Tang Shishi não era alguém muito apegada ao passado. Depois de quase fugir da mudança, rapidamente deixou de lado qualquer apego e se concentrou no novo papel. As pessoas deviam olhar para frente — não adiantava nada se prender ao que já passou. Tang Shishi se ajustou mentalmente e, ao cruzar o limiar do pátio de Yan’an, também ajustou seu coração.
Quando os criados do pátio de Yan’an os viram, ajoelharam-se um a um para prestar reverência. Vozes como “Saudações à Wangfei” ecoaram continuamente. Tang Shishi percorreu com os olhos cada planta, tijolo e telha do pátio de Yan’an, sentindo um tipo diferente de atmosfera.
Ela já havia estado naquele pátio antes, mas naquela época, era apenas uma criada. Passava o dia tentando entender o que se passava na cabeça de Zhao Chengjun e Zhao Zixun, sem tempo para apreciar a mobília do lugar. Agora, com um novo olhar, percebeu que Zhao Chengjun tinha um gosto muito refinado. Apesar de haver poucos objetos decorativos, tudo era colocado com exatidão.
O eunuco levantou educadamente a cortina da porta. Zhao Chengjun deixou Tang Shishi passar primeiro, entrando em seguida. Assim que ela entrou, Liu Ji imediatamente colocou uma almofada e um encosto macio no assento, esperando que Tang Shishi se sentasse.
— Wangfei, o jantar já está pronto. Deseja comer agora ou mais tarde?
Aquilo era o pátio de Yan’an — como podiam perguntar a ela? Tang Shishi não conseguiu evitar de olhar para Zhao Chengjun. Ele retribuiu com um olhar gentil e disse:
— Você é a dona da casa. Todos os assuntos, grandes ou pequenos, do pátio interno estão sob seu comando. Pode organizar como desejar.
Tang Shishi se sentiu aliviada e decidiu testar seu poder como senhora da casa:
— Vamos comer agora.
— Sim.
As criadas começaram a entrar uma após a outra, trazendo as caixas de comida e colocando tudo cuidadosamente sobre a mesa quadrada. O apetite de Tang Shishi andava ruim ultimamente, por isso as porções eram pequenas, mas a mesa estava repleta de pratos refinados e delicados. Zhao Chengjun lhe serviu uma tigela de sopa de feijão. Tang Shishi tomou dois goles, mas de repente sua expressão mudou drasticamente e ela pousou a colher sobre a mesa.
O semblante de Zhao Chengjun escureceu levemente. Embora sua face mantivesse a calma de sempre, sua voz involuntariamente se tornou mais tensa:
— O que houve?
— Esqueci a raposa. — Tang Shishi respondeu séria, com o rosto firme. — A culpa foi sua, que saiu apressado. Esqueci a caminha da Xiao Li, e também os potes e panelinhas dela.
Zhao Chengjun arqueou as sobrancelhas, mas as abaixou logo em seguida. Disse com a voz o mais suave possível:
— Durante a gravidez, é melhor evitar contato com ela. Afinal, ainda é um animal selvagem e deve ser criado de maneira apropriada. Por ora, vou mandá-la para o vilarejo no interior. Depois que nosso filho nascer, traremos ela de volta para a mansão.
Tang Shishi se alarmou ao ouvir que ele planejava mandar a raposa embora e protestou imediatamente:
— Não! Ela ainda é pequena. Como pode ir para fora?
— Ela já tem um ano. Deveria estar caçando sozinha na natureza. — O tom de Zhao Chengjun era gentil, mas sua posição era firme. — Se você mimar demais, vai prejudicá-la. Ela precisa aprender por conta própria. Seja boazinha, depois que o bebê nascer, traremos ela de volta.
Tang Shishi estava levando uma vida calma e despreocupada ultimamente, sem maiores preocupações. Mas apenas Zhao Chengjun sabia o quanto havia se empenhado para que aquele mingau simples e aquela refeição trivial fossem seguros. A mansão do Príncipe Jing já havia causado a morte de duas pretendentes escolhidas como consortes. Zhao Chengjun estava realmente assustado — não podia se dar ao luxo de arriscar, especialmente desta vez.
Ele não suportaria perder Tang Shishi ou a criança. Até os ingredientes que entravam na mansão precisavam vir de pessoas de sua mais absoluta confiança. Como poderia tolerar a presença de um animal selvagem, incontrolável, que poderia surtar a qualquer momento?
Antes, Tang Shishi estava emocionalmente instável, por isso Zhao Chengjun evitava aborrecê-la e não permitia que ninguém tocasse na raposa. Mas agora, aproveitando a mudança de residência, finalmente pôde remover aquele espinho que o incomodava. Não havia como deixá-la continuar criando o animal.
Ao ouvir suas palavras, Tang Shishi entendeu que a raposa não voltaria mais. Ela também sabia que era o melhor para o animal, mas emocionalmente ainda não conseguia aceitar. Ficou deprimida por um tempo e murmurou:
— Parece justo. Mas depois que a criança nascer, tem que ir buscá-la mesmo.
Zhao Chengjun respondeu:
— Com certeza.
Com a promessa pessoal dele, Tang Shishi conseguiu se acalmar, ainda que a contragosto. No entanto, ela permaneceu cabisbaixa durante o restante da refeição e, após poucas mordidas, já não quis mais comer.
Zhao Chengjun colocou os hashis e a tigela de lado com um suspiro leve, dizendo com impotência:
— Quantos anos você tem? Ainda fica fazendo birra? E ainda está grávida… coma direito.
Tang Shishi se recostou de lado, sem se mover. Zhao Chengjun pegou alguns pratos e tentou alimentá-la pessoalmente, mas ela só deu duas mordidas e já balançou a cabeça, recusando-se a comer mais.
Zhao Chengjun não teve escolha a não ser mandar que retirassem os pratos. Tang Shishi se surpreendeu ao ver isso:
— Wangye, você ainda nem comeu. Como pode ser assim?
— Se sabia que não era certo, por que fez isso consigo mesma? — Zhao Chengjun lançou-lhe um olhar com expressão moderada e disse — Se não quer comer, então deixe. A cozinha está sempre preparando comida para você. Quando tiver fome, coma de novo. Por enquanto, fique aqui um tempo para digerir. Os criados ainda estão movimentando as coisas. Daqui a pouco, você pode voltar e descansar.
Tang Shishi ficou um pouco culpada. Nesse período de gravidez, seu temperamento estava ainda mais arrogante e voluntarioso. Bastava algo não agradá-la que já se irritava. Zhao Chengjun vinha suportando tudo, seguindo-a até mesmo em seus caprichos. Tang Shishi não tinha percebido antes, mas agora notava que, além dela ter tido dias difíceis, Zhao Chengjun também estava sendo duramente provado.
Basicamente, Zhao Chengjun passava por tudo com ela. Se ela não conseguia comer, ele também mal comia.
Tang Shishi ficou envergonhada, seus olhos se moveram e pousaram em Zhao Chengjun. Ele percebeu o olhar disfarçado dela, bateu de leve em seu nariz com um ar divertido e disse:
— Fale de uma vez o que quer. Não precisa ficar com esses olhares furtivos.
Tang Shishi sorriu. Mudou de posição com leveza, segurando um leque na mão, recostando-se do outro lado do braço da cadeira e perguntou:
— Wangye, estou muito mimada nesses dias?
Zhao Chengjun a olhou com uma leve surpresa:
— Então você sabe?
Tang Shishi recolheu o sorriso imediatamente, bateu com raiva o leque sobre a mesa e perguntou:
— Então você me acha irritante?
— Como eu poderia achar isso? — Zhao Chengjun riu, pegou o leque, ajeitou os pendentes dele com cuidado e o colocou de volta na mão de Tang Shishi. — Nunca me arrependo das escolhas que faço. Provavelmente, devo algo a você de uma vida passada. Por isso, estou destinado a cuidar de você nesta vida e pagar o que te devo.
Tang Shishi ergueu o pescoço esguio e olhou de lado com superioridade. Não conseguiu conter o sorriso nos olhos e abriu o leque com um estalo, cobrindo os lábios sorridentes.
Liu Ji era muito eficiente. Em pouco tempo, os baús de Tang Shishi já haviam sido transportados. Ela pegou suas roupas e foi ao cômodo de banho. Zhao Chengjun, aproveitando o intervalo, correu até o escritório para lidar com os assuntos urgentes do dia.
Quando Tang Shishi saiu, ficou um instante surpresa ao ver a mobília desconhecida, até lembrar que estava no pátio de Yan’an. Dujuan a seguia e disse:
— Senhorita, com o cabelo molhado é fácil pegar um resfriado. Deveria secar os cabelos.
Tang Shishi assentiu e sentou-se diante do espelho, permitindo que Dujuan enxugasse seus cabelos. Olhou atentamente para sua imagem no espelho, examinando se havia algum pelo nas sobrancelhas que precisasse tirar, quando de repente viu Liu Ji surgir refletido no espelho. Ele parou atrás do biombo, fez uma reverência e sorriu:
— Wangfei, todos os seus pertences já foram organizados.
Tang Shishi entendeu que Liu Ji queria falar algo em particular. Acenou para Dujuan e falou suavemente:
— Me passe isso e vá preparar uma chaleira de chá quente lá fora.
No verão não era necessário chá quente, mas Dujuan compreendeu a indireta. Após deixar o pano de secar, retirou-se silenciosamente:
— Sim. Com licença.
Vendo isso, Liu Ji se aproximou e disse:
— Permita-me ajudá-la a secar o cabelo, Wangfei.
— Obrigada, Gonggong. Já está quase seco, não se preocupe. — Tang Shishi pôs o pano de lado, pegou um pente de chifre de rinoceronte e começou a pentear os longos cabelos com calma. — Gonggong veio me procurar. Tem algo importante a dizer?
— Nada de grave. — Liu Ji ficou atrás de Tang Shishi, com as mãos abaixadas, e disse suavemente: — Sirvo o Wangye há muitos anos. Agora, tomo a liberdade de alertar Wangfei sobre algumas coisas. A primeira é que o Wangye tem sono leve. A menor movimentação o acorda e depois é difícil voltar a dormir. Peço, humildemente, que Wangfei preste atenção à noite. Se o Wangye acordar, não o deixe suportar sozinho. Deve ordenar que o criado prepare um chá calmante.
Tang Shishi ficou ligeiramente séria. Entendia que Liu Ji estava lhe dando conselhos valiosos. Ele servia Zhao Chengjun havia muitos anos e o compreendia bem. Tang Shishi então se endireitou e disse com seriedade:
— Obrigada, Liu Gonggong. Tomarei cuidado com isso.
— Outra coisa é que o Wangye é sensível ao barulho e tende a ter dores de cabeça se houver muito ruído. Além disso, peço que Wangfei o incentive a comer. Wangye cresceu com regras rígidas no Palácio Imperial. Não come fora das três refeições do dia. Às vezes se ocupa demais, perde a refeição e depois já não quer mais comer. Se isso continuar, temo que prejudique a saúde dele.
Tang Shishi assentiu, memorizando cada ponto. Descobriu que Zhao Chengjun era cheio de regras. Embora parecesse odiar formalidades e não gostasse de complicações, na verdade, sempre seguia regras com disciplina extrema.
Ela pensou em si mesma por um instante e percebeu que talvez fosse essa a diferença entre os que conseguiam virar o jogo e ela. Quando estavam no campo de caça, ela havia notado que Zhao Chengjun tinha sono leve. Na época, a raposa ainda era pequena, sentia fome à noite e ficava chorando na tenda. Zhao Chengjun, com o rosto fechado, queria jogar a raposa para fora. Tang Shishi o achava cruel naquela época… Não imaginava que fosse por ele não conseguir dormir bem.
Tang Shishi foi tirada de seus pensamentos pelo barulho do lado de fora. Parecia que Zhao Chengjun havia voltado. Quando ele entrou no quarto e viu Liu Ji na área interna, perguntou:
— Do que estão falando?
Liu Ji havia passado a vida inteira tentando entender a mente de Zhao Chengjun. Ao ver a expressão do príncipe, percebeu que ele não estava satisfeito. Liu Ji estava acostumado e, como já havia terminado as explicações, curvou-se levemente e disse com naturalidade:
— Vim relatar a Wangfei que todos os itens foram movidos. Retirarei-me agora.
Depois que Liu Ji terminou de falar, saiu discretamente. Restaram apenas Tang Shishi e Zhao Chengjun no aposento interno. Tang Shishi estava vestida apenas com roupas de baixo, enquanto Zhao Chengjun estava impecavelmente trajado, com postura ereta. Ela ficou um pouco constrangida e se levantou:
— Estou sendo indelicada. Vou me trocar agora.
— Já está escurecendo. Por que precisa trocar de roupa? — Zhao Chengjun puxou Tang Shishi para mais perto, tocou os cabelos dela com os dedos e franziu levemente a testa. — Por que seu cabelo está molhado?
À medida que os dois se aproximavam, a sensação de opressão vinda de Zhao Chengjun se intensificava. Os cabelos de Tang Shishi estavam soltos, ela usava apenas roupas íntimas e o corpo ainda estava úmido. De fato, estar tão perto de um homem adulto, de ombros largos e pernas longas, era uma ameaça difícil de descrever.
Tang Shishi tentou afastar as mãos dele, mas Zhao Chengjun não permitiu. Levou-a até o divã e a fez sentar, pegou um lenço seco e começou a secar lentamente os cabelos dela.
— Atreveu-se a andar por aí com o cabelo molhado? Não tem medo de pegar um resfriado?
Tang Shishi ajeitou silenciosamente a gola da roupa e respondeu com os lábios curvados:
— Sim, eu sei. Não posso mais sair correndo por aí, para não prejudicar o filho do Wangye.
Zhao Chengjun não interrompeu os movimentos, mas levantou o rosto e lançou um olhar levemente frio para Tang Shishi:
— Garotinha sem coração, por quem você acha que estou dizendo isso?
Tang Shishi soltou um risinho sarcástico e não acreditou em nada daquilo. Essa paciência toda era só por causa da criança que carregava. Quando era só ela, ele nunca tinha sido assim tão atencioso.
Ao pensar nisso, Tang Shishi endireitou ainda mais a postura, cheia de confiança, e deixou o imponente Wangye secar seu cabelo. Depois de um tempo, cansada de ficar sentada, ela simplesmente se recostou em Zhao Chengjun e fechou os olhos, aproveitando o momento.
Zhao Chengjun estava com os braços ao redor das costas de Tang Shishi para secar o cabelo dela. Se esticasse um pouco mais os braços, poderia envolvê-la inteira. Agora que ela estava deitada sobre ele, Zhao Chengjun conseguia sentir claramente o corpo frágil dela, tão diferente do seu. Seu corpo ficou levemente tenso, e sua voz mudou:
— Sente-se direito.
Tang Shishi, por dentro, disse um “não” bem decidido. Confiando que Zhao Chengjun não ousaria puxá-la dali, aproveitou para usá-lo como travesseiro sem qualquer receio. Zhao Chengjun suspirou em silêncio, realmente devo ter uma dívida com ela de outra vida.
Ou talvez ele mesmo tivesse pedido por isso. De qualquer forma, era previsível que ainda sofreria bastante — pelo menos pelos próximos seis meses.
Tang Shishi não fazia ideia do que ele estava pensando. Deitada ali por um tempo, de repente disse:
— Estou com fome.
Zhao Chengjun, que até então estava paciente, quase riu de raiva ao ouvir aquilo:
— Pensei que não fosse ficar com fome. Agora que percebeu, por que não comeu direito antes?
— A culpa é sua, que me provocou naquela hora — retrucou Tang Shishi, com os olhos redondos cheios de razão. O temperamento de grávida vinha e ia sem avisar, até o apetite era assim. Depois de dizer isso, ficou com tanta fome que não aguentava mais. — Quero comer algo azedo e picante.
Que gosto mais estranho é esse? Zhao Chengjun não respondeu, apenas ordenou imediatamente aos criados:
— Chamem a cozinha para preparar comida para a Wangfei.
A cozinha, atormentada àquela hora da noite, correu para preparar pratos “azedos e picantes” que não irritassem o estômago sensível da Wangfei. Quando os pratos foram servidos, Tang Shishi provou e descobriu que estavam realmente muito azedos e picantes — um sabor que estimulava fortemente o paladar.
Tang Shishi estava prestes a continuar comendo quando, de repente, pensou em Zhao Chengjun. Pegou uma colher pequena do prato e estendeu para ele:
— Wangye, você não comeu quase nada à noite. Coma um pouco agora.
Zhao Chengjun balançou a cabeça sem pensar duas vezes:
— Não é necessário. O jantar deve ser leve, e já passou da hora da refeição.
Tang Shishi adorava forçar os outros. Colocou a tigela de lado e disse com orgulho:
— Wangye, se não comer, eu também não como.
— Travessa — Zhao Chengjun franziu o rosto e a repreendeu em voz baixa. — Você já é mãe e ainda brinca com sua saúde assim?
Tang Shishi murmurou com desdém:
— Então veja quem está preocupado.
No fim, Zhao Chengjun realmente se irritou. Seu rosto ficou sombrio e a voz endureceu:
— Parece que fui indulgente demais com você nesses dias, a ponto de não saber mais qual é o seu limite. Tem coragem até de me ameaçar com algo assim. Pois então, se não quiser comer, não coma. Quero ver até onde consegue ir com isso.
Zhao Chengjun ficou calado e não disse mais nada. Tang Shishi também largou a tigela e os hashis, virou-se e entrou no quarto para pentear o cabelo. Os criados presentes estavam quase suando frio — o clima estava tão tenso que ninguém ousava respirar alto.
Todos lançavam olhares furtivos para Zhao Chengjun. O rosto dele ficava cada vez mais frio, a respiração, mais irritadiça. Após alguns minutos, Wangye manteve a expressão impassível e disse com voz gelada:
— Saiam.
Os criados não se atreveram a hesitar e imediatamente se retiraram com a cabeça baixa. Depois que todos saíram, Zhao Chengjun esfregou as têmporas com força e disse, impotente:
— Está bem. Venha comer.
Capítulo 80 – Dormindo Juntos
Tang Shishi penteava os cabelos no quarto interno. Apesar do incômodo de estar com fome, ela se mantinha muito calma.
Desde pequena, já usara aquele truque inúmeras vezes. Não era exagero dizer que ninguém jamais resistira a ele. Lin Wanxi, Tang Mingzhe, Qi Jingsheng... todos, sem exceção.
Era assim que as pessoas agiam: oprimiam os fracos e temiam os fortes. Tang Shishi jamais bancava a mimada diante de Concubina Su e sua filha, pois sabia que, mesmo que morresse de fome, a sobrancelha de Concubina Su não se moveria um milímetro. Mas com outras pessoas era diferente. Tang Shishi sabia que era bonita e também sabia que era favorecida. Bastava não comer ou fazer birra, e logo a outra parte cedia docilmente ao que ela queria.
Principalmente com os homens — era um tiro certeiro, testado e aprovado. Antes, seu alvo era Qi Jingsheng. Agora, era Zhao Chengjun.
Tang Shishi pensava, sem a menor culpa, que arriscou perder a beleza, deformar a silhueta e sofreu bastante para engravidar de Zhao Chengjun. Então, provocá-lo por cinco ou seis meses era demais?
Nem um pouco.
Como esperado, depois de um tempo, Tang Shishi ouviu os criados do lado de fora saindo. Ela continuou imóvel, fitando atentamente o espelho — mas os cantos da boca se erguiam discretamente.
Ela sabia que tinha vencido.
A voz resignada de Zhao Chengjun veio de fora:
— Tudo bem. Venha comer.
— Não — respondeu Tang Shishi, cada vez mais destemida. — Estou ocupada penteando o cabelo. Não posso soltar a mão.
Zhao Chengjun inspirou fundo e entrou no quarto com o rosto calmo, mas havia uma ameaça implícita em seu tom:
— Não exagere. Coma direito e não deixe essa criança passar fome.
Tang Shishi bateu o pente sobre a penteadeira:
— Não deixar a criança passar fome... e o adulto não importa? Se Wangye está tão infeliz, então leve as coisas embora. Eu não tenho como pagar por isso.
Zhao Chengjun a encarou longamente. Tang Shishi, sentada diante do espelho, erguia o queixo com confiança. Do ângulo dele, via apenas seu perfil — um pescoço esguio e ombros retos, as linhas do rosto até os ombros eram incrivelmente graciosas. Os cabelos caíam soltos como uma cascata brilhante.
Ao ver aquele rosto, ele não conseguia expressar raiva, mesmo se quisesse. Além disso, ela estava apenas com roupas de baixo, e seu corpo continuava esbelto, mesmo após quatro meses de gravidez — até mais magra do que antes da expedição. Como Zhao Chengjun poderia ter coragem de repreendê-la?
Ele sabia perfeitamente que, se cedesse agora, estaria perdido. Mas mesmo assim, não resistiu. Suavizou o tom e disse:
— Tá bem, fui insensível. Não deveria ter te contrariado. Você, é claro, é mais importante que o bebê. Ficar com fome por muito tempo faz mal à sua saúde. Venha comer.
Tang Shishi continuou parada. Zhao Chengjun não teve escolha a não ser ir até ela e levá-la pessoalmente até a sala de jantar, com todo cuidado.
Tang Shishi saiu vitoriosa e estava plenamente satisfeita. Quando se sentou, falou:
— Não posso comer sozinha. Wangye, come comigo?
Zhao Chengjun já tinha cedido até ali — mais essa concessão não faria diferença. Ele assentiu levemente:
— Está bem.
Tang Shishi, toda animada, pegou logo a tigela e serviu arroz para os dois. Zhao Chengjun suspirou profundamente ao ver seus gestos.
Uma mulher bonita e consciente de sua própria beleza era realmente assustadora. Desde criança percebera que ninguém recusava seus pedidos — e por isso se tornara cada vez mais arrogante, mais mimada, até virar essa criatura temperamental que era hoje.
Esses modos todos eram “mérito” de seus pais e parentes. Mas, pensando bem, Zhao Chengjun riu de si mesmo em silêncio — ele não tinha moral alguma para criticar os pais de Tang Shishi. Também era igualmente conivente. Se quisesse, poderia ter corrigido essas falhas com rigor, mas nunca estivera disposto a fazer isso.
Zhao Chengjun jantou com Tang Shishi. Já era bem tarde quando os criados vieram recolher as tigelas. Ele olhou para o céu lá fora e disse:
— Você deveria descansar.
Tang Shishi cobriu a barriga, hesitou por um instante e murmurou:
— Se eu dormir logo depois de comer, vou engordar.
Zhao Chengjun ergueu uma sobrancelha:
— Ainda se preocupa com isso? Já está magra desse jeito e ainda com medo de engordar?
Tang Shishi se alarmou. Qualquer um podia chamá-la de tola, mas dizer que ela não era bonita? Jamais! Furiosa, retrucou:
— Claro que você não se preocupa, porque não é no seu corpo que aparece. Pobre de mim, que lutei tanto para engravidar e ainda tenho que ouvir esse tipo de coisa.
Zhao Chengjun a observou em silêncio, sentindo no fundo que havia se metido nessa situação por vontade própria. Mas fazer o quê? Só lhe restava recuar mais uma vez:
— Está bem. Vamos andar um pouco para ajudar na digestão, depois dormimos. Serve?
Tang Shishi assentiu, satisfeita. Olhou em volta e resmungou com desdém:
— Este lugar é pequeno demais pra se movimentar.
Ao terminar, percebeu que estava sendo arrogante demais — teve a ousadia de dizer que o pátio principal da Mansão do Príncipe Jing era pequeno. Zhao Chengjun lançou um olhar para suas roupas e arqueou ligeiramente a sobrancelha:
— E pretende sair vestida assim?
Tang Shishi baixou os olhos e viu que ainda usava roupas de baixo, o cabelo estava solto — realmente, nada apropriado para sair. Sem opções, desistiu da ideia:
— Então vamos andar pelo pátio mesmo.
Ela entrou no quarto para vestir a capa. Ao sair, estranhou:
— Onde estão todos? Por que está tudo vazio?
Zhao Chengjun respondeu com indiferença:
— Estão ocupados.
Tang Shishi piscou, murmurou um “ah” e não perguntou mais. Criados com coisas pra fazer àquela hora? Claramente Zhao Chengjun os mandou embora, não foi?
Ele é mesmo exagerado até de madrugada, pensou, rindo por dentro. Na verdade, além das criadas, também havia eunucos — que nem podiam ser considerados homens. No Palácio Imperial, eunucos até ajudavam concubinas a tomar banho. Mesmo assim, Zhao Chengjun se incomodava com isso e mandava todos embora.
Sabendo que não havia mais ninguém, Tang Shishi também relaxou. Caminhou com Zhao Chengjun pelo pátio deserto de Yan’an, andando de um lado para o outro. Depois de se sentir leve e certa de que não engordaria, disse satisfeita:
— Pronto. Vamos voltar.
Como Zhao Chengjun mandara todos embora, ao voltarem para o quarto teriam que se virar sozinhos. Tang Shishi baixou a cabeça para tirar a capa, mas acabou fazendo um nó cego. A fita estava numa posição difícil de alcançar e ela não conseguia desfazê-lo de jeito nenhum. Enquanto se atrapalhava, de repente, um par de mãos pegou as pontas da fita.
Tang Shishi ergueu os olhos, surpresa, e viu Zhao Chengjun bem à sua frente, inclinado, desfazendo cuidadosamente o nó em seu pescoço. Como a fita era curta, ele estava muito próximo. Seu hálito envolvia Tang Shishi, e ela podia até sentir o calor no tecido de suas roupas.
Tang Shishi ficou desconfortável e tentou se afastar discretamente. Assim que se moveu, Zhao Chengjun segurou seu ombro. Com a outra mão, envolveu sua cintura e a puxou para mais perto:
— Não se mexa.
Assim, a distância entre os dois diminuiu ainda mais. Tang Shishi ficou praticamente colada ao corpo dele. Seu corpo inteiro se enrijeceu — nem ousava respirar. Por sorte, o nó se soltou logo, desatado pelas mãos de Zhao Chengjun. No fim das contas, ele não a deixou morrer sufocada.
Zhao Chengjun pegou a capa e deu a volta para colocá-la de lado, jogando-a atrás do biombo. Depois, deu um leve tapa na cabeça de Tang Shishi e disse:
— Já brincou o suficiente. Agora durma direito. Vou tomar banho. Não precisa me esperar, pode dormir antes.
Tang Shishi assentiu devagar. Assim que Zhao Chengjun terminou de falar, caminhou até o cômodo de banho. Tang Shishi ficou ali parada, sozinha, sem saber ao certo no que estava pensando.
Logo, o som da água começou a vir do banheiro. Tang Shishi cobriu o rosto com as costas da mão e deu leves batidinhas:
— Calma... não é como se fosse a primeira vez que dorme com ele. Do que estou com medo?
No entanto, quando finalmente chegou à beirada da cama, todo o seu corpo pareceu travar. Na última vez, ela havia sido pega pela chuva, estava drogada e completamente fora de si. Na verdade, não se lembrava de quase nada depois — só da dor e da longa duração. Mas desta vez, ela teria que se deitar na mesma cama com Zhao Chengjun estando totalmente desperta.
Mesmo grávida, Zhao Chengjun não faria nada com ela… porém, o trauma psicológico deixado da outra vez era tão forte que Tang Shishi sentia um pavor irracional só de olhar para a cama.
Ficou enrolando, tentando se convencer mentalmente. Antes que tomasse uma decisão, uma voz soou atrás dela:
— O que você está fazendo?
Tang Shishi levou um susto tão grande que quase caiu. Felizmente, uma mão surgiu e segurou firme seu braço. Zhao Chengjun franziu a testa e falou com suavidade:
— Cuidado. Não se assuste assim.
Tang Shishi ainda estava em choque. Cobriu o coração com a mão e se virou, incrédula:
— Quando você saiu? Como consegue andar sem fazer barulho?
Zhao Chengjun agora vestia roupas de baixo, com o cabelo solto, ainda levemente úmido. Segurava o braço de Tang Shishi, visivelmente sem saber o que fazer:
— Achei que você já estivesse dormindo.
Ele fez questão de andar leve, para não acordá-la. No fim, ela estava ali enrolando, parada sem motivo algum.
Tang Shishi ficou sem palavras e tentou se justificar com uma desculpa qualquer:
— Quem mandou aparecer de repente? Não foi tomar banho? Por que saiu tão rápido?
— É só um banho. Quanto tempo você acha que leva? — Zhao Chengjun também não conseguia entendê-la. Ao ver Tang Shishi nervosa e sem saber o que queria, perdeu totalmente a paciência. Curvou-se, passou um braço por baixo dos joelhos dela e a levantou no colo sem cerimônia.
Tang Shishi foi pega de surpresa com a mudança de peso. Instintivamente agarrou a gola de Zhao Chengjun e encostou o rosto em seu peito. Ao ver que ele se aproximava da cama, ficou nervosa:
— O que você vai fazer?
Mesmo com a resistência dela, Zhao Chengjun se inclinou e a deitou na cama. Assim que tocou o colchão, Tang Shishi tentou rolar para o lado, mas ele a segurou com força, impedindo que se movesse. Ela ficou ainda mais assustada:
— Eu estou grávida! Você não pode... não pode fazer essas coisas...
Essas coisas? Zhao Chengjun ergueu uma sobrancelha e lançou-lhe um olhar cheio de significado:
— Eu não planejei fazer nada com você. Só estou com medo de você machucar a criança.
Tang Shishi, sem graça, apoiou-se na cama, sentindo as mãos e os pés amortecidos. Zhao Chengjun puxou o cobertor e cobriu seu corpo, depois a encarou devagar:
— Durma direito e pare de imaginar coisas.
Quem tá imaginando coisas aqui? Tang Shishi ficou agoniada, mas Zhao Chengjun não disse mais nada. Ela ainda agarrava a gola dele, como se estivesse esperando alguma coisa. Tang Shishi pensou um pouco, depois soltou um olhar irritado e se virou para dormir do outro lado da cama.
Zhao Chengjun viu os movimentos dela, com as costas arqueadas, bufando, e não conteve a risada:
— Dorme desse lado. O canto da cama está frio. Vai acabar pegando um resfriado.
Já era o nono mês do ano. Embora fizesse calor de dia, à noite já começava a esfriar. Se Tang Shishi dormisse encostada na parede, certamente sentiria frio. Mas ela não ligava. Virada para a cortina da cama, com as costas para Zhao Chengjun, respondeu com raiva:
— Não estou com frio. Obrigada pela preocupação de Wangye. Wangye cuide de si mesmo.
Quem é a ingrata aqui? Tang Shishi era. Zhao Chengjun não podia forçá-la de volta, senão pareceria mesmo que tinha segundas intenções. Além disso, estavam na cama — ele não ousava correr nenhum risco.
Vai que a movimentação é grande demais e realmente acende um fogo...
Só lhe restava deixá-la encolhida no canto. Pensou que, como era um sono leve e agora havia outra pessoa ao lado, provavelmente não conseguiria dormir a noite inteira. Quando o frio da madrugada chegasse, ele se levantaria para cobri-la com o cobertor.
Tomada a decisão, Zhao Chengjun não se importou mais com Tang Shishi. Foi apagar as luzes do lado de fora. Ao voltar, fechou a cortina, mergulhando todo o espaço na escuridão.
Uma ambiguidade indescritível se espalhou no ar. A cama babu* por si só já carregava um simbolismo romântico. Um homem e uma mulher, jovens e saudáveis, deitados juntos — como não haver resposta?
(*cama babu: tipo de cama com dossel, a maior da mobília tradicional chinesa)
Tang Shishi estava tão constrangida que puxou o cobertor para cobrir o rosto. Como se não ver fosse o mesmo que não estar acontecendo.
Inicialmente achou que não conseguiria dormir, mas com o tempo começou a ficar sonolenta. Tinha puxado demais o cobertor e acabou ficando sufocada, mas não conseguia se acalmar, apenas se mexia levemente.
Depois de um tempo, o outro lado da cama cedeu com um peso. Alguém puxou o edredom de brocado que cobria seu rosto e disse, com um tom resignado:
— Se eu não ficar de olho um segundo, você já apronta e não consegue dormir em paz.
Tang Shishi já não escutava mais. Estava completamente apagada, sem reação alguma.
Zhao Chengjun ajeitou o cobertor sobre ela. Quando levantou o olhar, viu que ela já dormia. Os cabelos estavam bagunçados sob o corpo, o rosto de perfil repousava sobre o travesseiro, os olhos fechados e a respiração leve. Estava delicada, como uma boneca indefesa.
A imagem era extremamente provocante. Os dedos de Zhao Chengjun se moveram, ele quis tocar seu rosto, mas recuou no meio do gesto, com receio de acordá-la. Ficou olhando por muito tempo, até dar uma risadinha baixa:
— Ingrata. Vamos dormir.
Zhao Chengjun voltou a se deitar. Ficou ali deitado por um bom tempo, sem sono nenhum. O som da respiração de Tang Shishi era tão leve que, se não prestasse atenção, mal daria para ouvir. Mas Zhao Chengjun sempre tivera o sono leve — qualquer ruído o incomodava, imagine com alguém dormindo ao lado.
Achou que passaria a noite em claro. No entanto, depois de um tempo indefinido, sentiu um peso em seu ombro. Abriu os olhos e viu que Tang Shishi havia se aproximado sem perceber, com a testa encostada em seu ombro, dormindo como um anjinho.
Zhao Chengjun não teve escolha senão levantá-la com cuidado e colocá-la de volta no travesseiro. Mas depois de um tempo, a posição dela mudava de novo, e ela voltava a se encostar nele.
Após tentar ajeitá-la duas vezes, Zhao Chengjun se deu conta de que Tang Shishi gostava de dormir com o rosto enterrado em alguma coisa — especialmente em algo quente. Como ele estava na borda e seu corpo emitia calor, não era de surpreender que ela se grudasse ali.
Pelo visto, vou precisar de tempo para corrigir esse jeito de dormir dela. Mas falar agora não adiantava. Zhao Chengjun apenas voltou para seu lugar e aceitou em silêncio.
Ele já não conseguia dormir normalmente. Agora, com alguém no ombro, seria ainda mais difícil. Porém, para sua surpresa, Zhao Chengjun acabou adormecendo sem perceber, embalado pela fragrância leve e silenciosa que vinha do corpo de Tang Shishi.
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