Capítulo 49: As Coisas no Coração de Anhui
— Ficou burro? — Era raro ver uma expressão tão lerda no rosto de Anhui, e Qianhe Liyou também se sentiu revigorada. Ela acenou com a mão diante dele, olhando-o com uma expressão brincalhona.
Anhui finalmente reagiu, mas parecia não estar muito melhor do que antes. Seu rosto ficou vermelho, seus lábios e dentes tremeram e, de repente, ele deu alguns passos para trás e se ajoelhou no chão.
— Imperatriz... — A Imperatriz havia o beijado, mas como aquilo podia ter acontecido? Por que a Imperatriz o beijaria? Como poderia beijá-lo? Estava zombando dele, ou havia outro significado...?
A mente de Anhui estava completamente confusa, havia mil coisas que queria dizer, mas nenhuma saía. Assim, apenas chamou pela Imperatriz e permaneceu ajoelhado em silêncio.
— Por que não fala nada? — Se não fosse pelo quanto conhecia Anhui, ela realmente pensaria que aquele homem a via como uma serpente, do modo que saltou e se afastou com tanta agilidade.
— Este subordinado... não tem nada a dizer. — Quanto ao significado do que a Imperatriz fizera, ele não entendia, e nem ousava pensar a respeito.
“Não tem nada a dizer...” Qianhe Liyou observou Anhui, que parecia ter se acalmado, e balançou a cabeça com tédio.
— Anhui, você não é nem um pouco fofo assim...
Seu rosto abaixado corou novamente, e ele pôde até sentir o calor subindo.
— Imperatriz, este subordinado não é fofo, por favor... — Queria pedir que a Imperatriz parasse de provocá-lo, mas, pensando melhor, aquela não era a primeira vez que ela o provocava. Que direito ele tinha de fazer tal pedido?
— Fale. Por que fica se calando assim? — Estava claro que ele engolia um monte de perguntas, mas não dizia nada. Até onde aquele homem conseguia suportar? Hoje ela havia se alimentado do sangue dele, o havia beijado, e ele ainda assim fingia que nada havia acontecido. Se ela o levasse para a cama, ele ainda conseguiria fingir? O que era isso, afinal? Era uma paciência inquebrantável ou uma autoestima tão baixa que achava que podia simplesmente ignorar tudo, como se fosse algo insignificante?
— Este subordinado... realmente não tem nada a dizer.
Ouvir essas sete palavras a deixou um pouco frustrada. Mesmo depois de ser aproveitado daquele jeito, ele ainda era o lendário e infame homem frio do Império Qianhe?
— Anhui, o que acha de zhen* torná-lo um concubino? — Se ele não queria dizer nada, ela o forçaria a falar. Não acreditava que, depois de uma frase daquelas, ele ainda continuaria calado.
— Imperatriz, está brincando comigo? — Como isso poderia ser possível? Como ele poderia ser incluído no harém com suas qualificações? Bastava olhar para os concubinos já existentes: todos eram homens belíssimos, com um temperamento extraordinário. Que lugar haveria para ele? Ele não era digno!
— Zhen não está brincando... é só que... — Qianhe Liyou propositalmente parou no meio da frase, esperando a reação dele.
— É só o quê? — Como esperado, Anhui perguntou na hora, mas, logo depois de falar, se deu conta. Por que ficou tão ansioso? Então ele realmente estava esperando algo?
— Você é o líder da Anbu, fazer você abrir mão de tanto poder... seria uma injustiça.
Qianhe Liyou não negou que havia um tom de provocação e teste por trás de suas palavras.
— Imperatriz, este subordinado é indigno de tamanha graça. É uma honra para qualquer homem poder servi-la. Este subordinado não tem essa bênção e é indigno de servi-la. A Anbu, sob minha supervisão, só existe graças à confiança que Vossa Majestade depositou em seus subordinados. Se este subordinado cometeu algum erro ou não executou bem suas tarefas, a Imperatriz pode me substituir, não haverá queixas!
Injustiça, sentimento de inferioridade... A Imperatriz realmente não o compreendia, nem conseguia entender a mente dos homens. Não importava o quão poderoso fosse ou o quão alto seu status estivesse, nada se comparava à intensidade dos sentimentos que guardava no coração. Se lhe dessem uma escolha, talvez nem hesitasse, porque já sabia, há muito tempo, o que era mais importante para ele!
— Indigno? Por que diz que é indigno? — Aos olhos dela, Anhui era um homem de verdade, maduro e firme, que havia enfrentado vento e geada. Era incrivelmente sábio e capaz, com um temperamento reservado. Tinha suas próprias convicções e teimosias, e geralmente sabia o que queria. Na visão dela, a única “falha” era um certo grau de baixa autoestima — mas isso apenas suavizava seu caráter rígido e o tornava mais humano. Não era algo ruim.
Ao ouvir a pergunta da Imperatriz, Anhui inconscientemente levou a mão até a cicatriz no rosto. A cicatriz já estava bem clara, mas ainda assim, era bastante visível...
Ao ver o gesto de Anhui, Qianhe Liyou ficou um pouco surpresa e pensou: esse homem realmente achava que era inferior por causa da aparência? Isso era realmente inconcebível!
— Identidade, origem familiar, aparência, talentos, virtude e caráter — tudo isso torna este subordinado indigno. — Anhui parecia ter se recuperado da surpresa inicial. Seu comportamento estava muito mais calmo agora. Ele tratava as perguntas da Imperatriz como se estivesse apresentando um relatório nos assuntos da corte, sem hesitar nem demonstrar emoção.
Qianhe Liyou, mais uma vez, admirou a calma daquele homem em seu coração. Era essa a verdadeira habilidade de Anhui, e também o que ela mais admirava nele.
— Identidade e origem familiar? Você é o líder da Anbu, um dos homens mais poderosos de todo o Império Qianhe. Quanto à aparência, os benevolentes veem a benevolência, os sábios veem a sabedoria. Quanto à virtude e caráter, você trabalha para zhen há muito tempo. Se não tivesse bom caráter, como poderia confiar a você tarefas tão importantes? Esses seus motivos… parecem estar acusando zhen de usar mal seus subordinados.
Além disso, ela nunca ligara para essas coisas. Estar falando disso com Anhui só mostrava que ela estava de bom humor — e, mais do que isso, que aquele homem a fazia se sentir bem... Qianhe Liyou era uma pessoa muito despreocupada e direta. Estando “satisfeita”, seu humor parecia excelente. Seus olhos percorreram o jardim e ela notou que o local estava bastante isolado. Caminhou até uma grande árvore enquanto conversava com Anhui e se sentou encostada no tronco. Olhando para ele de forma travessa, acenou com a mão.
Anhui estava com dúvidas, mas também se levantou e se aproximou.
— Imperatriz? — Ele não entendia as intenções dela, mas, ao ver seus gestos despreocupados, havia um toque de ternura por trás do olhar aparentemente calmo e parado.
— Sente-se. — Qianhe Liyou deu tapinhas no espaço ao lado dela, sinalizando para que ele se sentasse ali.
Anhui hesitou, mas no fim, obedeceu. No entanto, sentou-se claramente bem longe da Imperatriz. Sua postura estava rígida e seu corpo muito mais tenso do que quando estava de pé.
Qianhe Liyou sorriu, mas era aquele sorriso malicioso de sempre. Sem dizer nada, ela rapidamente colocou a mão na perna semi-dobrada de Anhui e a endireitou, deitando-se sobre ela sob o olhar atônito do homem.
— Zhen está com sono e quer descansar um pouco. — Depois de dizer isso, Qianhe Liyou fechou os olhos e repousou, como se realmente não quisesse ser incomodada.
Os olhos de Anhui se arregalaram. Seus lábios se abriram, mas ele não conseguiu dizer nada. Sua mente e coração estavam em completo caos. Até pouco tempo atrás, estavam discutindo assuntos tão sérios e agora... estavam assim, tão próximos...
O ambiente ao redor era sereno e silencioso. A Imperatriz, de olhos fechados, parecia realmente estar dormindo — menos agressiva, mais tranquila. Só de olhar para ela daquele jeito, ele se sentia meio bobo, e todos os outros sons pareciam desaparecer. Em sua visão, havia apenas aquela pessoa à sua frente...
***Capítulo 50: A Razão do Amor
Depois de cerca de uma hora, Qianhe Liyou abriu lentamente os olhos — e deu de cara com um par de olhos negros. A ternura e admiração contidas naquele olhar chegaram tarde demais para serem escondidas.
— Imperatriz, Vossa Majestade acordou? — Anhui perguntou com a voz um pouco rouca, mas havia nela uma surpresa evidente.
Qianhe Liyou não respondeu de imediato. Apenas fitou diretamente os olhos de Anhui. Os olhos profundos dela pareciam redemoinhos negros, com a sensação de que engoliriam tudo ao redor, fazendo com que qualquer um se afundasse irremediavelmente naquele abismo.
Anhui tentou desviar o olhar, inquieto diante da intensidade do olhar da imperatriz. Não sabia que palavras avassaladoras ela diria a seguir, mas também não conseguia desviar os olhos. Só pôde encará-la, completamente atordoado.
Finalmente, Qianhe Liyou se moveu. Estendeu a mão, agarrou o pescoço de Anhui e puxou a cabeça dele até a sua — em seguida, um beijo intenso se seguiu...
Após ser beijado pela segunda vez, Anhui já sabia claramente o que a imperatriz estava fazendo com ele, mas sua reação não foi diferente da primeira vez. Ele continuou atônito, permitindo que a imperatriz o beijasse, perdendo-se completamente na força do aura dela, incapaz de se libertar daquela entrega.
Quando Qianhe Liyou o soltou, Anhui recuperou um traço de clareza. Seu rosto estava em chamas. Ele levantou a cabeça, mas não ousou mover o corpo — afinal, a imperatriz ainda repousava em seu colo. Mesmo naquela situação, ainda se preocupava com o conforto dela, temendo que qualquer movimento brusco a incomodasse.
— Anhui, você não é feio. Sentir-se inferior por causa da aparência é coisa de gente tola. E você é extremamente inteligente. Não sinta vergonha por causa de algo assim.
Pode-se dizer que todos os homens do palácio tinham seus próprios pontos fortes e fracos, cada um com traços únicos. E quanto às características de Anhui, elas eram especialmente marcantes — sua aparência era a mais firme e resoluta dentre todos. Na opinião dela, Anhui era muito bonito. Mas se ele sentia inferioridade por isso... ela não queria que isso permanecesse.
O rosto de Anhui escureceu num tom de vermelho profundo. Embora as palavras da imperatriz tivessem a intenção de confortá-lo, ele ainda se sentia extremamente envergonhado — parte disso por ter sido desmascarado tão facilmente. No fundo, ele realmente não se importava tanto com sua aparência. Mas se fosse por causa de outras pessoas — especialmente a imperatriz — como poderia não se importar?
Ao pensar nisso, uma leve expressão de solidão atravessou seu rosto. Quando Qianhe Liyou viu isso, achando que ele ainda não acreditava em suas palavras, sua expressão se fechou um pouco e ela intensificou o tom:
— Você não acredita no que zhen disse.
— Na verdade, este subordinado não se importa tanto assim. Mesmo que não houvesse cicatriz, não seria muito diferente. Imperatriz, não precisa confortar este subordinado. Além disso, este subordinado não tem um complexo de inferioridade. Sou apenas prático e realista, buscando a verdade nos fatos. Este subordinado pensou sobre muitas coisas agora, e há algo que sei que não deveria dizer, mas ainda assim quero dizer. Todos os niangniang estão aguardando ansiosamente o favor da imperatriz. Vossa Majestade deveria ir até eles. Quanto a Anhui... Anhui realmente não é digno.
A imperatriz o havia beijado. Por mais ingênuo ou lento que fosse, ele sabia que ela estava interessada. Mas esse sentimento não duraria. Ele não se importava em ser um brinquedo para distraí-la do tédio. No entanto, com sua aparência, sentia que nem como brinquedo era digno!
Qianhe Liyou sentiu uma dor de cabeça chegando. Sua mente estava cheia com as palavras “cabeça-dura”. Independentemente de ele se importar ou não, ela já havia listado tantas qualidades suas e ele ainda insistia que não era digno — era como se as palavras dela entrassem por um ouvido e saíssem pelo outro!
Qianhe Liyou não era uma pessoa boa com palavras, nem particularmente paciente, e muito menos do tipo que repetia o que já havia dito. Assim, ao se deparar com a teimosia de Anhui, ela escolheu provar o contrário com ações!
Qianhe Liyou beijou Anhui novamente, mas desta vez, não nos lábios — e sim na cicatriz em sua testa…
Anhui pôde sentir quão firme era a mão que o segurava e quão gentil e carinhoso foi o beijo em sua cicatriz. Ele queria recuar, mas não havia mais para onde recuar. Nesse momento, ele teve uma súbita realização: o motivo pelo qual gostava da imperatriz, pelo qual se apaixonou por ela, era porque simplesmente não conseguia resistir à gentileza que ela escondia sob sua postura dominadora.
Além disso, esse era o único tipo de pessoa a quem ele poderia entregar sinceramente seu coração…
— Não deixe zhen perceber de novo esse seu complexo de inferioridade. E não deixe zhen ouvir a palavra “indigno” de novo, ou na próxima vez... vou beijá-lo em público. Talvez aí você realmente entenda o que zhen quer dizer… — Qianhe Liyou sussurrou isso com voz baixa e rouca ao lado do ouvido de Anhui, como se estivesse carregada de um charme sedutor e envolvente. Anhui gravou essas palavras profundamente em seu coração.
Depois de dizer isso, Qianhe Liyou se levantou, erguendo-se dos joelhos de Anhui. Seu movimento foi muito peculiar — claramente não se tratava de uma técnica comum de artes marciais. Os olhos de Anhui se arregalaram, tomados por um senso de reverência e incredulidade. Como um artista marcial, ele sabia que jamais conseguiria reproduzir aquele movimento, o que só provava o quão profunda e insondável era a habilidade da imperatriz.
— Vamos. Pare de ficar com essa cara de bobo. — O que aconteceu hoje provavelmente ficaria martelando na mente de Anhui por um bom tempo. Ela decidiu não pressioná-lo mais. Algumas coisas ele teria que entender sozinho…
— Sim.
…
Os emissários do Império Sang haviam sido mandados de volta para seu país. Sua chegada já não tinha sido nada gloriosa, e sua partida foi ainda mais humilhante. O tratamento recebido — e os sofrimentos enfrentados — no Império Qianhe foram tão severos que logo se tornaram motivo de piada no mundo inteiro. E assim, em meio a essa atmosfera tensa, a guerra explodiu novamente!
— Imperatriz, Yun guiren pede uma audiência — Fengying anunciou.
Qianhe Liyou assentiu e fez um gesto para permitir a entrada de Yun guiren.
— Esta concubina saúda Vossa Majestade. Muitas bênçãos à imperatriz.
Fazia vários dias desde a última vez que ela tinha visto Yun Tailing, mas agora ele estava mais bronzeado e sua expressão exibia firmeza e autoconfiança. Havia também um brilho repentino e vibrante em seu olhar — como um pássaro que finalmente abrira as asas para voar alto: confiante e belo.
— O que o traz aqui? — "Ninguém vai a um templo sem um motivo", pensou Qianhe Liyou. Naturalmente, Yun Tailing não teria vindo sem um propósito. Quanto ao que era, ela já tinha suas suspeitas.
— A guerra recomeçou. Esta concubina deseja saber… se pode ir ao campo de batalha.
Yun Tailing falava com seriedade e calma. Seus olhos não carregavam mais indiferença ou repulsa, mas sim respeito, reverência, admiração e gratidão. Jamais imaginou que teria uma experiência como aquela — gravada nos ossos e cravada no coração, inesquecível para sempre. Todas aquelas memórias tornaram-se seus maiores tesouros, e o motivo de possuir tais preciosidades estava bem diante dele. Foi ela quem lhe dera a oportunidade de vivenciar o verdadeiro significado da vida.
— Se é isso o que deseja, então que assim seja. Mas… você já esteve no campo de batalha por muito tempo. Ainda não pensou em outra possibilidade?
— Imperatriz, o que Vossa Majestade quer dizer? — Yun Tailing perguntou em tom de dúvida, sem compreender o sentido oculto nas palavras de Qianhe Liyou.
— Long Xizhao uma vez falou a zhen sobre os médicos militares. O número de feridos na guerra é imenso e os médicos se tornaram extremamente escassos. Enquanto você pode salvar muitas pessoas no campo de batalha... já pensou que talvez pudesse salvar ainda mais?
— Como salvar?
Capítulo 51: Aprendizado Medicinal
— Como salvar? — perguntou Yun Tailing.
— Este império precisa de mais médicos. Zhen quer fundar uma academia médica para que mais pessoas possam aprender a arte da medicina. No entanto, os médicos e curandeiros do meu império são muito rigorosos e têm expectativas altíssimas com relação a quem pode estudar o ofício, apegando-se ao próprio saber como se fosse uma vassoura de estimação. Por causa disso, muitas técnicas e habilidades médicas nunca são transmitidas adiante. Você entende esse ponto? — Como filho de uma família tradicionalmente ligada à medicina, Yun Tailing deveria compreender bem essa realidade.
— Sim, este concubino entende. — As habilidades médicas da família Yun eram passadas de geração em geração. Até mesmo um criado comum aprenderia alguma coisa, mas as técnicas mais avançadas eram ensinadas às mulheres, e não aos homens, e passadas aos mais velhos, e não aos jovens. Muitas das técnicas que Yun Tailing conhecia foram aprendidas por conta própria — e, nesse aspecto, ele também era grato por ter sido o brinquedo da Imperatriz. Caso contrário, por mais inteligente que fosse, ninguém estaria disposto a ensiná-lo.
Ele só não esperava receber tamanha dádiva desde o começo. Pensava que sua vida seguiria de forma simples e monótona, mas a Imperatriz, mais uma vez, lhe concedia um presente inesperado. Permitiu que ele aprendesse algo útil, realizou seu desejo, e o fez experimentar as verdadeiras mudanças da vida — para que ele não precisasse mais viver com arrependimentos.
— Então, você está disposto a ensinar a outros as habilidades médicas que aprendeu, para que mais pessoas possam se tornar médicos de verdade e, assim, o número de vítimas na guerra diminua graças à existência desses novos curandeiros? — Mesmo que Yun Tailing não tivesse ido procurá-la, ela o teria procurado. Ela e Long Xizhao haviam discutido o assunto por um bom tempo. A guerra havia revelado uma grave escassez de profissionais da medicina no exército, e era necessário repor esse número em larga escala, caso quisessem garantir o mínimo de atendimento aos soldados. Por isso, decidiram criar uma academia médica, para que mais pessoas pudessem estudar medicina. Embora houvesse muitos médicos que não estivessem dispostos a ensinar suas técnicas a outros e as exigências para aceitar discípulos fossem extremamente rígidas, ela era a Imperatriz — não seria difícil encontrar alguns dispostos a ensinar. Mas ela queria encontrar pessoas que estivessem dispostas, pois só assim poderiam formar verdadeiros médicos. Em sua visão, Yun Tailing era um dos melhores candidatos para esse papel.
— Imperatriz, deseja que este concubino ensine medicina às pessoas? Isso... É claro que este concubino está disposto, mas minha experiência é limitada. Como posso abrir mão assim do conhecimento e aceitar discípulos? Além disso, sendo um homem, os ministros da Corte Imperial jamais concordarão com isso. E, como descendente da família Yun, não sei o que minha mãe pensaria sobre o assunto... se ela permitiria que eu transmitisse esse saber...
Um homem não podia mostrar o rosto em público e, como concubino do harém, isso era ainda mais restrito. Mas a Imperatriz parecia não se importar muito com esse tipo de convenção. Caso contrário, ele não teria sido enviado para servir como médico de guerra. Mas um evento tão grandioso como fundar uma academia médica e aceitar discípulos? Mesmo que ele realmente quisesse, como poderia o tribunal imperial e os parentes da família Yun aceitarem?
— Zhen só quer saber se você está disposto ou não. O resto, eu mesma resolvo. Não precisa se preocupar com isso.
Yun Tailing refletiu seriamente sobre o assunto e, então, assentiu com cautela:
— Este concubino está disposto!
— Muito bem. Organize suas coisas. Zhen providenciará tudo para que você assuma o cargo a qualquer momento.
— Entendido. Este concubino se preparará. — Neste momento, ele se sentia um pouco nervoso, mas acima de tudo, animado. Sua vida estava mudando, e ele começava a entender isso com clareza.
Qianhe Liyou assentiu, observando a expressão brilhante no rosto de Yun Tailing. Satisfeita, ordenou:
— Prepare um chá para zhen.
— Sim. — Yun Tailing ficou um pouco surpreso, mas se apressou em levantar-se para preparar o chá. Não havia ninguém servindo diretamente a Imperatriz no momento, mas o chá na chaleira ainda estava morno. Yun Tailing hesitou por um instante, fez uma reverência e saiu da sala.
Após algum tempo, voltou com uma xícara de chá recém-preparado. O aroma do chá tinha um leve perfume medicinal, exatamente do gosto de Qianhe Liyou.
Com tranquilidade, Yun Tailing serviu o chá à Imperatriz. Ela tomou um gole e assentiu, satisfeita:
— Se não estiver fazendo nada, venha preparar o chá de vez em quando. Zhen gosta.
Sang Zixin havia sido recentemente desintoxicado e estava se recuperando. Ela pedira a Fengying que providenciasse uma nova residência para ele — um pátio pequeno e silencioso —, esperando que ele pudesse ter uma vida nova e tranquila no palácio. Por isso, ninguém a servia diretamente, exceto o cada vez mais enigmático Anhui.
A expressão calma de Yun Tailing se tornou inquieta com as palavras da Imperatriz. Ele se perguntou o que ela queria dizer com aquilo, mas independentemente do significado, só havia uma resposta possível:
— Sim, este concubino obedece.
— Isso não é uma ordem. Se tiver tempo, deveria visitar o guifei Encantador com mais frequência. — Esse era apenas um dos motivos pelos quais ela queria manter Yun Tailing no palácio. Se ele permanecesse ali, poderia cuidar do guifei Encantador.
Yun Tailing ficou ligeiramente surpreso, mas então sorriu suavemente. Ficava feliz ao ver que a Imperatriz ainda se importava. Sabia que ela não era uma pessoa fria e sem coração. Ainda se preocupava com o guifei Encantador. Se alguém lhe contasse o que a Imperatriz acabara de dizer, ele com certeza ficaria feliz. Aquele homem entregava corpo e alma à Imperatriz, mas ela realmente já não parecia mais a mesma mulher de antes. A atual Imperatriz era calma e reservada, firme e ponderada. Sua elegância estava gravada até mesmo nos gestos. Era uma monarca de verdade, e suas palavras transbordavam sabedoria. Além disso, para todos que viviam no palácio, a maior mudança estava na maneira como ela os tratava. Talvez não fosse tão bom quanto ele imaginava, mas certamente era melhor do que antes. Essa mudança fazia com que todos se sentissem melhor — ao menos, ele se sentia assim.
— Este concubino o fará.
Ao ouvir a resposta de Yun Tailing, Qianhe Liyou apenas assentiu e continuou saboreando o chá, sem dizer mais nada. Yun Tailing hesitou por um instante, sem querer se retirar. Ficou ali, parado, em silêncio. Quando a Imperatriz terminou a xícara, ele a encheu novamente. Qianhe Liyou não lhe deu atenção e continuou lendo seu livro.
Logo após o meio-dia, Long Xizhao apareceu para visitá-la. Ao ser anunciada, ficou surpresa ao ver Yun Guiren de pé ao lado. Após o susto inicial, ajoelhou-se em saudação.
— Esta ministra saúda a Imperatriz.
— Algum assunto?
— Esta ministra soube que o cavalo favorito da Imperatriz adoeceu com uma enfermidade desconhecida e faleceu. Por isso, já mandei buscar dois cavalos famosos e queria convidar a Imperatriz para vê-los. Se Vossa Majestade gostar de algum, esta ministra abrirá mão da sua vez e permitirá que a Imperatriz escolha primeiro.
— Cavalo? Dar a zhen a primeira escolha? — A expressão de Qianhe Liyou ficou um tanto estranha. Parecia surpresa, mas também ligeiramente divertida, porque ela sabia muito bem qual era a "doença" que tinha acometido seu “cavalo favorito”.
Long Xizhao não sabia disso, mas assentiu:
— Imperatriz, há algo de impróprio nisso? Ou Vossa Majestade deseja os dois cavalos? Se gostar deles, esta ministra se resignará e abrirá mão de ambos.
Enquanto dizia isso, Long Xizhao fez uma careta amarga como se tivesse comido jiló, fazendo Yun Tailing sorrir.
— Onde estão os cavalos?
Ela não gostava muito de cavalos — e os cavalos tampouco gostavam dela. Qianhe Liyou lembrou que, da última vez que saíram do palácio, montara um cavalo com Long Xizhao. O pobre animal mal conseguia ficar de pé diante da aura dela, tremia sem parar. Se não tivesse injetado uma pequena quantidade de mana na corrente sanguínea do animal, provavelmente ele teria morrido de medo. Mas assim que retornaram ao palácio, o cavalo adoeceu e morreu pouco tempo depois.
— Esta ministra ordenou que os cavalos fossem levados ao campo de caça menor. A Imperatriz pode ir vê-los a qualquer momento, se estiver livre.
— Nesse caso, vamos agora mesmo. — Ela sempre soubera que havia um campo de caça no palácio, mas nunca o visitara. E, como não havia outros assuntos a tratar, decidiu aproveitar para conhecer o lugar.
— Sim, o cavalo famoso que esta ministra encontrou desta vez certamente não decepcionará Vossa Majestade.
— Esperemos que sim.
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