Capítulo 67: O Banquete de Aniversário
Não havia segredos no palácio imperial — havia pessoas demais que sabiam de tudo. Do topo ao fundo da corte imperial, dentro e fora do palácio, havia olhos e ouvidos por toda parte, escutando notícias abertamente ou às escondidas. E não faltavam pessoas ao redor da Imperatriz e do Imperador Viúvo. Talvez até mesmo as refeições da Imperatriz fossem registradas detalhadamente todos os dias. Quem sabe que tipo de pessoa precisava desse tipo de relatório... e, além disso, havia certas coisas que ninguém conseguia acreditar!
Muitos simplesmente não acreditaram no que ouviram ao receber certas notícias. Achavam que era absurdo demais, deviam ter entendido errado, e até chegaram a repreender severamente quem lhes trouxe a informação. Mas, durante o banquete de aniversário, sob o olhar de centenas de pessoas, as ações bizarras entre a Imperatriz e o Imperador Viúvo foram vistas por todos. Os mais espertos, no entanto, compreenderam bem aquele velho ditado: “O silêncio é de ouro”.
— Fengying, anuncie o início do banquete de aniversário — disse Luo Yu, que não lutava mais, e Liyou finalmente soltou seu aperto de algemas sobre ele, ao passo que ele dava instruções a Feng Ying ao lado.
A música e as danças recomeçaram no salão. Embora o burburinho anterior tivesse desaparecido, todos respiraram aliviados. Já não precisavam conter o fôlego com medo de fazer barulho demais.
Luo Yu tremia ao se sentar, sentindo a aura fria e sombria ao seu lado, e não ousava se mover. Tinha medo de que ela fizesse algo que não deveria — e, se isso acontecesse, sua única saída seria a morte.
Quantas pessoas conseguem encarar a morte com serenidade? Para alguém comum, isso é impossível. Ao pensar nisso, Luo Yu firmou a expressão no rosto. Essa mudança não passou despercebida por Liyou — ela não sabia exatamente o que ele pensava, mas pôde perceber algo através daquele olhar.
— Não quero te ameaçar. Desde que você não faça nada que desagrade a todos, não tornarei as coisas difíceis para você. Yu, você acredita que, mesmo que morra, eu tenho meios de fazer você abrir os olhos novamente? — Ressuscitar alguém não era algo tão difícil para ela. O Rei dos Infernos não ousaria receber alguém que ela quisesse.
— Não seja arrogante demais! Você acha que pode interferir nos assuntos dos mortos?! — Luo Yu obviamente não acreditava no que Liyou dizia. Embora o tom dela o fizesse estremecer de medo, quase acreditando que era verdade, ele se recusava a aceitar que alguém pudesse ir contra os céus e controlar vida e morte.
— Não tente rejeitar o impossível. Milagres sempre acontecem. E eu não gosto da sua atitude atual. Acalme-se e não deixe o mundo secular turvar sua sabedoria — disse ela, serena. Comparada à frieza exterior e o calor interior de Luo Yu, Qianhe Liyou parecia comum naquele momento. Mas suas palavras, com um tom zen, pareciam ter um significado infinito. Ao beber uma taça de vinho claro, sua postura tornou-se ainda mais despreocupada.
A mudança em suas emoções foi instantânea. Não era que tivesse mudado de ideia — apenas não queria que suas emoções influenciassem Luo Yu. Ele já estava nervoso o suficiente, e aquela expressão inquieta a fez recuperar a razão.
Luo Yu não conseguiu rebater, especialmente ao ver a expressão tranquila de Liyou. De repente, começou a se perguntar se não estava sendo sensível demais. Mas quantas pessoas conseguiriam rir de algo assim e simplesmente deixar passar?
Ele não era livre e despreocupado como Liyou, nem tinha sua arrogância. Um dia achou que também era impiedoso e indiferente, mas agora percebia que ainda era preso aos costumes mundanos. E que chegaria o dia em que teria que fingir calma.
As expressões de Liyou e Luo Yu suavizaram, o que fez com que os ministros no salão também relaxassem. Depois que as dançarinas se dispersaram, os cortesãos se aproximaram para fazer seus discursos, e todos os tipos de presentes foram exibidos diante de todos. Desde pedras preciosas, jade, até itens das quatro artes, cada presente demonstrava o cuidado e esforço dedicados a Luo Yu.
A postura de Luo Yu voltou à sua frieza habitual — apenas acenava com a cabeça ao receber os presentes, sem parecer se importar com nenhum deles. Por mais valiosos que fossem, não lhe despertavam o menor interesse. Fora seu próprio corpo, ele não ligava para mais nada. Se pudesse, viveria uma vida comum, medíocre, mas livre.
O banquete de aniversário foi chegando ao fim e muitos convidados já estavam um pouco embriagados. No entanto, no pátio interno do palácio, por mais ingênuas que fossem as pessoas, nenhuma se permitia ficar bêbada. Continuavam sorrindo com humildade... e vazio. Até que Luo Yu não aguentou mais ficar sentado e disse:
— You’er, mande todos irem embora.
Ele realmente detestava esse tipo de evento. Se não fosse por You’er insistindo em realizar um banquete para ele, jamais teria comparecido a uma cena dessas!
— Cansado? Então vamos — disse ela. Na verdade, gostava desse tipo de ocasião, mas apenas porque queria observar as pessoas dentro e fora do palácio, aproveitando o banquete para conhecê-las melhor. Também usava a ocasião para passar alguns recados. Achava que, após o banquete, alguns não dormiriam tranquilos... e a cena entre ela e Luo Yu seria como uma farpa no coração deles. Mas, para ela, essas considerações eram irrelevantes. O que realmente pesava em sua mente era aquele grupo de homens silenciosos demais: Luo Weiqing, Yun Tailing, Feng Xue e Murong Xuanhe...
Qianhe Liyou se levantou para se retirar. Os cortesãos imediatamente se ajoelharam para se despedir. Liyou acenou com a mão de forma casual e puxou Luo Yu para longe do banquete. Em seguida, sob a liderança de Luo Weiqing, as concubinas restantes do harém também deixaram o salão.
O palácio iluminado sob o luar parecia um tanto desolado, especialmente em comparação com a festa de pouco antes. A atmosfera entre Liyou e Luo Yu era extraordinariamente silenciosa. Nenhum dos dois queria falar, mas ainda assim caminhavam lado a lado em direção ao Palácio Luoxian.
E foi justamente na ponte diante do Palácio Luoxian que Luo Yu parou de repente, virou-se levemente para Liyou e disse, num tom baixo:
— You’er, eu sou só seu. Não me apaixonarei por mais ninguém. Se você espera por isso, posso jurar aqui e agora. Mas não posso te oferecer nenhum outro tipo de afeto além do familiar. Em toda a minha vida, minha compreensão sobre sentimentos sempre foi rasa. Você já é a pessoa mais importante para mim, a única que consegue abalar minhas emoções. Não quero te deixar infeliz, mas também não quero tornar minha vida insuportável por sua causa. Se você realmente tem sentimentos por mim, espero que consiga me compreender. E que não faça nada que nos leve a um ponto sem volta. Eu sou egoísta, mas todo o meu afeto foi dado a você. Se isso ainda não for suficiente... então só posso me desculpar, pois não posso te oferecer mais nada.
Fugir era uma escolha, mas definitivamente não uma solução. Ele nunca se considerou covarde, mas agora enfrentava a maior turbulência emocional de sua vida. Sentia que precisava se manter firme em seus princípios e fazer o que desejava, em vez de fugir e viver, junto de quem amava, uma vida de angústia.
Liyou escutou cada palavra de Luo Yu. Não podia dizer que concordava com ele, mas conseguia entender o que ele queria dizer. Embora suas visões fossem bem diferentes, aquilo não era algo inaceitável para ela.
— Espero que você faça o que acabou de dizer — respondeu. Ainda havia muito tempo. Se Luo Yu conseguisse cumprir aquilo, ela não exigiria mais nada. Já tinha deixado claro: não queria o chamado “amor”, nem compreendia esse sentimento. Apenas seguia seus desejos — possuir aquilo ou aquele que desejava.
Capítulo 68: A Dor de Feng Xue
Depois de mandar Luo Yu de volta ao Palácio Luoxian, Liyou não permaneceu por muito tempo, pois percebeu que Feng Xue estava rondando por perto. Pensando que Feng Xue tinha um motivo para procurá-la, ela retornou ao seu próprio Palácio Qin, dispensou os atendentes e esperou que Feng Xue aparecesse.
— Mestra, você gosta de Luo You, não é? — Feng Xue nunca foi uma pessoa sutil, e muitos já haviam testemunhado sua franqueza antes.
Qianhe Liyou não se surpreendeu ao ouvir a pergunta de Feng Xue, mas também não sentiu necessidade de se explicar.
— O que é certo, o que é errado… o que isso tem a ver com você?
— Claro que tem a ver comigo. Eu gosto de você, e toda vez que você gosta de outra pessoa, a tristeza no coração de Feng Xue cresce um pouco mais. Porque você gosta de tantas pessoas, mas não gosta de Feng Xue. Você gosta de Luo Yu, seu pai biológico, um homem na casa dos quarenta. Consegue gostar dele mesmo com todos te olhando, mas por que não consegue gostar de mim? Feng Xue não sente inveja, só se sente injustiçado. Mesmo que essas pessoas sejam melhores que Feng Xue, será que Feng Xue é tão inferior assim? Feng Xue não quer sua piedade, mas é tão difícil assim gostar de Feng Xue?
Ele havia guardado essas palavras em seu coração por muito tempo. Dissera a si mesmo para se contentar, que era melhor do que não estar ao lado da mestra, e que a permissão dela para permanecer ali já era mais do que suficiente. Sabia que deveria aprender a ser grato, mas, ao ver mais e mais homens surgindo ao redor de sua mestra, enquanto ela nem ao menos olhava para ele, seu coração se enchia de mágoa, ansiedade, tristeza e medo — medo de que, conforme mais pessoas se aproximassem dela, sua existência acabasse esquecida.
Feng Xue era um demônio. Não se importava com quem Liyou gostava, se era seu pai ou não. O que importava para ele era: por que Liyou não gostava dele?
Qianhe Liyou se sentiu incomodada. Ela não tinha os sentimentos que Feng Xue esperava, tampouco possuía qualquer tipo de desejo — ao menos, não agora.
Ela não tinha como responder à pergunta de Feng Xue, então apenas escolheu permanecer em silêncio. E Feng Xue, sem obter resposta, naturalmente interpretou o silêncio como rejeição. Seu rosto se contorceu de dor, e seus olhos, brancos como a neve, se encheram de tristeza.
— Afinal… o que há de errado comigo? — Feng Xue ergueu o rosto, endireitou um pouco as costas e, apesar da dor evidente em seu olhar, ainda assim encarou Qianhe Liyou com teimosia, tentando arrancar uma explicação clara dela.
Liyou sentiu dor de cabeça. Será que essas distinções de certo ou errado podiam ser colocadas em palavras? Além disso, desde que Feng Xue havia retornado, ela vinha prestando atenção nele. Há algum tempo, Feng Xue fizera grandes esforços para estabelecer a escola de medicina, o que a agradara. Ela não achava que havia algo de ruim em Feng Xue, mas não sabia como rebater aquela cobrança. Liyou estava confusa. Não entendia por que o modo de pensar dessas pessoas era tão diferente do dela. Ela os deixava fazerem o que quisessem… por que insistiam em envolvê-la em questões emocionais? O que havia de tão bom nela?
Pensando nisso, Liyou teve uma breve pausa nos pensamentos. Sentiu-se um pouco ridícula e, de repente, teve uma ideia infantil: começou a se perguntar o que exatamente havia de bom nela…
— Feng Xue, não fique assim, venha aqui — disse Liyou, com um sorriso despreocupado no rosto, chamando-o com um gesto. Feng Xue ainda estava com o coração partido, mas, ao ver aquele raro gesto de gentileza da parte dela, não conseguiu resistir e se aproximou com um olhar desconfiado.
Liyou segurou a mão de Feng Xue e o puxou para sentar-se ao seu lado. Sob o olhar surpreso de Feng Xue, sua mão acariciou seus cabelos. Aqueles longos fios brancos como a neve não tinham uma única mecha de outra cor. Eram incrivelmente macios ao toque, mas ficaram um pouco bagunçados sob as carícias deliberadas de Liyou. Feng Xue ficou um pouco atônito, mostrando um traço de embaraço.
— N-não, não faça isso…
A mestra não o desprezava? Então por que estava agindo daquele jeito? Feng Xue estava confuso, mas perdeu a coragem de questionar. As ações de Liyou o deixaram ainda mais fragilizado.
— Feng Xue, você ainda é uma criança para mim. Mas, comparado ao que era antes, você cresceu um pouco. Só que ainda não é o suficiente. Não fique sempre preso a sentimentos. Você deveria se dedicar a algo mais significativo. Se não quiser ouvir meu conselho e insistir em cavar um beco sem saída, então só posso dizer: sua angústia, tristeza e sofrimento não têm nada a ver comigo.
Apesar dos gestos gentis de Liyou, suas palavras eram frias e distantes. Mas não podiam culpá-la por sua indiferença. Ela já havia sido boa demais com essas pessoas, e isso havia afetado suas emoções mais do que deveria, mudando-a profundamente.
— Eu não sou jovem. Sou mais velho do que todos eles — respondeu Feng Xue, claramente se referindo aos homens do harém. Ele tinha mais de 300 anos. Como poderia aceitar ser chamado de jovem?
— Às vezes, a idade não representa a maturidade de uma mente. Um demônio com mais de 300 anos ainda pode ser uma criança de dez — retrucou Liyou. Ela entendia o que Feng Xue queria dizer, mas demônios eram diferentes de humanos.
Feng Xue ficou um pouco contrariado, mas não conseguiu rebater. As palavras de Liyou eram verdadeiras. Ele a encarou nos olhos, tentando decifrar algo no fundo deles, mas só conseguiu ver uma calma profunda e serena…
Aos poucos, Feng Xue foi se acalmando, ao menos não estava tão impulsivo quanto ao chegar.
— Mestra, pode me dizer… que tipo de existência você é?
Claro que ele era um demônio, mas e sua mestra? Que tipo de existência era ela? Tinha muitas dúvidas, mas nenhuma certeza. A única coisa da qual estava certo era que sua mestra pertencia a um nível muito superior ao seu.
Ao ouvir a pergunta de Feng Xue, Liyou lambeu os lábios e um brilho estranho surgiu em seus olhos.
— Se quiser saber… terá que pagar o preço.
Feng Xue sorriu, um sorriso firme e decidido.
— Se é algo que você deseja, Feng Xue pode dar!
Sua vida havia sido salva por sua mestra. Não havia nada que ele não estivesse disposto a sacrificar. As palavras dela o subestimavam!
A mão esquerda de Liyou envolveu a cintura de Feng Xue, enquanto a direita deslizou por entre os longos cabelos brancos até alcançar seu pescoço. Um dourado sangrento apareceu em seus olhos profundos, e seu corpo se aproximou lentamente de Feng Xue…
— Não sei qual é o gosto do sangue de uma raposa da neve… Mas já que uma pequena raposa veio se oferecer inocentemente, se eu não aceitar… então eu seria uma tola… — Liyou sussurrou, encurtando ainda mais a distância entre eles. E assim que a última palavra saiu de seus lábios, suas presas afiadas desceram e morderam o pescoço de Feng Xue!
Feng Xue sentiu dor, mas não se mexeu nem um pouco. Ainda havia dúvida em seu olhar… Ele tinha acabado de perguntar que tipo de ser sua mestra era e, vendo o comportamento dela, podia imaginar várias coisas, mas ainda não tinha certeza.
— Eu… ainda não entendi direito… — murmurou ele, sentindo o sangue escapar de seu pescoço, como se temesse interromper Liyou.
O aroma do sangue da raposa da neve tinha uma fragrância fria, semelhante a uma flor de lótus de gelo — era realmente de altíssima qualidade. Liyou estava ocupada demais saboreando o sangue para prestar atenção às perguntas de Feng Xue. Naquele momento, ela havia perdido um pouco do controle, e a fragrância do sangue a havia influenciado demais.
Capítulo 69: Revelando a Verdade
Feng Xue era um demônio, naturalmente seu corpo era mais robusto que o das pessoas comuns. Mas o sangue, para um demônio, era equivalente à existência do mana, então quando Liyou se saciou e o soltou, Feng Xue não conseguiu controlar o corpo trêmulo e caiu sobre o corpo dela. Liyou o segurou com um braço, e com um pouco de mana, transferiu Feng Xue para a Cama do Dragão, sentando-se ao lado, olhando para ele com expressão satisfeita.
Ela deveria ter provado aquele aroma delicioso há muito tempo. Era uma pena ter esperado tanto.
— Pequeno raposo, você já ouviu falar de zumbis? — Ela podia sentir a existência de zumbis neste mundo, mas nem mesmo o mais poderoso deles havia despertado seu interesse. Por isso, usou um tom afirmativo, não interrogativo, ao perguntar para Feng Xue. Ela achava que ele deveria saber da existência deles.
— Você é? Mas... isso, a aparência não combina muito... — É claro que Feng Xue sabia sobre zumbis. Já havia até encontrado alguns antes, mas a diferença entre os zumbis de sua memória e a pessoa à sua frente era tão grande que ele mal conseguia acreditar.
— He he, e você não parece uma raposa, ah. — Liyou estava de bom humor depois de se saciar e até teve vontade de brincar.
Feng Xue ignorou a provocação e, de repente, lembrou-se de algo. Levou a mão ao pescoço e, embora as marcas de mordida já tivessem desaparecido, ainda conseguia sentir os dois furos profundos com os dedos...
— Então você é mesmo... — Agora que os fatos estavam diante dele, Feng Xue não tinha como negar. Mas... sua mestra era uma zumbi... uma zumbi...
— Está com medo? — Ao perceber a hesitação de Feng Xue, Liyou perguntou de forma brincalhona. Pelo comportamento dele, não dava para saber exatamente o que estava pensando.
— Eu não tenho medo! — Feng Xue respondeu sem nem pensar. Como poderia ter medo dela? Já era tarde demais desde que passou a gostar dela... mas também tinha suas dúvidas. Se sua mestra era uma zumbi, por que estava agindo como imperatriz?
— Em que está pensando? — Pelo olhar de Feng Xue, era evidente que ele ainda tinha dúvidas. Ela não queria que ele ficasse fazendo suposições soltas, então perguntou diretamente... Ao mesmo tempo, Liyou sentia a aura pesada de Anhui escondida ali perto. Anhui estivera ali o tempo todo, e originalmente Feng Xue deveria ter percebido sua presença, mas assim que ele apareceu, ela usou mana para ocultá-lo. Quanto à sua verdadeira identidade, ela não fazia questão de esconder de Anhui.
Ela era Qianhe Liyou, e Qianhe Liyou era ela. A partida e o retorno de uma alma representavam a completude de si mesma — as duas almas não competiam nem substituíam uma à outra. Eram uma só pessoa.
— Só estava pensando... por que você se tornou imperatriz...? — Feng Xue respondeu com sinceridade. Ele imaginava que a mana da Mestra devia ser imensamente profunda, com ao menos milhares de anos de cultivo. Para alguém assim, o trono imperial do mundo secular não deveria ser nada atraente.
— Isso pode ser considerado como um arranjo do destino, o ciclo do karma. Não é necessariamente ruim experimentar algo assim neste mundo. — Ela nunca teve um gosto especial pelo mundo mundano. Sempre foi indiferente, vivendo reclusa e distante. Mas já que essa alma era a imperatriz do país, aproveitou a situação para experimentar o que era estar nesse papel.
— Mesmo que seja uma experiência... se um dia você se cansar, essas pessoas... — Feng Xue pensou, de repente, em uma possibilidade muito real e perguntou, surpreso.
— Pequeno raposo, nem mesmo os deuses podem prever o futuro. Não há necessidade de temer o que ainda não aconteceu. — Ela não queria fazer promessas. Ninguém consegue cumprir perfeitamente tudo o que diz, e muitas vezes somos impotentes diante de certas coisas.
Claro, Feng Xue não ficou satisfeito com essa resposta, mas não sabia como continuar insistindo. Não achava que suas preocupações fossem infundadas, mas seus sentimentos gerados pelo medo da perda estavam ficando intensos demais. Isso o fazia sentir que aquilo tudo era ainda mais possível.
Liyou acariciou os cabelos de Feng Xue, puxou o cobertor para cobri-lo.
— Descanse um pouco, eu vou dar uma volta.
Feng Xue queria dizer algo, mas Liyou não lhe deu a chance. Levantou-se e saiu. Sabia que Anhui devia ter algo a lhe dizer, então decidiu lhe dar essa oportunidade.
Liyou caminhou até uma árvore no centro do pátio e ficou em silêncio, olhando na direção onde Anhui estava escondido. Anhui apareceu e se ajoelhou no chão sem dizer uma palavra. Seu coração estava inquieto — surpreso, confuso, preocupado. Não sabia como começar.
— Não quer dizer nada? Você é quem está comigo há mais tempo. Fale o que quiser dizer. — Na cobertura da noite, a voz de Liyou parecia sombria e melancólica.
Desde que chegou ali, ela se acostumou à nova identidade e soube exatamente como uma imperatriz deveria agir e falar. Parecia que não precisou nem forçar isso, e que chamar a si mesma de “Zhen” na frente dos outros era natural. Ela conseguia atuar como uma imperatriz diante de todos, uma pessoa comum...
Mas ela não sabia desde quando, nos últimos meses, havia passado a evitar esse modo de se referir a si mesma diante de certas pessoas.
Apesar de estar inquieto, Anhui não deixou de perceber a palavra “eu” usada pela imperatriz. Por um instante, pensou em lembrá-la de manter o pronome formal, mas logo se repreendeu internamente por se preocupar com algo tão pequeno...
— Este subordinado... não tem nada a perguntar. — Depois de refletir, Anhui decidiu que não deveria perguntar nada. Ele tinha ouvido claramente a conversa entre o Imperador e o Jovem Mestre Feng Xue. Como a Imperatriz já sabia de sua presença e mesmo assim não escondeu nada, estava tudo bem. Sem falar na confiança envolvida: só o fato de estar incluído e ter ouvido tudo aquilo já era suficiente. E, além disso, ele se sentia feliz. Por mais chocante que fosse o segredo da imperatriz, agora ele o conhecia. Mesmo que ela não parecesse se importar muito com isso...
— Nada? Se você deixar passar esta chance, não haverá outra. Anhui, pense bem. — Liyou ficou um pouco surpresa. Achava que ele diria algo...
— Anhui já pensou bem. As coisas que você estiver disposta a dizer, você vai contar a Anhui naturalmente. Mas o que você não quiser revelar, de que adianta eu perguntar? Como você mesma disse, ninguém pode prever o futuro. O que você é, o que está fazendo... isso não é algo que Anhui possa mudar. Se Anhui perguntar, no máximo saberá um pouco mais, mas, para Anhui, isso não é o mais importante. — Quanto ao que realmente importava para ele, Anhui não disse em voz alta, mas sabia bem: a única existência que realmente era importante para ele... era a pessoa à sua frente.
Liyou sorriu com os olhos. Pensou consigo mesma que realmente tinha bom olho para escolher as pessoas. Esse Anhui a surpreendia cada vez mais. Ele era como um tesouro enterrado no fundo da terra — quanto mais se cava, mais riqueza se encontra.
Liyou deu um passo à frente e ajudou Anhui a se levantar, segurando suas mãos. As mãos dele eram mais ásperas do que as de Luo Yu e dos outros, mas essa sensação pesada a agradava. Aquelas eram mãos que lhe transmitiam segurança.
— Anhui, se houver uma chance de fazer com que você seja completamente meu... você aceitaria?
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