Extra 3: Vida Passada


 A Concubina Imperial Tang, que um dia esteve no auge de seu esplendor, morreu no Palácio Frio.

No inverno do primeiro ano da era Tianshou.

O inverno em Jinling era úmido e gélido, especialmente no décimo segundo mês lunar, tornando-se difícil de suportar. No fim, Tang Shishi sequer chegou a ver os fogos de artifício do Ano Novo. No trigésimo dia do décimo segundo mês do primeiro ano de Tianshou, Tang Shishi faleceu no Palácio Chonghua.

Quando esteve no auge de sua vida, Tang Shishi fora vibrante e altiva, mas, ao morrer, sua residência já se encontrava completamente deserta, sem ninguém por perto.

Ela jazia sob as cortinas esfumaçadas da cama, olhando na direção do norte. Ao sair pelos portões da cidade de Jinling e subir o canal, se chegava direto à sua cidade natal, Linqing. Quando partiu, levou consigo muitas mágoas não resolvidas, indignações... chegou até a fazer um voto silencioso em seu coração: Se eu não conseguir me destacar, jamais voltarei para Linqing.

Inesperadamente, suas palavras se tornaram uma profecia trágica. Até o fim de sua vida, nunca mais viu sua terra natal, nem reencontrou sua mãe.

As lágrimas escorreram lentamente pelos olhos de Tang Shishi. Mesmo naquele momento, ela ainda era surpreendentemente bela. Ela se arrependia? Tang Shishi não sabia. Só sabia que estava inconformada.

Inconformada por ter entrado no palácio sem motivo, inconformada por ter sido afastada sem explicação, inconformada por ter se tornado concubina de Zhao Zixun sem escolha... e ainda mais inconformada por ter caído em desgraça sem razão.

Se houvesse uma próxima vida...

Tang Shishi não havia decidido o que faria, caso houvesse uma próxima vida. Sua última gota de força se esgotou. O pulso caiu pesadamente na borda da cama, e as pérolas luminosas em seu bracelete se romperam de repente, rolando e quicando pelo chão uma a uma.

Ao ouvir o barulho, um jovem eunuco entrou para verificar. Viu as pérolas brilhando no chão e foi tomado pela ganância. Agachou-se imediatamente para recolhê-las, tentando escondê-las discretamente. Tinha acabado de apanhar duas quando levou uma pancada forte na nuca. Virou-se irritado e viu Qian Gonggong, o homem mais influente ao lado do Imperador, parado atrás da porta, encarando-o friamente.

— Essas coisas podem te custar a vida. Acha mesmo que pode pegá-las?

O jovem eunuco se apavorou e se desculpou apressadamente. Deixou os objetos no chão com expressão abatida e saiu correndo. Só depois de se certificar de que o garoto havia ido embora é que Qian Gonggong recolheu calmamente as pérolas espalhadas. Levantou o olhar para a mulher sem vida na cama — ainda incrivelmente bela — e suspirou devagar:

— Niangniang, Concubina Tang, eu só estou cumprindo ordens imperiais. Se for culpar alguém, culpe o Mestre. Quem mandou ser bonita demais, atrair atenções que não devia e aceitar coisas que não devia aceitar? Agora... trouxe sua própria ruína.

Tang Shishi não sabia se todas as pessoas se sentiam assim depois da morte. Ela apenas sentia que estava excepcionalmente leve. De repente, se desprendeu do corpo e flutuou pelo salão vazio do Palácio Chonghua. Virou-se e ficou encarando a mulher na cama.

Ela sabia quem era.

Ela havia morrido.

Quando o jovem eunuco entrou para pegar as coisas, Tang Shishi não se virou. Quando Qian Gonggong entrou para repreendê-lo, ela também não reagiu. Só quando ele disse "ordens imperiais" foi que seus olhos finalmente se moveram, e ela virou o rosto para encará-lo.

Qian Gonggong era um eunuco velho, de aparência comum. Diziam que fora promovido a Grão-Eunuco Imperial por Zhao Zixun depois de prestar um serviço extraordinário. Tang Shishi não sabia qual era esse “serviço extraordinário” que ele prestara, mas era evidente que ele tinha algo a ver com sua morte.

Tang Shishi já estava morta. O dinheiro, a glória, a fama e os benefícios aos quais tanto se apegara em vida se tornaram vazios. No entanto, ela passou a se importar especialmente com a causa da própria morte. Se perdeu, perdeu por não ter habilidade suficiente. Tang Shishi aceitava a derrota. Mas não conseguia aceitar o fato de ter sido descartada de forma tão repentina.

Zhao Zixun fora obcecado por ela na mansão do príncipe, e mesmo no Palácio Oriental, até Zhou Shunhua tivera que recuar. Mesmo que ela perdesse o encanto aos olhos dele, isso deveria ter acontecido aos poucos, não de forma brusca. Como podia ter sido jogada do céu direto ao inferno, banida para o Palácio Frio?

Tang Shishi continuava inconformada. Sabia que não era inteligente nem perspicaz, apenas bonita. A perda súbita de favor era como um insulto à sua beleza — por isso, queria ainda mais descobrir a verdade.

Qian Gonggong recolheu uma a uma as pérolas espalhadas no chão, virou-se e saiu às pressas. Tang Shishi flutuou sem pressa e o seguiu até o Palácio Qianqing.

No fundo de sua alma, ela murmurou um “Ah…”

No Palácio Qianqing, Qian Gonggong baixou a cabeça e relatou com voz metódica:

— Vossa Majestade, a Concubina Tang faleceu.

Era evidente que ele havia dado a ordem, mas ao ouvir essa frase de fato, Zhao Zixun ficou atônito por um momento antes de conseguir aceitar a realidade.

Ela havia morrido.

Zhao Zixun não sentiu alívio, apenas um vazio imenso. Reprimiu o desconforto no fundo do coração e perguntou:

— E o objeto?

Qian Gonggong abaixou os olhos, retirou de dentro das mangas um saquinho de pérolas e o colocou sobre a mesa de Zhao Zixun. Ele permaneceu em silêncio por um longo tempo, até perguntar:

— E aquela pessoa? Já encontraram?

— Ainda não. — respondeu Qian Gonggong, sem levantar o olhar, como se falasse com madeira morta. — Segundo o espião infiltrado, aquela pessoa encontrou um monge depois de ser atingida por uma flecha. Ninguém sabe o que conversaram dentro da tenda, e depois o monge desapareceu. Enviei homens para procurá-lo por três meses. Anteontem, conseguimos uma pista numa aldeia nas montanhas. Disseram que o velho monge passou por lá e perguntou como chegar a Linqing. Infelizmente, quando nossos homens voltaram pra procurar, ele já havia desaparecido.

Tang Shishi ainda não compreendia completamente aquela conversa. Zhao Zixun e Qian Gonggong pareciam muito cautelosos ao mencionar “aquela pessoa”, que fora atingida por uma flecha três meses atrás... Juntando os indícios, a pessoa de quem falavam só podia ser o Príncipe Jing.

O Príncipe Jing era o antigo Imperador Zhao Chengjun — o homem que conquistara o mundo. Infelizmente, três meses atrás, Zhao Chengjun fora atingido por uma flecha escondida no caminho de volta da batalha e morrera envenenado.

Inesperadamente, ela o ouviu sendo mencionado por Zhao Zixun. E, pelo tom da conversa, estavam atrás de alguém que foi a última pessoa a ver Zhao Chengjun — e que levara algo consigo para Linqing.

Tang Shishi achou aquilo estranho. Linqing era sua cidade natal. Seria coincidência o velho monge querer ir justamente para lá?

Zhao Zixun parecia ainda mais preocupado agora que tinham reencontrado uma pista. Franziu os lábios e perguntou:

— Que coisa aquele monge levou com ele? E o que exatamente o Príncipe Jing disse a ele?

Qian Gonggong balançou a cabeça:

— Não sei. A tenda principal do Príncipe Jing estava fortemente vigiada. Nossos espiões se arriscaram para se aproximar, mas só ouviram palavras como “livro” e “próxima vida”. Além disso, a situação era urgente na época, então o espião não pode garantir que ouviu corretamente.

Zhao Zixun soltou um suspiro profundo. Zhao Chengjun estava morto, mas ainda causava problemas. Os oficiais estavam em desacordo com ele, e os antigos subordinados do Príncipe Jing exigiam, dia após dia, uma nova investigação sobre a morte do ex-Imperador. Alguns até buscavam provas em segredo. Embora esses fossem problemas espinhosos, não eram os que mais preocupavam Zhao Zixun. O que realmente o tirava o sono eram as palavras finais de Zhao Chengjun — aquelas que ele ainda não havia revelado ao mundo.

Por que ele se encontrou com aquele monge? E por que mencionou um “livro” na conversa? Que tipo de livro seria esse?

Zhao Zixun jamais pensou que se tratava de um simples livro comum — estava certo de que deveria ser algo como um edito imperial ou uma carta secreta. No entanto, ele não conseguia encontrar tal coisa.

Ao perceber que a expressão de Zhao Zixun estava péssima, Qian Gonggong recuou silenciosamente para fora da sombra da cortina até o chão, como uma sombra discreta.

Zhao Zixun refletiu por um bom tempo, mas em vão. Então virou a cabeça e viu o que havia sobre a mesa. Ele olhou fixamente para o saquinho de objetos, e Tang Shishi o fitava com a mesma intensidade. Depois de um longo silêncio, Zhao Zixun abriu o lenço e retirou de dentro dele uma pérola.

As pérolas luminosas brilhavam com intensidade, repletas de esplendor. Era fácil imaginar o quanto deviam ser lindas em seu pulso.

Zhao Zixun murmurou baixinho, sem saber se falava consigo mesmo ou com outra pessoa, e disse lentamente:

— Mesmo morta, ainda usa o que ele te deu.

Os olhos de Tang Shishi se arregalaram, revelando uma expressão de incredulidade. Subitamente, Zhao Zixun lançou a pérola de volta no lenço com violência. Por ter usado força demais, a pérola quicou na mesa e caiu no chão. Saltou três vezes, atravessou o corpo de Tang Shishi e rolou até parar embaixo do armário.

O humor de Zhao Zixun pareceu piorar drasticamente. Ele se levantou, olhou para o céu cinzento lá fora e murmurou:

— Tang Shishi, não me culpe. Se for culpar alguém, culpe ele. Foi ele quem te deve essa vida.

Do lado de fora, ouviu-se a saudação de uma criada do palácio — parecia que a Shufei* havia chegado. Ao ouvir aquele nome familiar, Tang Shishi se animou e já se preparava para um acerto de contas com sua antiga rival. Não conseguiu vencê-la em vida, mas ao menos queria assustá-la de morte agora que era um fantasma.

(*Shufei — título de concubina imperial, o mais alto entre as três esposas do Imperador.)

No entanto, Zhao Zixun não lhe deu essa oportunidade. Acenou com a mão e disse:

— Estou ocupado com os assuntos da corte. Não tenho tempo para recebê-la. Diga que volte outro dia.

O eunuco repassou a mensagem a Zhou Shunhua — naturalmente, suavizando bastante as palavras. Zhou Shunhua respondeu com certo pesar e, em seguida, sorriu suavemente:

— Já que Sua Majestade está ocupado, não convém que eu o atrapalhe. Retiro-me agora.

Tang Shishi não quis ficar ali para ver aquele rato sem coração, Zhao Zixun. Em vez disso, ficou curiosa sobre Zhou Shunhua e resolveu segui-la por um tempo. Mais tarde, quando não havia mais ninguém por perto, Zhou Shunhua baixou a voz e perguntou à criada ao seu lado:

— É verdade que Tang Shishi morreu?

— A pequena Linzi viu com os próprios olhos, então é claro que é verdade.

Tang Shishi ficou surpresa ao ver Zhou Shunhua puxar os cantos da boca com desprezo. Só então compreendeu que até aquela mulher sempre tão gentil e indiferente podia exibir feições tão feias como inveja, rancor e amargura.

— Que bom que morreu. Já devia ter morrido há muito tempo. Tang Shishi, ah, Tang Shishi... Por que você não descansa em paz agora que já está morta? Ainda faz Sua Majestade perder a paciência por sua causa.

Tang Shishi ficou indignada ao ouvir isso. Nunca ouvira falar de fantasmas que batiam na porta no meio da noite? Como ela ousava falar mal dela, desprezar seu fantasma na sua frente?

Tang Shishi decidiu: Vou assustar essa mulher! Queria pular em cima de Zhou Shunhua, agarrá-la pelo pescoço e dar-lhe um susto de morte. No entanto, exagerou na força e acabou atravessando o corpo de Zhou Shunhua direto — e caiu no poço próximo.

Tang Shishi gritou um sonoro “ah”. Mesmo sendo fantasma, ainda era um fantasma vaidoso. E se eu machucar meu rosto lindo caindo nesse poço?! Enquanto resmungava e cuspia uma lama que nem existia, Tang Shishi flutuou rapidamente de volta à superfície. Sentia que havia se movido rápido, mas, ao emergir, não viu mais sinal de Zhou Shunhua.

Será que ela sentiu que um fantasma queria estrangulá-la? Só pode ser isso pra ter fugido tão depressa. Mas pouco importava. Se a montanha não vem até mim, eu vou até a montanha. Tang Shishi sabia muito bem onde Zhou Shunhua morava. Não podia simplesmente ir até lá?

E foi exatamente o que fez — sem demora, flutuou direto para o Palácio Zhongcui. O estranho era que o palácio parecia bastante diferente. As flores e árvores ao redor estavam mudadas, até a arquitetura parecia distinta. Ao chegar, descobriu que Zhou Shunhua não estava ali. Em seu lugar, uma mulher de beleza impressionante ocupava o palácio, dando ordens às criadas com muita autoridade.

Tang Shishi vagou por bastante tempo pelo Palácio Zhongcui, aproveitando-se do fato de que ninguém podia vê-la. Por fim, teve que admitir, a contragosto, que aquele lugar era diferente do harém em que ela havia vivido. Tudo indicava que aquele momento acontecia antes do primeiro ano de Tianshou. Não havia flores de hibisco no palácio, e as árvores do lado de fora eram um pouco mais baixas do que em sua memória.

A única semelhança era que pareciam estar comemorando o Ano Novo ali também.

Tang Shishi subitamente se sentiu desanimada. Já estou morta, e ainda assim nem me deixam me vingar? Isso é demais.

Estava entediada, completamente sem rumo e sem saber para onde ir. Nesse momento, a mulher esplêndida chamou uma serva e disse:

— Leve isto ao Palácio Chonghua. Sei que ele não gosta de agitação, mas é Ano Novo — ele precisa participar. Que tipo de criança ele vai se tornar se ficar sozinho nesse palácio?

O eunuco respondeu, bajulador:

— Obedeço às ordens. O Quarto Príncipe é inteligente e respeitoso. Certamente compreenderá as boas intenções da Niangniang Guifei.*

(*Guifei — título mais elevado entre as concubinas imperiais.)

Então ela era a Guifei. Tang Shishi observou melhor aquela mulher e, desta vez, teve certeza: aquele não era o mesmo tempo em que ela vivera.

Afinal, se uma mulher tão bonita assim vivesse no meu harém, eu com certeza saberia.

A mulher chamada Guifei suspirou e disse:

— Vá logo.

O eunuco segurava a bandeja com as duas mãos e seguiu em direção ao Palácio Chonghua. Tang Shishi, sem ter o que fazer, decidiu aproveitar para dar uma última olhada no palácio onde vivera. Passara do Palácio Chonghua para o Palácio Frio, e nunca imaginou que o novo dono do Chonghua também cairia em desgraça.

Porém, chamavam-no de Quarto Príncipe, o que soava como um homem. Tang Shishi se sentiu ofendida. Como assim o meu palácio foi ocupado por um fedorento qualquer?

O eunuco se ajoelhou com a bandeja e anunciou, bajulando:

— Quarto Príncipe, a Guifei Niangniang enviou algo para o festival.

O jovem que recebia a reverência virou uma página do livro e nem sequer ergueu a cabeça:

— Entendi. Pode deixar aí.

O eunuco pôs os itens no chão e hesitou, relutando em ir embora. O jovem, enfim, perdeu a paciência e levantou o rosto lentamente:

— Ainda tem mais alguma coisa?

Ele ergueu o rosto. Desta vez, Tang Shishi o viu com clareza — e jamais confundiria.

Não era ele… exatamente o Príncipe Jing, Zhao Chengjun?


Postar um comentário

0 Comentários