Capítulo 2: Incredulidade


 — …Essa é a minha tarefa? — Su Yu já começava a se arrepender da decisão que tomou. Que sistema elegante o quê… Aquilo era claramente um sistema com o mesmo QI do protagonista: inexistente. Caso contrário, como poderia propor uma tarefa tão absurda, que não exigia inteligência nenhuma?

E mesmo que ele seguisse as instruções, acabaria virando um maníaco por saudações. O mundo estava realmente de cabeça para baixo.

A esfera flutuou para cima e para baixo, simulando um aceno afirmativo:

— A tarefa é bem simples, não é? Com o seu QI, isso não deve ser problema nenhum!

— Sim… é muito simples. — Tão simples que até um idiota com três neurônios daria conta. “Apenas humanos que atendem aos requisitos”, uma ova.

Percebendo o humor de Su Yu, a esfera tratou logo de se explicar, tentando salvar a situação:

— Hospedeiro, por favor, não fique bravo. Isso é, na verdade, um dos benefícios do sistema! Uma das grandes vantagens é que a dificuldade das tarefas é baixa, mas as recompensas são exponencialmente generosas. Veja só!

O Su Yu atual estava completamente diferente de seu eu original. Apesar de ainda não ter completado 20 anos e de seu corpo transparecer uma vitalidade ensolarada, seus olhos de pêssego ainda carregavam o mesmo frio cortante. A esfera chegou a tremer novamente quando ficou sob aquele olhar gélido.

Su Yu abaixou a cabeça e passou os olhos pela coluna de recompensas da missão:

  1. Para cada 1% de QI recuperado do protagonista, o hospedeiro receberá 10 pontos de QI.

  2. Caso a tarefa de salvar o mundo seja concluída, será concedida uma recompensa única de 1000 pontos de QI e um Fragmento de Mundo.

Ele entendeu a questão dos pontos de QI, mas o que diabos era aquele “Fragmento de Mundo”?

— O que é isso? — Su Yu apontou para os caracteres na tela.

A esfera voltou para o lado dele e lançou um olhar na direção do que ele apontava:

— Os Fragmentos de Mundo representam que o hospedeiro completou a tarefa designada para aquele mundo. Você pode pensar neles como uma espécie de medalha.

— Ou seja, inútil. — Su Yu jamais deu muita atenção a prêmios por mérito, apesar de sua casa ter uma sala inteira dedicada a troféus e certificados.

Mais abaixo, havia uma lista de pontos a serem observados para que a missão fosse bem-sucedida:

  1. O protagonista tem uma capacidade cerebral muito limitada, portanto, apenas 1% de QI pode ser restaurado por dia.

  2. Se o personagem que o hospedeiro assumir tiver maior relevância na trama, comportamentos fora do personagem (OOC) devem ser evitados.

  3. Os pontos de QI adquiridos podem ser usados na Loja de QI. Esses pontos permitem melhorar o físico, curar ferimentos ou até salvar vidas. É altamente recomendável que o hospedeiro mantenha alguns pontos de reserva para emergências.

  4. Os Fragmentos de Mundo não podem ser consumidos, descartados ou doados. O hospedeiro deve protegê-los.

Após compreender os itens listados, Su Yu ergueu-se mentalmente mais uma vez.

— Embora este seja um mundo à beira do colapso, como pode esse personagem não ter nenhuma memória?

— Ah! Quase me esqueci disso! Já vou liberar agora! — Normalmente, o sistema era bastante diligente com essas coisas, mas por algum motivo, dessa vez, precisou que o hospedeiro o lembrasse. A esfera azul começou a mudar de cor até se tornar rosa.

As memórias do corpo haviam sido apenas suprimidas temporariamente pela esfera. Uma vez liberadas, se fundiram às memórias originais de Su Yu.

O nome do personagem era Zhou Zheng. Ele era um primo mais novo e distante de Chu Cheng Yan. Cresceu em uma cidade pequena e estava prestes a terminar o terceiro ano do ensino médio. Daqui a uma semana, faria o vestibular nacional.

De acordo com as memórias de Zhou Zheng, ele e Chu Cheng Yan podiam ser considerados parentes distantes na melhor das hipóteses, e jamais haviam se encontrado.

Na história original, Zhou Zheng foi morar com Chu Cheng Yan após passar no vestibular e ser aceito em uma universidade na cidade grande. Inicialmente, teve dificuldades para encontrar um lugar para morar e, ao retornar para casa nas férias de verão depois do segundo semestre, perdeu o alojamento. Somente depois de muita confusão a família conseguiu contato com esse parente distante com quem Zhou Zheng poderia se hospedar.

Ou seja, se tudo seguisse o roteiro original, Zhou Zheng só conheceria Chu Cheng Yan dali a mais de um ano.

No entanto, agora que Su Yu havia assumido o personagem, não precisava mais seguir o enredo. Afinal, ele era um figurante sem importância e podia agir fora do personagem sem maiores consequências.

— Hospedeiro, o que pretende fazer agora? — perguntou a esfera, girando ao redor de Su Yu.

Su Yu virou-se lentamente para encarar a esfera flutuante. Seu rosto se abriu em um sorriso jovem e cheio de energia.

— Apesar de não haver risco de sair do personagem com esse corpo, para te deixar mais tranquilo, acho que vou começar a praticar desde já. Gostou dessa atuação?

Ao ver o rosto de Su Yu ir do frio polar ao calor ensolarado em segundos, o corpo esférico do sistema começou a se sentir… estranho. O hospedeiro estava atuando tão bem… isso devia ser bom… mas por que sentia tanto medo?!

— H-Hospedeiro, e-eu só te dei esse papel porque me preocupo com você, viu?! — Por favor, não me assuste!

Su Yu deitou-se na cama com as pernas compridas cruzadas, parecendo extremamente preguiçoso.

— Eu só estou fazendo o que você queria. Se continuar agindo assim, vai acabar magoando meus sentimentos, sabia?

A esfera queria acreditar nesse novo hospedeiro carismático, mas o medo em seu pequeno núcleo só aumentava.

— Hospedeiro, você precisa ser assim?

— Preciso. — Su Yu levantou a mão e deu um tapa de leve na esfera. Puxou o edredom para se cobrir e fechou os olhos. — Não me incomoda. Vou descansar. Semana que vem é o vestibular. Se eu falhar, isso vai atrasar o progresso da missão.

Com essas palavras, Su Yu fez a esfera tremer mais uma vez. Esse monstro que se formou com mestrado aos 13 anos… estava preocupado com o vestibular?! A esfera sentiu como se tivesse levado um milhão de pontos de dano.


Uma semana depois, na noite em que as provas terminaram, Su Yu apresentou seus planos à mesa de jantar:

— Mãe, ouvi dizer que tenho um primo distante morando na cidade. Posso ficar com ele? Não conheço ninguém por lá e estou meio preocupado… pensei em me mudar uns meses antes pra me familiarizar com o ambiente.

A mãe de Zhou colocou mais arroz na tigela do filho, surpresa:

— Como você soube que o primo da família Chu mora na cidade? Vocês nunca se encontraram, não é?

— Ah, ouvi você conversando com a tia uma vez — Su Yu respondeu, com uma expressão totalmente sincera. — Mãe, você pode falar com o meu primo? Por favor, eu quero muito conhecer a cidade!

O filho querido de Zhou mãe acabara de passar no vestibular. É claro que ela o escutaria. Pensando por um momento, ela respondeu:

— Termina de comer primeiro; depois eu falo com a sua tia.

Su Yu sorriu, satisfeito. Usou os hashis para colocar alguns pedaços de ovo mexido no prato da mãe.

— Eu sabia que minha mãe era a melhor de todas.

A esfera de luz flutuava ao lado de Su Yu o tempo todo, invisível aos olhos dos outros. Ela tremeu mais uma vez. Essa expressão… por favor, faça parar!


No dia seguinte, Su Yu arrumou as malas com eficiência e pegou um táxi até a estação, sem sequer avisar a mãe. Antes que ela conseguisse alguém para ligar para o filho e contar que o primo havia concordado, ele já estava fora de casa há tempos.

— Esse menino… vive correndo pra tudo quanto é lado. Se sua tia não tivesse concordado, ia voltar chorando? — Zhou mãe estava dividida entre frustração e preocupação. — E você é muito imprudente! Seu pai estava esperando pra te levar, e você diz que já estava na estrada…

Su Yu não deixou a mãe terminar. Com um sorriso genuíno, respondeu:

— Mãe, você é incrível. Como a tia não ia aceitar? E eu já tenho 17 anos, né? Não sou mais criança. Quando é que você vai parar de se preocupar? Alô? Alô? Tá ruim o sinal no carro, vou desligar!

E desligou mesmo, sem cerimônia.

A esfera, observando ao lado, ficou uma vez mais sem palavras diante do hospedeiro.


Chegando na Cidade A, Su Yu descobriu que Chu Cheng Yan havia mandado um assistente buscá-lo. Apesar de perder a chance de cumprimentar o protagonista pessoalmente, ele não se incomodou muito. Sabia que haveria outras oportunidades.

O assistente o levou diretamente até a mansão de Chu Cheng Yan. Antes de o homem ir embora, Su Yu sorriu e perguntou:

— Quando o meu primo vai voltar?

—O presidente costuma estar bastante ocupado, então provavelmente só voltará depois do jantar. Pode comer sozinho mesmo. —O assistente de Chu Cheng Yan demonstrava uma atitude morna em relação a Su Yu. "Primo distante"? Mal dava pra saber de que geração ele era. O melhor com esse tipo de gente era ser direto e objetivo, antes que tentassem tirar vantagem.

Su Yu apenas sorriu e assentiu em silêncio. Observou o assistente ir embora de carro e então se virou e entrou na mansão. Examinando o ambiente onde Chu Cheng Yan vivia, Su Yu começou a pensar seriamente em maneiras de se aproximar dele.

"Dizer um simples ‘olá’ não é difícil", pensou. "Mas só conseguir um aumento de 1% no QI por dia significa que vai levar mais de três meses mesmo que eu consiga cumprimentar o protagonista todos os dias sem falhar." Para isso, ele precisava estabelecer uma relação amigável e prática com Chu Cheng Yan.

—Esfera, me ajuda a encontrar umas receitas caseiras —disse Su Yu, jogando-se no sofá. Ele havia decidido conquistar Chu Cheng Yan pelo estômago.

A esfera respondeu, confusa:

—Hospedeiro, se for agir como Zhou Zheng, deveria saber que ele nunca faria algo assim. Ele é mais do tipo que passa os dias vagando pela cidade, não gosta de cozinhar.

—Você quer que eu continue agindo como Zhou Zheng? —Su Yu bocejou, lançando um olhar de canto de olho para a esfera com seus olhos úmidos de flor de pêssego.

O motivo de Su Yu ter interpretado Zhou Zheng à risca durante uma semana era justamente para se familiarizar com o personagem e evitar causar estranhamento na família e nos amigos do original. Mas, acima de tudo, era para dar um susto na esfera idiota, para que da próxima vez ela pensasse duas vezes antes de sair por aí tomando decisões em seu lugar.

A esfera sentiu como se tivesse visto um fantasma. Demorou alguns segundos para perceber que o hospedeiro tinha atuado o tempo inteiro! E mesmo agora, tendo caído na real, ela não tinha coragem de demonstrar raiva. Depois de assistir à atuação de Su Yu, havia sido profundamente marcada. Ela realmente não queria ver o hospedeiro ficar bravo e voltar a ser "aquilo" de antes.

—N-não, é claro que não. O hospedeiro deve agir como achar melhor. —A esfera estava cheia de queixas, mas não ousava dizê-las em voz alta.

Su Yu estendeu a mão:

—Receitas caseiras.

—Vou te ajudar a encontrar as melhores —respondeu a esfera, piscando algumas vezes antes de materializar três livros sobre a mesa.— Esses são três dos livros de receitas caseiras mais populares deste mundo. Você pode escolher entre eles.

No momento em que Su Yu puxou um dos livros da pilha, ouviu o som suave da campainha tocando na entrada. Logo em seguida, a pesada porta de madeira se abriu, revelando a figura alta e imponente de um homem.


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