76 – Presenciando o Rito
Jiuzhu acordou antes do amanhecer, despertada pela fome. Ao olhar para o Príncipe Chen, que ainda dormia, ela saiu da cama em silêncio.
— Onde você vai? — O Príncipe Chen abriu os olhos e segurou a mão dela. — Ainda está escuro.
— Tô com fome. — Jiuzhu esfregou a barriga, corando ao se lembrar de que haviam pulado o jantar na noite anterior. — Alteza, você também tá com fome?
— Espera aqui. — O Príncipe Chen levantou-se da cama, colocou um manto sobre os ombros de Jiuzhu e disse: — Fica sentada. Vou chamar os criados pra prepararem algo pra você.
Ao passar por ela, abaixou-se e lhe deu um leve beijo na bochecha, fingindo tranquilidade.
— Seja boazinha e me espera.
Se não fosse pelas orelhas vermelhas em brasa, que o entregavam por completo, ele poderia ter passado como um marido maduro, composto e atencioso.
Com as mãos cruzadas nas costas, saiu caminhando com elegância deliberada, erguendo a cortina da câmara externa.
— Criados!
— Alteza. — Os eunucos e criadas de plantão durante a noite se levantaram apressados e se aproximaram.
— Preparem o desjejum. — Ele lançou um olhar para o céu ainda escuro lá fora — de fato, era bem cedo para uma refeição matinal.
— Alteza, Chunfen já instruiu a cozinha pra deixar tudo pronto. Esta criada vai buscar agora mesmo. — A criada fez uma reverência e se retirou.
O Príncipe Chen assentiu com satisfação. Quando se tratava de servir Jiuzhu, os criados da família Ming eram os que melhor compreendiam.
Suspirou, sentindo falta dos puxa-sacos da Mansão do Príncipe Chen — pelo menos aqueles sabiam ler qualquer expressão sua e agir conforme necessário.
Depois do café, Jiuzhu sentou-se à penteadeira, ajeitando os cabelos.
— Alteza, esses acessórios não estão extravagantes demais?
— Hoje você vai conhecer suas quatro cunhadas. Seus tecidos e joias devem ser da mais alta qualidade. — O Príncipe Chen desenhou cuidadosamente uma flor na testa dela e, inclinando-se, sussurrou: — Como consorte de um príncipe, se você se vestir com simplicidade demais, elas podem elogiar sua modéstia na sua frente, mas pelas costas vão achar que eu não te valorizo.
— Uma mulher, forçada a usar o próprio favor do marido como escudo. — Jiuzhu abaixou os cílios, o sorriso nos lábios desvanecendo levemente.
— O mundo costuma ser injusto com as mulheres. — O Príncipe Chen escolheu um par de pingentes longos e os prendeu nos cabelos dela. — Não posso mudar o pensamento de todos, mas vou fazer o possível pra te proteger dessas injustiças.
Quando era pequeno, sua mãe lhe dissera que a maioria das mulheres no mundo sofria. E o aconselhara a nunca se tornar um homem que as maltratasse.
— Sempre soube que Alteza era um homem raro e admirável. — Jiuzhu olhou para ele com um sorriso.
O Príncipe Chen aceitou o elogio sem hesitação.
Como diz o ditado: o amor é cego aos defeitos. Já que Jiuzhu o adorava, é claro que acreditava que ele era extraordinário.
Perfeitamente lógico.
Ao primeiro clarão da manhã, os dois partiram do Palácio Qilin rumo ao Palácio Zhangliu.
— Como não fomos ontem, não vai parecer descortês? — Sentados lado a lado no palanquim, Jiuzhu observava os criados do palácio passando com lanternas nas mãos. O imenso palácio se estendia sem fim diante deles, e ela se inclinou instintivamente para mais perto do Príncipe Chen.
— Você acha mesmo que eles queriam nos encontrar por pura boa vontade? — O Príncipe Chen soltou uma risada. — Há anos eles me guardam rancor, mas nunca ousaram demonstrar. Agora, finalmente têm um motivo legítimo pra me fazer reverência — estavam ansiosos por isso.
Jiuzhu: "..."
As relações entre irmãos da realeza eram realmente complicadas.
— Quando chegarmos ao Palácio Zhangliu, deixa tudo comigo. — Ele brincava com a mão dela entre os dedos. — Não vou deixar ninguém te menosprezar.
— Mm. — Jiuzhu assentiu.
Antes de entrar no palácio, seu pai lhe dera um resumo sobre os temperamentos, passados e rivalidades dos cinco príncipes.
O porteiro do Palácio Zhangliu, acordado pelas batidas, bocejou e ajeitou as vestes amassadas. Antes que pudesse perguntar quem era, uma voz soou do lado de fora:
— O Príncipe Chen e a Consorte Chen pedem audiência com os quatro príncipes. Abram os portões!
Príncipe Chen e Consorte Chen?!
O porteiro correu para destrancar a porta, sem ousar levantar a cabeça.
— Este humilde saúda Vossa Alteza e Sua Alteza.
— Meus quatro irmãos mais velhos já acordaram?
— Respondendo a Vossa Alteza, os quatro príncipes ainda estão dormindo.
O Príncipe Chen conduziu Jiuzhu até o pátio.
— Não tem problema. Tragam frutas e refrescos. A princesa consorte e eu vamos esperar no pátio externo. Não os incomodem — deixem que acordem naturalmente.
Os criados assentiram em voz alta, mas nenhum teve coragem de deixar o príncipe e sua consorte sozinhos. Enquanto serviam o chá, alguns escaparam em silêncio para avisar seus senhores.
O Príncipe Chen arqueou uma sobrancelha ao ver as figuras se afastando, mas fingiu não notar. Sorrindo para Jiuzhu, comentou:
— Depois de viver aqui um tempo, mudar-se dá uma sensação estranha.
Jiuzhu soltou uma risadinha. Ao se virar, notou algumas criadas com rostos familiares a observando hesitantes. Ela fez um gesto.
— Venham aqui.
— Princesa Consorte. — Uma das criadas tirou um pingente trançado da manga. — Este é o nó que a senhora admirou da última vez. Esta serva fez um novo pra você.
— Princesa Consorte, aqui está o cordão decorativo que eu mesma fiz. — Outra criada lhe entregou uma pulseira delicadamente tecida.
Príncipe Chen: "..."
Com a esposa por perto, será que ainda restava alguma dignidade princípia nele?
O Príncipe Huai dormia profundamente quando chamadas insistentes o despertaram. Sentou-se, o rosto fechado de irritação.
— O que foi agora?
Na noite anterior, ficou remoendo o bolo que levaram de Yun Duqing até tarde e mal conseguiu dormir. Que assunto urgente o estava tirando da cama agora?!
— Alteza, o Príncipe Chen e sua consorte vieram fazer uma visita.
— O quê?! — O Príncipe Huai esfregou os olhos inchados e olhou pela janela. Uma onda de fúria lhe subiu. — Ainda nem amanheceu — o que ele tá fazendo aqui?!
Esse homem era doido?!
Depois de deixá-los esperando o dia inteiro ontem, agora resolvia aparecer quando todos estavam no meio do sono.
Yun Duqing não conseguia se comportar como um ser humano normal nem se tentasse!
— O Príncipe Chen disse que não era preciso acordar Vossa Alteza de propósito — acrescentou o eunuco às pressas, ao ver a expressão do mestre se contorcer de raiva. — Vossa Alteza pode descansar mais um pouco, se desejar.
— Me ajudem a vestir. — O Príncipe Huai respirou fundo. Por mais que soassem educadas, aquelas palavras não podiam ser levadas ao pé da letra — especialmente com a filha da família Ming presente.
Se deixasse Yun Duqing esperando no pátio, o imperador saberia disso em menos de uma hora.
— Enviem um recado à Princesa Huai. Peçam que se prepare e vá fazer companhia à esposa do Quinto Irmão para uma conversa.
Príncipe Yun Yanze e sua esposa chegaram antes do Príncipe Huai. Aproximando-se de Príncipe Chen, Yun Yanze os cumprimentou calorosamente:
— Quinto Irmão, Quinta Cunhada, vocês vieram bem cedo.
— Quarto Irmão — respondeu Príncipe Chen com um sorriso. — Como minha esposa é nova no palácio, é claro que eu a traria para prestar respeitos aos nossos mais velhos.
— Porquinha — ele deu um leve toque na mão de Jiuzhu. — Venha, cumprimente o Quarto Irmão e a Quarta Cunhada.
— Quarto Irmão, Quarta Cunhada — disse Jiuzhu, levantando-se para fazer uma reverência, mas Sun Caiyao rapidamente a interceptou.
— Não há necessidade de formalidades entre família. Por favor, sente-se.
— Quarta Cunhada tem razão — Príncipe Chen arqueou as sobrancelhas, sorrindo. — Jiuzhu, fique à vontade.
O sorriso de Sun Caiyao quase vacilou. Pelas convenções, cunhadas e cunhados deveriam trocar recusas educadas antes de proceder com as saudações formais. Ela não esperava que Príncipe Chen fosse tão direto — quando ele disse que não precisavam de cerimônia, ele realmente quis dizer isso, deixando Ming Jiuzhu sentar-se sem hesitar.
E mais estranho ainda, Jiuzhu obedeceu sem qualquer protesto, sem sequer tentar manter as aparências.
O clima ficou constrangedor, mas felizmente, o Príncipe Huai chegou naquele momento, aliviando um pouco a tensão no coração de Sun Caiyao.
— O Irmão Mais Velho também já acordou? — comentou Príncipe Chen, ignorando as olheiras sob os olhos do Príncipe Huai. — Dormir e acordar cedo é essencial para a saúde. Sente-se e tome um chá comigo.
"Você é o único que consegue dormir tranquilamente à noite — o único!"
Príncipe Huai forçou um sorriso tenso enquanto se sentava ao lado de Príncipe Chen.
— Irmãozinho, você veio incomumente cedo hoje.
— Ontem à noite, refleti profundamente e percebi que não deveria incomodar meus quatro irmãos mais velhos durante a noite — Príncipe Chen olhou para o céu, onde o amanhecer ainda lutava para despontar. — Mas ficar sem vê-los me deixou inquieto, incapaz de dormir ou comer. Por isso, trouxe minha consorte para visitá-los esta manhã e demonstrar minha sinceridade.
"Balela."
Príncipe Huai não acreditava em uma só palavra de Yun Duqing.
Desde criança, quando Yun Duqing já tinha seguido as normas?
Mesmo no funeral do falecido Imperador, ele teve a ousadia de esconder carne seca na manga — embora, justiça seja feita, ele tenha compartilhado, e o próprio Príncipe Huai também tenha comido. Mas só aquele incidente já provava que Yun Duqing não tinha o menor respeito pelas regras.
Ele realmente perderia o sono por algo assim?
Se Yun Duqing tinha coragem de dizer tal coisa, Príncipe Huai não tinha rosto para acreditar.
Reprimindo o desprezo, conseguiu esboçar um sorriso magnânimo.
— Quinto Irmão, você está apegado demais à etiqueta. Não se incomode tanto assim da próxima vez.
Se isso continuasse, mesmo que os irmãos mais velhos suportassem, suas entradas certamente não suportariam.
Príncipe An foi o último a chegar, ajeitando o cinto enquanto caminhava.
— Quinto Irmão, você chegou cedo demais.
Príncipe Chen repetiu sua explicação anterior.
Príncipe An: "..."
"Absurdo. Quem acreditaria nisso?"
Ele lançou um olhar para Jiuzhu, apenas para vê-la assentindo com firmeza, os olhos cheios de uma confiança inabalável no marido.
"Bem, o mundo é cheio de todo tipo de gente. Alguns casais são só... incomumente compatíveis."
Quando todos os quatro irmãos mais velhos e suas esposas se reuniram, Príncipe Chen finalmente segurou a mão de Jiuzhu e se curvou junto com ela diante deles.
— Entre nós, cunhadas, você é a mais nova, e eu sou a mais velha — disse a Princesa Huai, entregando a Jiuzhu um presente preparado. — Como há poucas de nós no palácio, devemos nos encontrar com mais frequência.
— Obrigada, Primeira Cunhada — respondeu Jiuzhu calorosamente.
— Este é meu presente para você, Quinta Cunhada — disse a Princesa Consorte An, com uma voz tão marcante quanto sua beleza. — Sempre adorei pessoas encantadoras. Se eu visitar o Palácio Kirin com frequência no futuro, não me ache incômoda.
Jiuzhu aceitou a caixa de presente, observando atentamente o rosto da Princesa Consorte An.
— Segunda Cunhada é que é a verdadeira visão da beleza.
Encantada, a Princesa Consorte An riu e retirou uma pulseira do próprio pulso, colocando-a em Jiuzhu.
Ela adorava mulheres como Jiuzhu — de língua doce e perceptivas.
A Princesa Consorte Jing parecia mais reservada, trocando apenas algumas palavras educadas antes de se recolher atrás das cunhadas mais velhas.
— Ming... não, Quinta Cunhada — murmurou Sun Caiyao, abaixando o olhar. Toda vez que ficava ao lado de Ming Jiuzhu, faltava-lhe coragem para encará-la.
A presença de Jiuzhu era um lembrete silencioso — ela era uma ladra.
A educação que sua família lhe deu travava uma batalha constante com seus desejos egoístas, atormentando-a.
— Quarta Cunhada? — Jiuzhu inclinou a cabeça. — Aconteceu algo?
Capítulo 77 – A Almofada
Toda vez que passava um tempo com Sun Caiyao, Jiuzhu sentia que a outra a olhava com uma expressão estranha.
— Quando nos conhecemos, você tinha acabado de voltar para a Capital. Num piscar de olhos, viramos família — disse Sun Caiyao com um sorriso gentil, entregando um presente preparado a Jiuzhu. — Que você e o Quinto Príncipe compartilhem um laço mais forte que o ouro, com afeição duradoura.
— Obrigada, Quarta Cunhada. — Jiuzhu aceitou a caixa de presente e a entregou para Chunfen. Puxou levemente a manga do Príncipe Chen. — Alteza, vou me sentar com as outras cunhadas enquanto conversa com os outros príncipes.
— Está bem. — O Príncipe Chen assentiu levemente, acrescentando um lembrete: — Está frio de manhã — não coma nada gelado.
— Uhum. — Jiuzhu assentiu e seguiu as outras consortes para outra mesa.
— Quem diria que o Quinto Príncipe seria tão atencioso com os que estão à sua volta? — comentou diretamente a Consorte An ao se sentar. — Ele tem um temperamento cuidadoso.
— Sua Alteza sempre foi assim com as pessoas. — Jiuzhu estendeu a mão para pegar uma fruta, mas lembrou-se de que tinha natureza fria, então escolheu um pedaço de pastel em vez disso.
— Ah? — A Consorte An soltou uma risada sem graça e ergueu a xícara de chá para esconder a expressão. — Sim, sim. Até Sua Majestade, o Imperador, aprecia o temperamento do Quinto Príncipe.
Fora isso, ela não conseguia pensar em mais nada para elogiar.
A Princesa Huai tomou um gole de chá, observando a Consorte An com divertimento. Essa segunda cunhada podia parecer direta, mas sabia exatamente o que dizer e para quem.
O mais impressionante era que, nos três anos desde que se casara com o Príncipe An, nenhuma outra mulher tinha aparecido ao lado dele.
— Seu adorno de testa é belíssimo, Cunhada — comentou a Consorte An, examinando o delicado desenho floral na testa de Jiuzhu. — Não parece colado — foi você mesma quem pintou?
"Realmente uma descendente da Família Ming — até um simples enfeite de testa carrega um ar de elegância."
— Foi Sua Alteza quem pintou. — Jiuzhu notou a maquiagem discreta de suas cunhadas e ficou confusa. O Príncipe Chen não tinha dito que mulheres da mesma casa costumavam competir em beleza? Por que então estavam todas com aparências tão simples hoje?
— Não tivemos tempo de nos arrumar devidamente esta manhã. Perdoe nossa aparência — disse a Princesa Huai, pensando: "Se o Príncipe Chen não tivesse chegado tão cedo, não teríamos saído correndo da cama."
Jiuzhu não respondeu, sentindo-se um pouco culpada.
"A culpa foi minha por ter acordado tão cedo e incomodado Sua Alteza."
Sun Caiyao fixava o olhar no desenho floral na testa de Jiuzhu. Yun Duqing realmente teria pintado aquilo?
Ela lançou um olhar à mesa dos príncipes. Yun Duqing, vestido com luxo chamativo, não parecia ser o tipo de homem que teria paciência para pintar adornos em uma mulher.
— Como você não cresceu na Capital, Quinta Cunhada, talvez ainda não esteja familiarizada conosco — disse gentilmente a Princesa Huai, apresentando as outras. — Meu nome de solteira é Wu — meu pai é Vice-Ministro das Obras. O sobrenome da Segunda Cunhada é Li, nativa da Capital, embora o pai dela esteja em serviço em outra província e ainda não tenha encerrado o mandato. O sobrenome da Terceira Cunhada é Du, de uma família erudita renomada. A família da Quarta Cunhada também é de tradição acadêmica, com muitos oficiais ilustres entre os antepassados.
Ela sorriu calorosamente.
— Nossos pais são colegas na corte, e agora nos tornamos uma família. Vamos nos dar bem e evitar conflitos que possam gerar zombarias contra a Casa Imperial.
Ela lançou um olhar intencional a Sun Caiyao.
— Pensando bem, a Quarta Cunhada não é apenas um ano mais velha que a Quinta?
— A Irmã Mais Velha tem razão — disse Sun Caiyao, compreendendo a mensagem. No banquete de Ano Novo, por causa de Ming Jingzhou, seu marido havia perdido a mãe, os parentes e até mesmo o título de príncipe.
Talvez fosse porque, em seus sonhos, via Ming Jiuzhu rindo enquanto morria ao lado do marido. Agora, ao ver a verdadeira Ming Jiuzhu, só conseguia enxergá-la como gentil e amável.
— Quando não temos nada para fazer no palácio, jogamos xadrez ou cartas — é um bom passatempo — disse a Princesa Huai, sempre mantendo uma postura graciosa e atenciosa.
— Às vezes os irmãos se reúnem para comer hot pot, e nós também deveríamos aproveitar — disse a Consorte An. — Admiramos flores, assamos carne, ouvimos música — tudo o que traz alegria.
— Que tal fazermos um hot pot no almoço de hoje? — A Consorte An se empolgou. — Com a Quinta Cunhada recém-casada, todas as cinco finalmente reunidas. O hot pot é redondo — simboliza união e prosperidade. O que acha, Quinta Cunhada?
O interesse de Jiuzhu foi despertado.
— Parece maravilhoso.
— Ótimo, pedirei à cozinha que prepare — disse a Princesa Huai, virando-se para sua serva. — Pergunte aos príncipes se gostariam de se juntar a nós para o hot pot.
Entre os príncipes, só Yun Yanze talvez não gostasse de hot pot — mas ninguém ligava para a opinião dele. Ao ouvir a sugestão das consortes, os outros prontamente concordaram.
Só depois que todos aceitaram é que alguém pensou em perguntar a Yun Yanze. O Príncipe Huai virou-se para ele.
— Quarto Irmão, suas feridas já se curaram — o hot pot não será um problema, certo?
— Agradeço a preocupação, Irmão Mais Velho. Já me recuperei por completo — respondeu Yun Yanze com um sorriso leve. — Hot pot está ótimo — quanto mais gente, melhor.
Os servos do Palácio Kirin montaram uma grande mesa redonda onde todos se reuniram, compartilhando pequenas panelas em pares.
Pessoas de Lingzhou não estavam acostumadas a comidas apimentadas, mas Jiuzhu gostava de um toque picante no caldo. O Príncipe Chen, preocupado que fosse demais para ela, manteve a panela do casal levemente temperada.
— Quinta Cunhada, você come carne de boi? — Sun Caiyao observou surpresa enquanto Jiuzhu colocava uma fatia no próprio prato. — Achei que você evitasse.
— Quarta Cunhada, Jiuzhu só foi criada num templo taoísta — ela não fez votos. Por que teria que se abster? — disse a Consorte An, que em uma manhã já tinha passado de chamá-la formalmente a usar seu nome. — Os médicos dizem que carne de boi fortalece a vitalidade da mulher.
Jiuzhu assentiu.
— A Segunda Cunhada tem razão. Nunca tive restrições alimentares desde a infância.
Seus mestres raramente lhe davam carne — não por proibição, mas porque era cara demais para os poucos recursos que tinham.
— Entendo — Sun Caiyao forçou um sorriso. — Perdoe minha ignorância. Espero que não ache engraçado.
— Por que acharia? — Jiuzhu a olhou, confusa. — Você só foi atenciosa — por que eu riria? Não é normal brincar entre família?
— Experimente esse pedaço de barriga de peixe — disse o Príncipe Chen, colocando uma fatia macia na tigela de Jiuzhu antes de lançar um olhar a Sun Caiyao. — Quarta Cunhada, minha esposa é naturalmente direta. Não se prende a pequenas coisas.
Sun Caiyao abaixou o olhar, observando enquanto o Príncipe Chen limpava com naturalidade os lábios de Jiuzhu com um lenço após ela comer.
— A natureza da Quinta Cunhada é realmente admirável.
— Os vegetais estão prontos — murmurou Yun Yanze para ela. — Se ficarem mais tempo, perderão o sabor.
— Obrigada, Alteza. — Sun Caiyao pegou uma porção, mas assim que tocou a língua, o calor escaldante causou uma dor aguda em sua boca.
— Não está do seu agrado? — perguntou Yun Yanze gentilmente.
— Não. — Ela engoliu o bocado queimado, um sentimento inexplicável de tristeza inchando dentro do peito.
— Aqui. — Yun Yanze colocou outra porção em sua tigela.
— Obrigada, Alteza. — Sun Caiyao encontrou o olhar terno dele e sorriu.
— Isso não está bom — disse Jiuzhu, franzindo a testa. — Está amargo.
— Tão jovem e já não quer suportar amarguras? — O Príncipe Chen riu baixinho ao pegar os vegetais restantes da tigela dela e substituí-los por duas fatias de presunto. — Pronto, eu como isso por você.
O Príncipe Huai observou com desprezo aquela demonstração excessiva de afeto e virou o rosto, apenas para ver o segundo irmão obedecendo a cada apontar de dedo da segunda cunhada — mais solícito que qualquer criado.
"O que há com todos eles?"
"Será que os servos do palácio não bastam, ou será que a comida que eles servem é mais saborosa?"
— Alteza — repreendeu a Princesa Huai —, concentre-se na sua refeição. Por que está olhando os outros?
Depois de tanto tempo, ele ainda não tinha aprendido nada. Os outros maridos sabiam servir suas esposas, mas ele? O que ele sabia?
Só sabia comer!
Absolutamente irritante!
— Tsk — o Príncipe Huai balançou a cabeça e sussurrou no ouvido da consorte: — Um homem de verdade não deveria agir como o Segundo ou o Quinto Irmão — totalmente sem dignidade.
Naquele momento, a Princesa Huai teve um impulso quase incontrolável de enfiar a cabeça dele direto na panela fervente.
— Hah.
Ao ouvir a risada da consorte, o Príncipe Huai se encheu de orgulho.
— Viu? Você concorda comigo.
A Princesa Huai respirou fundo.
"Deixa pra lá. Matar um príncipe em público arrastaria toda a minha família junto. Eu consigo aguentar."
— Alteza — Chunfen se aproximou de Jiuzhu e sussurrou —, as consortes idosas do Palácio Oeste enviaram presentes de felicitações pelo casamento. O mensageiro disse que eram velhas conhecidas da senhorita. Como a senhora não estava presente, tomei a liberdade de recebê-los.
—Elas especificaram quais consortes enviaram os presentes? —perguntou o Príncipe Chen, sentado ao lado de Jiuzhu, tendo escutado claramente cada palavra.
—A Consorte Viúva Zhao, a Consorte Viúva Zhou e outras damas nobres —respondeu Chunfen, listando as duas consortes de maior prestígio.
—Entendi. Guarde tudo o que elas enviaram —concordou o Príncipe Chen com um leve aceno de cabeça. Então se inclinou para sussurrar no ouvido de Jiuzhu: —A Consorte Viúva Zhao foi quem lhe deu o tigre de pano. Essas consortes já receberam favores da Mãe Imperatriz. Se recusarmos os presentes, elas só vão se sentir desconfortáveis.
—Será que a patinha daquele gatinho já sarou? —A menção às consortes idosas fez Jiuzhu se lembrar do gato ferido.
—Depois da sua visita de retorno à casa natal, levo você ao palácio das consortes para vê-lo.
—Visita de retorno? —Os olhos de Jiuzhu brilharam ao encará-lo. —A matrona de etiqueta do Ministério dos Ritos disse que não existe esse costume no palácio. Vossa Alteza realmente vai me acompanhar de volta?
—As regras do palácio são as regras... mas segui-las ou não é escolha minha —disse o Príncipe Chen, colocando mais um pedaço de peixe na tigela dela. Comer peixe fazia bem para o cérebro. —Não se preocupe. Comigo aqui, eu com certeza a levarei para casa depois de amanhã.
—Como? —Jiuzhu estava em chamas de curiosidade.
—Segredo —respondeu o Príncipe Chen com um sorriso misterioso. —Volte para o Palácio Qilin esta tarde e deixe o resto comigo.
—Vossa Alteza é incrível —disse Jiuzhu, olhando para ele com os olhos cintilando.
—Não é nada —ele respondeu, colocando ainda mais peixe na tigela dela. —Aqui, coma mais.
Chunfen, parada atrás deles, mal conseguia conter a alegria por sua senhora ao ouvir que o Príncipe Chen a levaria para casa. Não era à toa que Jiuzhu sempre insistira que ele era um bom homem —ele realmente era.
Fofoqueiros eram mesmo enganosos.
Depois de terminar o hot pot e o chá, o Príncipe Chen finalmente se retirou, levando a noiva consigo. Os outros príncipes suspiraram de alívio, bocejando enquanto se apressavam de volta para seus próprios pátios para tirar uma soneca.
Se Yun Duqing tivesse ficado mais um pouco, eles teriam enlouquecido.
—Majestade —Liu Zhongbao se aproximou do Imperador Longfeng em voz baixa. —O Príncipe Chen solicita uma audiência.
O Imperador Longfeng lançou um olhar para os ministros presentes na sala.
—Senhores, podem se retirar. Continuaremos as discussões amanhã na corte.
Pousando o memorial que tinha nas mãos, ele pensou: Reciém-casado, com os jardins imperiais em plena floração... por que Duqing não está com a esposa? Que assunto urgente seria esse?
—Que Vossa Majestade tenha paz e saúde —disse o Príncipe Chen ao entrar no salão, jogando uma almofada no chão e ajoelhando-se sobre ela. —Pai, este filho tem um pequeno pedido. Suplico por sua benevolência.
O Imperador Longfeng olhou para ele, depois para a almofada sob os joelhos, e arqueou uma sobrancelha.
Trouxe a própria almofada para ajoelhar? Isso não é um pedido qualquer.
Capítulo 78 — Memorial ao Trono
— Levante-se se quiser dizer algo. Que sentido tem ficar ajoelhado assim?
O Grande Cheng era uma terra de etiqueta e boas maneiras, mas mesmo entre soberano e súdito, ajoelhar-se não era prática constante. Além disso, o Imperador Longfeng não era afeito a cerimônias excessivas, tornando os momentos que exigiam tal gesto ainda mais raros.
— Você... bateu no seu irmão? — O Imperador Longfeng pensou consigo mesmo — “Esse meu filho geralmente se comporta bem. Deve ter aprontado alguma travessura.”
— Pai, pareço ser alguém que desrespeita os mais velhos? — o Príncipe Chen se defendeu rapidamente. — Seu filho não fez nada errado ultimamente. Estou ajoelhado aqui para lhe implorar porque quero algo para fazer.
— O quê? — O Imperador Longfeng o encarou com desconfiança. — Tem certeza de que não causou encrenca?
— Agora sou um homem casado. Que tipo de problema eu poderia arrumar? — O Príncipe Chen ajustou os joelhos levemente. — Pai, o que o senhor acha de Ming Jiuzhu?
— É sincera, de coração puro e vem de uma família respeitável. — Mais importante ainda, ela acreditava obstinadamente que ele era o melhor homem do mundo — algo que nem ele, como pai, tinha coragem de dizer em voz alta. — A família Ming é leal até a medula. Ter tal consorte é sua boa fortuna.
— Suas palavras provam que pai e filho têm o mesmo pensamento. — O Príncipe Chen pegou a almofada de joelhos, caminhou até o Imperador Longfeng, a jogou no chão novamente e tornou a se ajoelhar, abraçando a perna do imperador. — Já que está tão satisfeito com sua nora, não poderia abrir uma exceção e me permitir levá-la de volta à família Ming depois de amanhã?
Olhando para o filho agarrado à sua perna como uma criança mimada, o Imperador Longfeng se lembrou subitamente do dia em que ascendeu ao trono — naquela época, Duqing o havia importunado da mesma forma, pedindo para ser carregado nas costas.
Entre todos os príncipes e princesas imperiais, apenas esse ainda o via como um pai. Os outros o enxergavam apenas como a encarnação do poder imperial.
— Sua esposa quer voltar para casa? — O Imperador Longfeng não mandou que ele se levantasse, simplesmente se acomodou no trono do dragão e deixou o filho continuar abraçado à sua perna.
— Que noiva recém-casada não sente saudade da família? Ela é ingênua — mesmo que quisesse, não diria nada. Mas quem sou eu? Seu filho! Aprendi dez vezes mais com o senhor sobre como cuidar de quem nos é querido. Mesmo sem dizer uma palavra, eu percebo. — O Príncipe Chen lhe lançou um sorriso bajulador. — Já me gabei para ela, disse que a levaria de volta. O senhor não vai deixar seu filho perder a moral diante da esposa, vai?
— Não faz diferença. — O Imperador Longfeng tomou um gole de chá com preguiça. — Você vive no Palácio Kirin. Se passar vergonha, eu nem estarei lá para ver.
— Pai. — O Príncipe Chen apertou ainda mais a perna do imperador. — Se não concordar, vou ficar ajoelhado aqui e não saio mais.
— As pessoas deviam ver o quão sem vergonha você consegue ser. — O Imperador Longfeng riu, exasperado, e deu um leve empurrão com o outro pé. — Levante-se logo. Que tipo de comportamento é esse?
— Então o senhor concorda? — O Príncipe Chen não o soltou.
— As regras da família imperial não podem ser quebradas — nem mesmo por você. — O Imperador Longfeng pegou um token de saída do palácio com Liu Zhongbao e o entregou ao Príncipe Chen. — Mas, se você sair com sua consorte para um passeio, por acaso passar pela residência Ming e, coincidentemente, almoçar por lá... ninguém verá mal nisso.
— Obrigado, pai! — O Príncipe Chen pegou o token e saltou em pé. — O senhor é sem dúvida o melhor pai do mundo e o imperador mais sábio.
— Poupe-me da bajulação. Quando voltar, trate bem sua esposa. Marido e mulher são um só. Se ela for sincera com você, não deve traí-la. — O Imperador Longfeng apontou para a almofada jogada no chão. — Leve isso também.
— Claro, pai. — O Príncipe Chen pegou a almofada. — O senhor deve estar ocupado com os assuntos do Estado, então não vou atrapalhar...
— Espere. — O Imperador Longfeng levantou a mão, e Liu Zhongbao posicionou uma cadeira ao lado dele.
— Veja esses memoriais e diga como devem ser tratados. — Vendo a expressão contrariada do filho, o imperador riu. — Me lembrei de que você ainda está com o salário suspenso. A Administração do Palácio comentou que você encomendou várias roupas de primavera e verão, todas feitas com os melhores tecidos...
— Para este filho, é uma honra compartilhar seus encargos. — O Príncipe Chen afastou as mangas e se sentou. — É um privilégio.
Ah, um homem que depende da fortuna do pai precisa mesmo ser humilde.
— Senhorita. — Chunfen ajudava Jiuzhu a se banhar e trocar as vestes do palácio, que ainda traziam o cheiro de fondue. — A Administração do Palácio enviou um novo conjunto de joias, dizendo que foi encomendado especialmente para a senhora por Sua Majestade, a Imperatriz. Deseja experimentá-las?
Em apenas dois dias, o depósito privado do Palácio Kirin já estava quase transbordando de presentes. Consortes, príncipes e princesas imperiais e parentes da família real haviam enviado votos de felicidades.
Tesouros raros chegavam ao Palácio Kirin como uma corrente interminável. Essa também foi a primeira vez que Jiuzhu presenciou pessoalmente o quanto o Príncipe Chen era estimado dentro do palácio.
— Sua Majestade preparou isso especialmente para mim? — Jiuzhu imediatamente se animou. — Traga aqui, depressa!
Ao abrir a caixa de joias, encontrou um conjunto completo de ornamentos para o cabelo, finamente trabalhados. De repente, entendeu tudo.
— Sua Majestade preparou isso com antecedência para minha visita de retorno ao lar.
Chunfen ficou pasma.
— A imperatriz previu que Sua Alteza a levaria de volta?
Mais surpreendente ainda era o fato de que, antecipando as ações do príncipe, a imperatriz não apenas não se opôs, como fez todos os preparativos para sua nora com antecedência.
Quanto mais prestigiosa a família, mais rígida era quanto às regras. E ainda assim, a Imperatriz — a mulher mais reverenciada de todo o Grande Cheng — demonstrava tamanha consideração e generosidade para com sua nora. Quantas sogras no mundo poderiam se comparar?
— Porque Sua Majestade e Sua Alteza são pessoas bondosas. — Jiuzhu acariciou as gemas no grampo de fênix. — Almas bondosas compreendem as intenções umas das outras.
— Isso é maravilhoso. — Chunfen sorriu. — Com a Imperatriz e Sua Alteza tratando você tão bem, o senhor e a senhora Ming certamente ficarão mais tranquilos.
— Papai e mamãe se preocuparam por eu ter me casado com Sua Alteza? — Jiuzhu a olhou surpresa. — Nunca me disseram nada.
— Independentemente de com quem a filha se case, os pais nunca ficam totalmente despreocupados. — Chunfen habilmente evitou mencionar os rumores sobre o Príncipe Chen. — Mas se virem que está feliz depois do casamento, vão se tranquilizar aos poucos.
— Entendi. — Jiuzhu assentiu, pensativa. — Quando voltarmos para casa depois de amanhã, saberei exatamente o que fazer.
O que exatamente sua senhora havia entendido?
Chunfen a observou com desconfiança, suspeitando que talvez tivesse interpretado tudo errado.
Três horas depois, Chunfen espiou pela janela.
— Senhorita, já anoiteceu. Quem sabe quando Sua Alteza vai voltar? Deseja jantar primeiro?
— Ainda não estou com fome. — Jiuzhu balançou a cabeça. — Pode ir comer, não precisa ficar comigo o tempo todo.
— Senhorita. — Chunfen sabia que ela queria esperar pelo Príncipe Chen e suspirou. — Tomei um caldo de carne mais cedo, então também não estou com fome.
— Então vá descansar um pouco. — Jiuzhu sorriu. — Vamos continuar como era em casa. Não precisa me acompanhar o tempo todo — não gosto de formalidades.
— Esta serva irá buscar uma tigela de sopa de orelha-de-prata na cozinha. — Quando Chunfen se virou para sair, sentiu alguém passar por ela como uma rajada de vento. Virando-se depressa, viu que era o Príncipe Chen que havia acabado de chegar.
— Porquinha Ming, voltei. — O Príncipe Chen se aproximou de Jiuzhu com passos largos, mas parou ao ver os cabelos dela soltos sobre as costas, recolhendo a mão que estava prestes a bagunçar sua cabeça. — Já tomou banho?
— Mm. — Jiuzhu assentiu.
— Alguém, prepare o banho deste príncipe. — Após dar ordens aos atendentes, o Príncipe Chen tirou o token de saída do palácio da manga. — Depois de amanhã, sairemos do palácio para visitar meus sogros.
Seu semblante era tranquilo, como se aquele token não tivesse sido conquistado com uma mistura de joelhos no chão, súplicas e análise de uma pilha de memoriais.
— Sua Alteza é mesmo notável. — Ming Jiuzhu pegou o token e o examinou, notando o brasão com padrão de dragão.
— Coisa pequena. Como eu poderia não cumprir uma promessa feita a você? — O Príncipe Chen lavou as mãos na bacia de cobre trazida por um eunuco, então esticou o braço para bagunçar os cabelos dela várias vezes, com um sorriso satisfeito no rosto.
— Já jantou? — Ele alisou as mechas desalinhadas antes de, a contragosto, retirar a mão. — Sua Majestade me reteve no Palácio Taiyang para tratar de alguns assuntos, por isso voltei tarde.
Inicialmente, o imperador pretendia convidá-lo para jantar, mas ele ficou com medo de Jiuzhu esperar por ele feito boba, então correu de volta sem demora.
— Ainda não. — Jiuzhu ordenou aos atendentes que trouxessem a refeição da noite. — Chegou bem a tempo de jantar comigo.
O Príncipe Chen e Jiuzhu jantaram de excelente humor, enquanto os funcionários que haviam ficado acordados até tarde e recebido os memoriais devolvidos começaram a notar algo estranho.
A caligrafia em alguns daqueles documentos não se parecia muito com a do imperador.
Por que Sua Majestade deixaria alguém redigir as respostas por ele?
Como funcionários da corte, não puderam evitar as especulações. O imperador estava com boa saúde, e o comandante da guarda imperial lhe era absolutamente leal. Lógica alguma permitia imaginar que alguém ousaria revisar aqueles memoriais em nome de Sua Majestade.
— Nenhum de vocês considerou que Sua Majestade possa ter delegado a tarefa a algum príncipe? — sugeriu um dos oficiais. — A caligrafia é firme e poderosa, o conteúdo é perspicaz — claramente obra de alguém talentoso.
— O Ministro Wang tem razão — outro oficial assentiu. — Mas qual príncipe poderia ser?
— O Príncipe Huai é maduro e ponderado, mas já vi sua caligrafia — não combina.
— O Príncipe An é gentil e pacífico, mas os comentários nesses memoriais são incisivos e diretos, nada do estilo dele.
— Poderia ser o Príncipe Jing?
O Príncipe Jing era um homem de poucas palavras, com aparência razoável, mas que empalidecia em comparação ao Quarto Príncipe e ao Príncipe Chen. Era tão discreto que poucos sequer se lembravam dele.
Quanto ao Quarto Príncipe, ninguém sequer cogitou a hipótese. Sua Majestade já o havia destituído, rebaixando-o a mero “príncipe careca” — não havia chance alguma de que tivesse acesso a documentos oficiais.
Isso deixava o Príncipe Jing como o candidato mais provável.
— Por que ninguém considerou o Príncipe Chen? — perguntou um jovem oficial. — Sua Majestade tem grande afeição por ele — é bem possível que tenha lhe confiado essa tarefa.
— Impossível! — vários oficiais exclamaram ao mesmo tempo. — O Príncipe Chen é um devasso preguiçoso — como poderia escrever com tanta elegância?
— Algum dos senhores já viu a caligrafia do Príncipe Chen? — O jovem oficial juntou as mãos, pedindo desculpas. — Perdoem minha ignorância por ter dito algo tão ridículo.
Os oficiais mais experientes ficaram em silêncio.
Pensando bem... nunca haviam prestado atenção à caligrafia do Príncipe Chen.
Mas um príncipe conhecido por enlouquecer seus tutores certamente... provavelmente... não saberia escrever tão bem, certo?
Mais importante ainda, o Príncipe Chen era um hedonista sem interesse acadêmico — como poderia apresentar recomendações políticas tão lúcidas?
— Não, não — balançaram a cabeça com firmeza. — Definitivamente não pode ser ele.
Acreditar que um príncipe indolente e arrogante pudesse redigir memoriais tão bem era como esperar que chovesse sangue.
— Boa noite, estimados ministros. — Li En, o Ministro dos Ritos, entrou na sala e notou a expressão grave dos oficiais de plantão. — O que os preocupa?
— Ministro Li. — Os oficiais lhe entregaram um memorial. — O Príncipe Chen serviu brevemente no Ministério dos Ritos. Esta caligrafia lhe parece familiar?
Li En olhou e assentiu com um sorriso:
— De fato, é a caligrafia do Príncipe Chen.
Antes que pudesse concluir, viu os ministros empalidecerem como se atingidos por um raio.
— Senhores, estão passando mal?
— N-não, estamos bem.
Precisavam manter a calma. Havia de haver uma explicação lógica.
Talvez o imperador tenha apenas ditado as respostas, e o Príncipe Chen se limitou a copiá-las.
Capítulo 79 – Flores de Damasco
Sun Caiyao teve aquele sonho de novo.
O mesmo sonho que tivera antes do casamento.
A luz trêmula das velas, o príncipe enfurecido e Ming Jiuzhu distraidamente ajustando o incensário—tudo era exatamente como no sonho.
—Foi Sua Alteza quem feriu o Príncipe Chen?
—Quem matou o Príncipe Chen?!
—Foi você? A Consorte Ning? Ou... talvez o Príncipe Huai, que já havia sido destituído do título?
—Você quer me matar?
Despertando assustada com o pesadelo, Sun Caiyao ouviu a chuva do lado de fora. Levantou-se com as pernas trêmulas, serviu-se de uma xícara de chá frio e a bebeu de um gole só.
Suas mãos tremiam tanto que metade do chá se derramou.
—Sua Alteza, o que houve? —Uma criada, ouvindo o barulho, correu até lá e encontrou Sun Caiyao pálida, sentada à mesa.—Foi um pesadelo? Esta serva chamará Sua Alteza imediatamente.
—Pare. —Os olhos de Sun Caiyao ardiam ao encarar a serva.—Estou bem. Não perturbe Sua Alteza.
—Mas...
—Minhas palavras não têm valor? —Os ombros de Sun Caiyao tremiam ligeiramente, mas seu olhar estava perturbadoramente lúcido.
Assustada com a expressão da senhora, a criada buscou um manto externo.
—Está frio, Alteza. Por favor, volte para a cama.
Ignorando-a, Sun Caiyao empurrou a janela. O som da chuva não serviu para acalmar o turbilhão em sua mente.
Será que Sua Alteza realmente não sabia o que aconteceu nos campos de caça reais? Ou tudo foi obra apenas de sua mãe biológica?
—Sua Alteza, devo buscar chá fresco?
—Não é necessário. —Sun Caiyao se virou com um sorriso tenso.—Foi apenas um pesadelo. Ficarei bem depois de descansar um pouco.
Quando a criada se retirou, ela se forçou a permanecer acordada, ouvindo a chuva até o amanhecer.
—Sua Alteza. —Bai Shao entrou para ajudá-la a se vestir, mas encontrou Sun Caiyao já pronta.—Esta serva dormiu demais. Peço perdão.
—Você não dormiu demais. Eu é que acordei cedo. —Sun Caiyao se levantou.—A chuva derrubou muitas flores. Caminhe comigo.
—Imediatamente, Alteza. Irei buscar um guarda-chuva. —Anos de serviço a haviam ensinado a nunca questionar os caprichos da senhora.
Sun Caiyao assentiu.
Suas pernas, rígidas de tanto ficar sentada, vacilaram enquanto ela aplicava rouge para disfarçar a palidez.
Bai Shao a seguiu em silêncio, sentindo-se cada vez mais inquieta.
—Sua Alteza, este caminho leva ao Palácio Qilin.
—Leva? —Sun Caiyao sorriu levemente.—Ouvi dizer que o bosque de damascos fica deslumbrante depois da chuva. Tendo servido tanto tempo à Consorte Ning, você deve conhecer bem o palácio.
Bai Shao fez uma reverência.
—Sua Alteza, uma serva humilde não pode vagar pelo palácio interno sem ordens.
Passando por colinas artificiais, chegaram ao bosque. Sun Caiyao observou as pétalas brancas como neve, pisoteadas na lama.
—Tanta beleza, desperdiçada no lodo.
—É maravilhoso—em alguns meses, essas árvores darão frutos. Será que os damascos do palácio são doces?
—Sua Alteza, esta serva uma vez provou um escondida. São muito doces! Quando amadurecerem, colheremos alguns para a senhora.
—Xiu! Não deixe a governanta ouvir isso.
—Não tema. Diga que fui eu quem quis. —Ming Jiuzhu riu, levantando as saias enquanto caminhava pelo caminho de pedras, embriagada com o perfume das flores.
As criadas riam atrás dela, ainda segurando fielmente o guarda-chuva e a cauda do vestido, contendo o riso ao ver pétalas presas nos cabelos da jovem senhora.
—Sua Alteza —Chunfen sussurrou—, há alguém adiante.
Jiuzhu parou. Imediatamente, suas damas se endireitaram, a alegria desaparecendo como se nunca tivesse existido.
—Cunhada. —Sun Caiyao surgiu por entre as flores.—Sou eu.
—Quarta Irmã. —Jiuzhu fez uma reverência. Sun Caiyao segurou sua mão e retribuiu o gesto.—Veio admirar as flores?
—As irmãs do palácio disseram que as pétalas caídas estavam lindas. —Jiuzhu notou o cansaço de Sun Caiyao.—Você deveria descansar mais.
—Obrigada. —Sun Caiyao tocou o rosto.—Já que nos encontramos, caminhe comigo.
Jiuzhu sorriu.
—Depois de você.
Entre as pétalas, brotos verdes surgiam da lama, vibrantes em meio à decadência.
Elas caminharam em silêncio. Jiuzhu, que nunca se incomodava com silêncios constrangedores, até pegou um galho seco pelo caminho.
—Cunhada —Sun Caiyao parou, olhando o galho murcho—, você e o Príncipe Chen são tão próximos.
Jiuzhu piscou.
—Você e o Quarto Príncipe não são?
—Claro que somos. —O sorriso de Sun Caiyao não chegava aos olhos.
"O destino dá a cada um seu próprio caminho. Em vez de observar os outros, cultive seu próprio jardim." Finalmente, Jiuzhu entendeu a estranheza de Sun Caiyao—ela estava sempre observando, com olhos cheios de anseios não ditos.
—O destino é mesmo imutável? —Sun Caiyao insistiu.—Nada pode mudá-lo?
—Você acha que é? —Jiuzhu balançou a cabeça.—Para mim, destino não é uma pedra imóvel em que se tropeça sempre.
—Se você for para o leste, encontrará flores de pessegueiro tão belas que tiram o fôlego. Se for para o oeste, verá flores de pereira igualmente encantadoras. O verdadeiro destino não são as flores—é o encanto que elas provocam. —Jiuzhu riu.—Mas se você estiver entre pereiras desejando pessegueiros, ou entre pessegueiros ansiando por pereiras, isso não é destino—é ganância.
Sun Caiyao a encarou.
—O Príncipe Chen é seu pessegueiro ou pereira?
—Ele é todas as belezas para mim. —Os olhos de Jiuzhu brilharam.—Pessegueiros, pereiras, o esplendor de todas as estações—ele é tudo isso.
Naquele instante, Sun Caiyao soube: se a morte do Príncipe Chen em seu sonho tivesse sido realmente causada por seu marido, Ming Jiuzhu o mataria sem hesitar.
Ainda assim, não conseguia entender por que a Jiuzhu do sonho, que nunca havia conhecido o Príncipe Chen, o amava tanto. Seria possível uma mulher amar um homem que nunca conheceu?
—Cunhada —Jiuzhu disse suavemente—, não sei o que a aflige, mas permita-me um conselho: muitas dores se resolvem ao fazer as pazes consigo mesma.
—Se houvesse um grampo de cabelo, único no mundo, feito para você—mas você nunca soubesse de sua existência, e outra pessoa o tomasse primeiro. Você a culparia?
—Como posso culpar por algo que nunca foi meu? —Jiuzhu riu.—Além disso, é só um grampo. Se não for esse, outro combinará melhor comigo.
—E se fosse uma pessoa? —Sun Caiyao insistiu, o olhar ansioso por uma resposta.—Por exemplo... digamos, Sua Alteza, o Príncipe Chen?
Ming Jiuzhu congelou por um momento. Levantou o rosto, contemplando as flores de damasco nos galhos enquanto pensava com cuidado.
—Se fosse Sua Alteza... e outra pessoa conquistasse seu coração, o tratasse bem, e ele a amasse em troca, então eu não sentiria rancor.
Porque, desde o início, ela nunca esperou tê-lo.
—Entendo. —Depois de uma longa pausa, Sun Caiyao suspirou.—Ming Jiuzhu, eu não sou tão boa quanto você.
—O que houve, Quarta Cunhada? —Jiuzhu ficou cada vez mais preocupada com o comportamento estranho de Sun Caiyao.—Devo chamar o médico imperial?
—Não é nada. —Sun Caiyao forçou um sorriso.—Apenas admirei o carinho entre você e o Quinto Irmão.
Jiuzhu a observou por um momento antes de dizer calmamente:
—O cenário que você descreveu foi um onde Sua Alteza e outra pessoa estavam profundamente apaixonados. Mas, se fosse agora, eu certamente não deixaria ninguém tirá-lo de mim.
Os tempos mudam, e as circunstâncias também.
As flores se ramificam, e as histórias tomam novos rumos.
—Quem ousaria me tirar de você? —O Príncipe Chen surgiu na beira do bosque, inclinando-se para pegar a mão de Jiuzhu. Lançou um olhar levemente irônico a Sun Caiyao.—Quarta Cunhada, se você e o Quarto Irmão tiverem algum desentendimento, sugiro que o resolvam a portas fechadas. Não incomodem minha esposa com tais assuntos.
—O Palácio das Seis Jade fica bem longe do Palácio Qilin. Caminhar até aqui... pode fazer você tropeçar e se machucar. —Ele ergueu o queixo.—Yang Yiduo, escolte a consorte do Quarto Príncipe de volta.
Sun Caiyao empalideceu.
—Quinto Irmão, precisa ser tão duro? Estávamos apenas trocando algumas palavras como cunhadas. Não há razão para tanta desconfiança.
Jiuzhu percebeu um lampejo de culpa na expressão dela. Sem vontade de continuar a conversa, puxou a manga do Príncipe Chen.
—Sua Alteza, vamos.
—Quinta Cunhada...
—Quarta Cunhada, marido e mulher são um só. —Jiuzhu não se deu ao trabalho de esconder sua posição.—Você realmente esperava que eu ficasse do seu lado nessa situação?
No instante em que o olhar de Jiuzhu encontrou o dela, Sun Caiyao se lembrou da expressão do sonho—calma, indiferente, sem espaço para negociações.
Silenciosamente, ela recuou um passo, observando impotente enquanto o Príncipe Chen e Ming Jiuzhu se afastavam de mãos dadas.
—Senhora. —Bai Shao ajustou o guarda-chuva para protegê-la da chuva.—Está caindo um temporal. Vamos voltar.
—Bai Shao —Sun Caiyao perguntou—, que tipo de pessoa você acha que Ming Jiuzhu é?
Bai Shao manteve a cabeça baixa.
—Esta serva não ousa julgar.
Sun Caiyao lançou-lhe um olhar.
—Está perdoada. Fale.
—A Princesa Consorte tem um bom coração. Parece... uma pessoa muito boa.
—Uma boa pessoa? —Sun Caiyao soltou uma risada vazia.—Acho que alguém como ela não deve ser pressionada demais.
A pureza, em sua forma extrema, é aterradora por si só.
—Sua Alteza, por que não trouxe guarda-chuva? —Jiuzhu moveu o seu para cobrir parte da cabeça do Príncipe Chen.—Seu cabelo está encharcado.
—Está tudo bem. —O Príncipe Chen limpou o rosto descuidadamente com um lenço.—Mais cedo, Sua Majestade me fez trazer um monte de presentes. Disse que um genro não pode visitar a família da esposa de mãos vazias.
—Espere. —Jiuzhu pegou o lenço e secou sua testa e nariz.—Há tantas regras para o retorno da noiva?
—Claro que há. —O Príncipe Chen pegou o guarda-chuva e o firmou sobre os dois.—Amanhã de manhã partiremos cedo e voltaremos à noite.
Assim, poderiam passar mais tempo na residência da família Ming.
—Ah. —Logo ao amanhecer, Ming Jiyuan se debruçou sobre o muro do pátio com um suspiro.—Pelas tradições das famílias comuns, hoje seria o dia do retorno da noiva de Jiuzhu.
—Terceiro Irmão. —Ming Cunfu quase caiu no choro.—Você me acordou ao raiar do dia só pra dizer isso?
Ming Jiyuan o ignorou, murmurando para si mesmo:
—Como seria maravilhoso se alguém dissesse que Jiuzhu está voltando agora.
—Jovem Mestre! —O mordomo veio correndo, gritando.—A jovem senhorita voltou!
—Minha irmã voltou?! —O sono de Ming Cunfu sumiu na hora. Ele olhou para cima e viu o primo correndo como um louco.
Tentando escalar o muro, quase caiu ao pular.
—Terceiro Irmão, espera por mim!
Capítulo 80 — Envelope Vermelho
O céu ainda estava escuro quando Jiuzhu e o príncipe Chen embarcaram numa carruagem carregada de caixas de presentes e deixaram os portões do palácio.
Na névoa da manhã, várias barracas de café da manhã já estavam montadas, atendendo aos estudiosos que corriam para a escola e aos funcionários menores que se sentavam à beira da estrada, devorando suas refeições. Alguns já eram frequentadores regulares, trocando brincadeiras leves com os vendedores, enquanto o aroma dos pães cozidos no vapor se espalhava por toda parte.
O príncipe Chen e Jiuzhu esfregaram suas barrigas — tinham pulado o café da manhã para sair cedo.
— Alteza, devemos comer antes de irmos para casa? — Jiuzhu levantou a cortina da carruagem, os olhos demorando-se nos pães brancos e fofos.
— Não precisa. Ainda não estou com fome. Podemos comer depois de visitar seus pais — o príncipe Chen engoliu em seco. A maior parte da comida de rua era muito temperada, e ele não podia correr o risco de parecer inadequado diante da família de Jiuzhu, mesmo que estivesse morrendo de fome. — Vou mandar Yang Yiduo trazer alguns petiscos para você.
— Alteza — Jiuzhu o observava atentamente —, o senhor está... nervoso?
— Nervoso? — O príncipe Chen endireitou as costas. — Que absurdo. Por que eu estaria nervoso? Será que pareço o tipo de pessoa que fica nervosa?
— Senhor Ming!
Alguém do lado de fora da carruagem chamou, e o príncipe Chen imediatamente enfiou a cabeça para fora. O homem chamado Senhor Ming era um oficial menor de sétima patente. Ao perceber que não era da família de Jiuzhu, o príncipe Chen rapidamente recolheu a cabeça.
Os dois oficiais que trocavam cumprimentos ficaram surpresos quando uma cabeça apareceu subitamente pela janela da luxuosa carruagem. Observando-a desaparecer tão rápido quanto surgiu, trocaram olhares confusos.
— Aquela cabeça... pareceu familiar — murmurou o oficial de patente mais alta.
O Senhor Ming ficou ainda mais confuso. — Não é aquela carruagem reservada para a família imperial?
Enquanto eles permaneciam perplexos, um grupo de jovens nobres ricamente vestidos passou a cavalo, seguido por uma longa procissão de servos carregando fardos amarrados com seda vermelha.
— Será que é uma procissão de noivado para alguma família nobre?
— Não, não é um noivado. Esses descendentes imperiais juntaram seu próprio dinheiro para comprar material de papelaria, livros raros e manuscritos para a Academia Hongwen.
— Nosso jovem mestre disse que nunca foi bom nos estudos, mas respeita profundamente os estudiosos. A Academia Hongwen foi fundada por Sua Majestade para cultivar talentos de todos os cantos do reino. Como membro da família imperial, ele naturalmente apoia a visão do imperador.
— Que coincidência — disse outro —, meu mestre falou a mesma coisa. Para encontrar esses livros raros, ele enviou pessoas para vasculhar as províncias próximas.
— A educação é inestimável. Amplia a mente e beneficia a nação. Nosso mestre até mandou confeccionar novos trajes sazonais para cada estudioso pobre da academia.
Muitos oficiais a caminho dos Seis Ministérios ouviram a agitação e ficaram intrigados.
— Se não me engano, esses homens são os infames ociosos imperiais?
Os que ainda vagavam pela capital eram os ramos menos capazes e ambiciosos do clã Yun — aqueles com talento ou coragem tinham sido eliminados durante as lutas pelo poder no fim da era Xiande.
— Não está errado. São os mesmos que costumavam seguir o príncipe Chen, apostando em lutas de grilos.
— Não é de se admirar que o livro que eu queria estava esgotado — alguém resmungou —, eles compraram tudo.
Se até esses ociosos imperiais estavam doando para a Academia Hongwen, ficava claro o quanto o imperador valorizava a instituição.
Enquanto os ociosos imperiais marchavam rumo à Academia Hongwen com gongos e tambores, uma tensão crescia nos portões entre um parente imperial menor e um grupo de estudiosos pobres.
O conflito começou quando um estudioso pisou sem querer no sapato do parente imperial. Apesar dos pedidos repetidos de desculpas, o homem exigiu que o estudioso lambesse seu sapato limpo ou seria preso.
Segundo a lei Da Cheng, estudiosos condenados por crimes eram proibidos de fazer exames imperiais por uma década.
— Ajoelhe-se e lamba meu sapato agora! Você tem o tempo que um incenso leva para queimar — ameaçou ele —, ou então...
— Ou então nada! — Um chute derrubou o homem no chão. — Quem você pensa que é, falando besteira nos portões da Academia Hongwen de Sua Majestade?
O agressor, Yun Qirong, ajeitou as vestes e fez uma reverência.
— Peço desculpas pelo espetáculo. Sou Yun Qirong, antigo companheiro de estudos do príncipe Chen e atual guarda imperial. Hoje, vim doar livros raros para a academia.
— Quem ousa...
Yun Qirong silenciou o homem pisando em sua cabeça.
— Não dê atenção a esse chamado parente imperial — disse ele —, seu laço com a família real é mais fino que linha de costura. Deixe ele conosco.
Os estudiosos, tremendo de raiva, ficaram em silêncio atônito diante da cena e depois olharam para a procissão de servos carregando presentes.
— Venham, vamos discutir isso lá dentro — disse Yun Qirong, soltando o homem e envolvendo o braço no ombro do estudioso agredido. — Meus irmãos e eu ficamos emocionados até as lágrimas ao ouvir o príncipe Chen falar da sua dedicação. Infelizmente, nos falta inteligência para os estudos, então trouxemos esses presentes.
— Você nos desprezaria por nossa falta de aprendizado? — Yun Qirong suspirou dramaticamente. — Ah, desperdiçamos nossa juventude e agora só podemos admirar a erudição de vocês.
Constrangidos com os elogios, os estudiosos apressaram-se em garantir que eram bem-vindos, consolando os nobres “de coração partido” por seu potencial desperdiçado.
— Vocês mencionaram o príncipe Chen antes?
— Sim — Yun Qirong concordou com a cabeça —. Sem sua orientação, como nós, os odiados ociosos, saberíamos da dedicação de vocês aos estudos?
— Homens com tanta paixão pela aprendizagem jamais poderiam ser ociosos.
— Ah, é uma longa história — disse Yun Qirong com expressão dolorida. — Estamos apenas felizes que aceitem essas humildes oferendas.
O coração inocente dos estudiosos vacilou. Se o príncipe Chen era tão nobre, e seus amigos tão generosos, como poderiam chamá-los de ociosos?
Que eles temessem ser rejeitados mesmo depois de doar livros raros provava o quão profundamente eram incompreendidos.
Isso só podia ser uma conspiração vil contra o príncipe Chen!
Quando Jiuzhu e o príncipe Chen passaram pelos portões da família Ming, todos os membros voltaram seus olhares fervorosos para eles.
— Seu genro presta respeitos ao pai e à mãe Ming — o príncipe Chen se preparou e fez uma reverência como qualquer noivo comum.
— E ao tio e aos meus estimados cunhados.
— Saudações, Alteza — a família Ming não esperava que o príncipe Chen trouxesse a filha tão cedo pela manhã. Apesar da alegria, mantinham a compostura: — Saudações à princesa consorte...
— Pai, mãe — Jiuzhu adiantou-se e segurou suas mãos, impedindo que se curvassem. — Não importa as formalidades lá fora, aqui em casa somos família. Essas regras externas não devem valer aqui.
— Jiuzhu está certa. Etiqueta é para estranhos — o príncipe Chen entrou na conversa sem vergonha. — Aqui não há estranhos — por que ficar de cerimônia?
— Terceiro Irmão, Sua Alteza fala com sabedoria — Ming Jinghai foi o primeiro a concordar. — Vamos nos reunir como família e continuar lá dentro.
— Mãe, você já tomou café da manhã?
— Ainda não...
— Então vamos comer juntos! — Jiuzhu se jogou num banquinho. — Sua Alteza e eu pulamos o café da manhã para voltar rápido para casa. Estou praticamente morrendo de fome.
Shen Ying olhou para a filha, que agia como uma mimada, e por um momento sentiu como se Jiuzhu nunca tivesse se casado — como se ela apenas tivesse ficado fora por alguns dias antes de voltar para perto dela.
— Muito bem, mandarei os servos trazerem o café da manhã imediatamente — Shen Ying saiu do transe, e a alegria era visível.
— Obrigado, Alteza, por trazer Jiuzhu para casa — Ming Jingzhou entendia bem como devia ter sido difícil para o príncipe Chen, que vivia no palácio, organizar essa visita.
— O senhor me elogia demais, sogro. A casa de Jiuzhu é minha casa... — o príncipe Chen quase mordeu a língua. — Quero dizer, a família de Jiuzhu é minha família. Voltar aqui com ela é natural. Se me agradecer, vou me sentir um estranho.
Droga, Yun Duqing, onde estava sua cabeça agora?
Que “casa”? Você é um homem adulto — de que “casa” está falando?
Ming Jingzhou fingiu não perceber o deslize do príncipe. Observou sua expressão, como se pesasse a sinceridade por trás das palavras. Depois de uma pausa, sorriu.
— Já que Sua Alteza não nos despreza, a família Ming será a sua segunda casa a partir de agora.
Com isso, tirou um envelope vermelho da manga — seu conteúdo desconhecido, embora a mão tremesse levemente ao segurá-lo.
— Segundo o costume popular, quando um genro visita a família da esposa pela primeira vez depois do casamento, os mais velhos lhe dão um presente — Ming Jingzhou colocou o envelope na mão do príncipe Chen. — Nossa família é humilde — não considere o presente insignificante.
— Com a bondade do sogro, até uma moeda de cobre seria preciosa para mim — o príncipe Chen guardou o envelope na manga satisfeito.
Seu sogro lhe dera um envelope vermelho — isso significava que o aceitava como genro.
Se o sogro estava satisfeito, então Ming Jiuzhu ficaria feliz, e não haveria problemas no casamento por causa da família dela. Perfeito.
— Ahem — Ming Jinghai entregou diretamente ao príncipe Chen uma bolsa. — Não esperávamos a visita de Sua Alteza, então não estou preparado. Por favor, aceite isso no lugar do envelope vermelho adequado.
Ming Jiyuan também apresentou um envelope vermelho, com o olhar visivelmente mais ameno para o príncipe.
Ming Cunfu hesitou, depois desabotoou sua bolsa já vazia do cinto.
Como primo dela, não podia envergonhar a irmã em um momento como esse.
Se era tradição dar presentes aos recém-casados, que assim fosse — ele daria!
Vendo os mais velhos cobrirem o príncipe Chen de presentes, Jiuzhu se inclinou e estendeu a mão.
— Cadê o meu?
— O casamento de Sua Alteza com você significa que nossa família ganhou meio filho — Ming Jingzhou desviou o olhar da mão estendida dela. — Você sempre foi nossa filha — não existe costume de dar envelope vermelho para você.
— Ah. — A mão de Jiuzhu caiu.
Não é à toa que dizem na capital: “Só o recém-chegado é sorridente; ninguém ouve o velho chorar.”
O príncipe Chen sussurrou em seu ouvido:
— Não se preocupe — o que é meu é seu. Depois dividiremos cinquenta e cinquenta.
— Mas se o pai me desse um também, teríamos duas partes — Jiuzhu sussurrou de volta. — Alteza, sua suspensão salarial ainda não foi levantada.
A orelha de Ming Jingzhou mexeu. Ming Jinghai mexeu-se na cadeira.
A família Ming nasceu com ouvidos atentos e olhos aguçados — eles captavam sussurros com muita facilidade.
— Jiuzhu — Ming Jiyuan não pôde deixar de interromper —, você...
Jiuzhu olhou para ele com olhos esperançosos.
Olhando para o olhar suplicante da irmã mais nova, Ming Jiyuan engoliu o resto das palavras.
— Tome. — Ele puxou outro envelope vermelho da manga.
Vai lá, pegue o dinheiro do seu pobre irmão mais velho e alimente seu príncipe com ele.
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