Capítulo 80

 Erva Bililing

“Obrigada, A—” A cultivadora parou, olhando cautelosamente para Xu Shulou. “Podemos continuar chamando você de A-Yi?”

Xu Shulou assentiu. “Claro.”

A cultivadora sorriu. “Obrigada, A-Yi! Você salvou nossas vidas.”

Outra cultivadora acrescentou: “Não se preocupe, não revelaremos sua verdadeira identidade. Contanto que você permaneça em Xuan Cang, manteremos seu segredo.”

As duas a olharam com emoções mistas. Quem diria que sua colega de classe, geralmente gentil e amável, era na verdade a infame Xu Shulou, cujo nome por si só fazia alguns no mundo do cultivo ranger os dentes?

Lembrando-se de como alguém uma vez discutiu na frente dela se ela era “digna” do prodígio de primeira linha Lu Beichen, e ainda assim ela não perdeu a calma — tal contenção era quase excessiva para uma cultivadora genial.

O Ranking de Prodígios de Qingyun era impressionante? Absolutamente. Mas Xu Shulou? O mundo do cultivo geralmente concordava que sua força superava em muito o nível comum de cultivadores com menos de trezentos anos. O fato de ela não ter participado não foi por medo de perder a face, como alguns especularam maliciosamente, mas sim porque ela era vista como distante e desdenhosa de tais competições.

Isso foi um mal-entendido. Xu Shulou não era distante nem desdenhosa — ela simplesmente não estava interessada.

As duas cultivadoras, lembrando-se de sua conversa anterior, sentiram uma pontada de constrangimento, mas também de indignação em nome dela. Como alguém tão gentil quanto A-Yi poderia ser retratada tão injustamente em boatos? Além disso, se alguém tinha o direito de ser arrogante, era Xu Shulou. Após meses de interação, elas viram como aqueles de famílias prestigiadas, que desprezavam todos os outros, eram muito mais arrogantes do que ela, apesar de serem muito menos capazes.

Tendo acabado de serem salvas por Xu Shulou, suas mentes ainda estavam nebulosas com admiração por sua postura calma e pelo único golpe de espada que havia partido o céu. Elas convenientemente esqueceram os boatos de seus feitos sangrentos — como ela sozinha havia derrubado três anciãos da seita de seu ex-noivo — e se concentraram em defender sua reputação.

Xu Shulou sorriu fracamente, prestes a falar, quando de repente sentiu várias figuras se aproximando. Com um lampejo de energia espiritual, ela afastou as duas. “Escondam-se. Agora!”

Reconhecendo o perigo, elas não hesitaram, recuando rapidamente para uma caverna próxima. Embora cultivadores de nível superior detectassem facilmente sua presença, Xu Shulou permaneceu firme, atraindo toda a atenção para si.

Este grupo era maior — quase vinte pessoas — aparentemente vasculhando a montanha para capturar alunos perdidos. Avistando as cinco figuras inconscientes no chão, elas se tensionaram, olhando para Xu Shulou com cautela. Não havia nem mesmo um vestígio de batalha nela. “Notifiquem o líder da seita!”, gritou um.

Alguns voaram imediatamente. Xu Shulou não se incomodou em detê-los; com tantos, era impossível impedi-los de relatar. Ela simplesmente esperou calmamente pela chegada do chamado “líder da seita”.

Logo, um homem mascarado apressou-se. No momento em que ele pousou e a viu, ele ficou tenso. “Senhora Xu? É você?”

Outro a reconheceu. Mas seu tom não soava hostil. “Quem é você?”, ela perguntou.

Após uma breve hesitação, o homem cerrou os dentes e tirou a máscara, revelando um rosto honesto e de meia-idade. “Chu Fu, da Seita Xuanji, ao seu dispor.”

As duas cultivadoras escondidas se maravilharam com a comoção lá fora. A reputação de Xu Shulou era realmente colossal — alguns desses agressores tremiam ao vê-la, enquanto outros se curvavam em reverência.

“É você?” Xu Shulou ficou surpresa. Ela o conhecera antes e tinha uma impressão favorável. Ele não parecia do tipo que orquestrava emboscadas ou cercos.

“Senhora Xu, eu nunca esqueci sua graça salvadora de vida há vinte anos”, disse Chu Fu, curvando-se novamente. Seu olhar permaneceu em suas vestes da Academia Xuan Cang. “Eu não fazia ideia de que você estaria aqui hoje.”

“Se bem me lembro, vinte anos atrás, seu irmão mais velho ainda era o líder da Seita Xuanji.”

Com isso, um lampejo de ódio cruzou seu rosto. “Meu irmão… faleceu.”

Xu Shulou parou, juntando as peças. “Estava relacionado a Feng Jiuyou e Qi Wutong?”

Chu Fu hesitou, como se estivesse debatendo se deveria responder honestamente. Mas a agudeza em seus olhos aos nomes deles traiu seus pensamentos.

Xu Shulou insistiu, meio adivinhando: “Seu plano de hoje falhou. Os alunos da Academia Xuan Cang já escaparam por passagens secretas em busca de ajuda.”

“…” Chu Fu congelou, sua expressão desmoronando em derrota e ressentimento.

“Agora, sou a única que resta na academia. Você planeja me fazer refém para negociar com a Seita Qingcheng?”

“… Eu não ousaria”, ele finalmente disse, balançando a cabeça. “Você salvou minha vida, Senhora Xu. Não posso retribuir a bondade com traição.”

A Seita Xuanji era pequena e pacífica, seus discípulos em sua maioria medíocres no cultivo. Por séculos, eles coexistiram harmoniosamente com os aldeões próximos, até mesmo os auxiliando durante fomes. Xu Shulou cruzou caminhos com eles vinte anos atrás e os tinha em alta estima. Agora, ela suspirou. “Que mágoa você tem contra Feng Jiuyou e Qi Wutong? Conte-me.”

Após uma luta, Chu Fu cedeu. “É sobre minha sobrinha. Ela nasceu com uma condição cardíaca — incapaz de cultivar. Ela precisava da Erva Bililing para sobreviver. Meu irmão e eu procuramos por anos antes de finalmente localizar um talo…”

Xu Shulou adivinhou o resto. “Feng Jiuyou a roubou?”

“Sim. Já havíamos obtido a erva quando Feng Jiuyou nos interceptou. Qi Wutong insistia que precisavam dela para salvar a vida de Little Lan’er, exigindo que a entregássemos.” A voz de Chu Fu tornou-se amarga. “Nós recusamos, mas eles eram em maior número. Feng Jiuyou pegou a erva e jogou o dobro de seu valor em pedras espirituais a nossos pés, chamando isso de ‘compensação’.”

“…”

“Procuramos desesperadamente por uma alternativa, mas era tarde demais. Minha sobrinha — apenas uma adolescente — definhou… Na época, culpamos apenas a nós mesmos por sermos mais fracos. E como Qi Wutong alegou que era para salvar uma vida, engolimos nossa raiva…”

Xu Shulou suspirou.

“Mas você sabe o que Little Lan’er era?” O tom de Chu Fu tornou-se venenoso.

Xu Shulou franziu a testa. “O quê?”

“Descobrimos mais tarde — era um vaso de orquídeas que Qi Wutong mantinha. Nem mesmo uma planta espiritual. Apenas uma flor comum, sem mente.” O rosto de Chu Fu se contorceu em angústia. “Para salvar uma maldita flor, Feng Jiuyou e Qi Wutong roubaram a Erva Bililing e mataram minha sobrinha!”

Os discípulos circundantes da Seita Xuanji, lembrando-se da garota que eles viram crescer — uma que permaneceu otimista e espirituosa, apesar de não poder cultivar — usavam expressões de indignação.

“Fiquei tão furioso que meu irmão mais velho e eu fomos confrontá-la”, continuou Chu Fu. “Mas Qi Wutong agiu totalmente ingênua, piscando seus olhos e dizendo: ‘Um vaso de orquídeas também é uma vida. Se bem cuidado, pode até viver mais que minha sobrinha!’”

Xu Shulou franziu a testa. Se Qi Wutong havia sido verdadeiramente protegida demais por Feng Jiuyou ou simplesmente ignorante do mundo, suas palavras eram inegavelmente cruéis.

“Meu irmão não suportou e imediatamente partiu para atacá-la”, relatou Chu Fu, seu rosto sombrio com a dor da memória. “Na época, Qi Wutong estava hospedada com Feng Jiuyou na Seita Qingcheng. No momento em que a luta começou, discípulos de Qingcheng — sem saber a verdade — correram para ajudá-la e nos expulsaram, meu irmão e eu.”

“…”

“Antes de sermos expulsos, vi Feng Jiuyou apressar-se e abraçar Qi Wutong, consolando-a como se ela fosse a vítima. Ela chorou e perguntou por que aquelas pessoas eram tão gananciosas, mesmo depois de ela ter compensado com o dobro de pedras espirituais. Meu irmão ficou tão furioso que cuspiu sangue na hora. Nenhuma quantidade de pedras espirituais poderia comprar de volta a vida de sua filha! O mundo chama Qi Wutong de ‘Donzela Divina’, mas ela realmente se considera uma deusa? Que seu vaso de flores vale mais que a vida de outra pessoa?”

“…”

“Meu irmão estava em um momento crítico de seu cultivo, prestes a atingir um avanço. O choque deste incidente o fez desviar de qi, e ele pereceu”, Chu Fu enxugou as lágrimas. “Como seu irmão, como eu poderia não odiar? Como eu poderia não buscar vingança?”

“…”

“Mas me faltava força. Então, durante o casamento deles, causei problemas, esperando forçar a Seita Qingcheng a lidar com o assunto publicamente”, admitiu Chu Fu amargamente. “Eu sabia que não era a melhor abordagem, mas não tinha outras ideias…”

“A Seita Qingcheng, como a principal seita do mundo do cultivo, sempre foi justa e respeitada por outros. Exigir justiça deles pode funcionar”, ponderou Xu Shulou. O plano de Chu Fu de escalar a situação para impedir que a seita a encobrisse era compreensível. “Mas você nunca deveria ter envolvido alunos inocentes. Você percebe que sua emboscada ao Professor Li deixou a entrada para o reino secreto menor desprotegida, causando ferimentos graves aos alunos que treinavam lá dentro?”

Chu Fu empalideceu. “Eu realmente não sabia. Eu nunca quis machucar os alunos. Me desculpe.”

Xu Shulou suspirou. “Se o que você diz é verdade…”

“Eu juro!”, Chu Fu interrompeu. “Cada palavra é fato! Se eu menti, que meu caminho de cultivo seja cortado e que eu pereaça sob relâmpagos celestiais!”

“…” Xu Shulou passou os dedos pelo cabo de sua espada. “Se você retirar seus homens do Monte Taihua, eu o ajudarei a encontrar uma solução.”

Chu Fu brilhou. “Você tem um plano, Senhora Xu?”

“Ainda não. No máximo, posso acompanhá-lo para exigir respostas.”

Chu Fu curvou-se profundamente. “Por se aliar a nós contra a Seita Qingcheng, sou eternamente grato.”

“Não confunda isso com absolvição. Assim que este assunto for resolvido, abordaremos os danos causados ao Professor Li e aos alunos”, disse Xu Shulou firmemente. “Agora, retire seus homens.”

“Muito bem.” Após a prolongada luta, a tentativa fracassada de reféns e a batalha com os fantoches, Chu Fu estava perdido e não tinha escolha a não ser recuar.

Xu Shulou combinou um ponto de encontro com ele e observou enquanto seu grupo levava seus camaradas inconscientes embora. Ela esperou até ter certeza de que eles não voltariam antes de localizar as duas cultivadoras escondidas em uma caverna próxima.

Uma delas chorava incontrolavelmente, momentaneamente deixando de lado suas queixas. “Feng Jiuyou e Qi Wutong são desprezíveis! Devemos ajudar a Seita Xuanji!”

A outra cultivadora parecia igualmente angustiada. “E pensar que eu chorei por sua história de amor! Isso é revoltante! Mesmo que Qi Wutong seja um espírito de árvore e se sinta mais próxima de plantas do que de humanos, como ela poderia não mostrar remorso pela morte de uma criança? Se isso for verdade, eu… eu nunca mais os admirarei!”

Xu Shulou parou, depois lhes entregou um lenço. “Vamos nos reagrupar com os outros primeiro.”

As duas assentiram.

Quando Xu Shulou as levou para onde os alunos estavam escondidos, Bai Roushuang e os outros suspiraram de alívio, aglomerando-se para perguntar sobre a situação lá fora.

Enquanto isso, os capangas que ela havia adotado informalmente focaram nos dois recém-chegados, circulando-os com escrutínio. “Nosso chefe salvou vocês? Já pagaram a taxa de proteção?”

Em meio à conversa dos alunos, Xu Shulou captou a observação e gritou: “Silêncio! Não estraguem minha reputação!”